MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

COMO OS ESCRITORES ESCREVEM

Não faz muito tempo, talvez trinta anos, conversava com meu amigo Prof. Joffre Marcondes de Rezende sobre a maneira particular que cada pessoa usa para escrever um texto; “eu gosto de escrever, inicialmente, utilizando-me de uma caneta ou às vezes de um lápis”, disse-me ele, aduzindo com evidente satisfação: tenho a sensação de que “as palavras descem do cérebro, correm pelo meu braço, alcançam minhas mãos e daí, escorregam para o papel”; parece que muitos da nossa geração passaram por esta fase, eu também, embora sem aquela percepção observada pelo Prof. Joffre.

Outro dia, remexendo nas minhas gavetas de guardados, voltei a folhear vários manuscritos que estavam esquecidos no canto do tempo, folheei alguns deles, principalmente anotações de viagens, substratos para possíveis crônicas ou contos e até um cronograma para um romance que ainda não foi escrito; muitos deles criaram vida própria e foram aproveitados em textos que escrevo todas as semanas aqui no jornal.

Os leitores que lêem os jornais e livros, provavelmente não têm consciência da luta do escritor para deixar um texto pronto para publicação; dentre aqueles meus manuscritos encontrei vários deles em duplicatas, alguns outros com várias versões sobre o mesmo assunto; depois de “aceitar” que um determinado escrito é aproveitável, passava-se para a etapa seguinte: datilografá-lo.

Nos dias de hoje sei que é quase uma blasfêmia falar em datilografar um texto, principalmente para os mais jovens, pois a máquina de escrever é um instrumento quase em extinção; minha “vingança” é a informação que me é repassada pela imprensa de que, daqui a 20 anos, nenhum dos equipamentos de informática que estão em uso nos dias de hoje, servirão para alguma coisa, a não ser para aumentar os acervos dos museus.

Foi por isto que no inicio deste texto falei, até como ato de autodefesa, em “trinta anos”, como se fora pouco tempo; naquela época datilografava meus textos em uma Olivetti Lettera portátil, que a mantenho entre minhas relíquias do passado; depois passei a usar o computador, onde escrevo os textos diretamente, sem utilizar, aparentemente, o demorado percurso cérebro-braço-mão que me ensinara o Prof. Joffre.

Não se sabe a quem cabe a primazia do uso do computador na literatura, porém, para a máquina de escrever existem algumas discussões e muitas controvérsias, senão vejamos:

O historiador John Sutherland conta no seu livro “Curiosities of Literature, 2008” que Mark Twain teria dito em 1904: “Eu agora vou reivindicar, até alguém me provar o contrário, que eu fui a primeira pessoa no mundo a usar a máquina de escrever na literatura. Usei-a para escrever o livro As aventuras de Tom Sawyer em 1874”.

Aquele mesmo historiador, no entanto, não concorda com Twain e traz à luz algumas informações que acho interessante serem divididas com meus leitores; na verdade, diz ele, Twain enganou-se na data (lembrar que ele escreveu aquela informação mais de trinta anos depois do supostamente acontecido, poucos anos antes da sua morte), pois o seu livro, que realmente foi datilografado, é “Vida no Mississipi”, escrito em 1883.

Na verdade, continua Shuterland, ele perdeu esta hegemonia por apenas alguns meses para outro nome famoso, o filósofo alemão Nietzsche que em 1882, por 375 marcos, comprou uma “máquina de escrever com bolas” de um pastor de nacionalidade dinamarquesa de nome Hansen, que havia inventado este “aparelho” para auxiliá-lo nas suas aulas para surdos-mudos.

Nesta sua nova máquina de “brinquedo”, Nietzsche escreveu a famosa frase: “A máquina de escrever com bolas é um objeto parecido comigo: feita de aço, porém facilmente modifica sua jornada de trabalho; requer muito tato e paciência, assim como dedos finos para o seu uso”.



Nesta máquina, após ter datilografado o seu livro “Zaratustra”, Nietzsche descobriu que não possuía os dedos finos, não tinha muita paciência, tampouco tinha tato; portanto, decidiu voltar para sua antiga maneira de escrever.

Acho, no entanto, conveniente não considerar as informações de Twain com simples lapsos de memória, pois a citação feita pelo escritor Shuterland foi extraída de um resumo da autobiografia daquele famoso escritor (Essays and Sketches of Mark Twain - Ensaios e resumos de Mark Twain, 1995) e ali consegui verificar que existe um capítulo inteiramente dedicado ao seu interesse pela máquina de escrever, desde detalhes da sua compra até a sua impaciência com o seu uso.

Dentre tantos pormenores da sua “vida” com a máquina, ele afirma, categoricamente: “Eu fui a primeira pessoa no mundo a ter um aparelho de telefone na sua casa e agora afirmo, eu fui a primeira pessoa no mundo a usar a máquina de escrever na literatura, com o livro As aventuras de Tom Sawyer; escrevi a primeira metade do livro em 1872 e o restante em 1874 e minha datilografa copiou-o na máquina em 1874”.

Das duas uma: ou Mark Twain considerou o inicio do seu manuscrito como a data a ser referendada ou ele não sabia da história de Nietzsche, perfeitamente compreensível pelas dificuldades de comunicação existentes naquela época.

No meio desta discussão, o que falar do Padre paraibano Francisco João de Azevedo que fabricou uma máquina de escrever de madeira jacarandá em 1861, tendo sido homenageado, naquele mesmo ano, pelo nosso então Imperador, Dom Pedro II, com uma Medalha de Ouro; foi convidado para exibi-la na Exposição Internacional de Londres em 1862, porém, não conseguiu ir por falta de patrocínio para a viagem.

Se Mark Twain não levou em consideração nem o filósofo Nietzsche, imagine um brasileiro...

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