MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

LONDRES, OS JORNAIS E OS ESCÂNDALOS

Em 1972, ainda bem jovens, Marília e eu tivemos uma experiência maravilhosa em nossas vidas, vivemos em Londres por seis meses; fui fazer um curso de pós-graduação na minha especialidade no hospital São Marcos, na época a referência mundial para o estudo das doenças coloproctológicas.

Dentre tantas coisas agradáveis que nos aconteceram durante aquele interregno de tempo, lembro-me de um fato, aparentemente trivial do nosso dia-a-dia, mas que ficou marcado nas nossas lembranças; uma ou duas vezes por semana, após encontrarmo-nos no centro de Londres (Oxford Circus), vindo cada um de nós das suas jornadas de atividades (Marília do curso de inglês e eu do Hospital), pegávamos o metro e descíamos na estação Lancaster Gate, nas imediações do Hyde Park, de onde caminhávamos até um “pub” que havia naquelas imediações, onde ficávamos durante algum tempo discutindo nossas atividades do dia, falando da saudade dos nossos filhos e familiares, tudo isto misturado com uma ou duas “larger” (cerveja inglesa servido em copos-tulipa).

Foi um tempo venturoso das nossas vidas, deixamos nossos três filhos,( Ana Paula com apenas 7 meses de idade) aos cuidados de minha irmã Junia e fomos cumprir nossos destinos, Marília foi corajosa, como sempre tem sido, enfrentou a resistência da família ao assumir tal responsabilidade de deixar para trás os filhos tão pequenos; quando éramos questionados, respondíamos, em uníssono: Nossa chance é agora, nossos filhos terão a vida inteira pela frente para realizarem seus sonhos, não sabemos se teremos outra oportunidade.

Só para se ter uma pálida idéia do nosso “desatino”, quando voltamos Ana Paula não nos reconheceu, resultado: a filha chorava de um lado estranhando a mãe e Marília, por sua vez, chorava de tristeza por não ser reconhecida como mãe. Foi difícil!

Voltando aos nossos encontros no “pub Swan”, hoje temos a noção adequada do que ele representou para nós dois, sentávamos em uma mesa localizada em um dos cantos do “botequim de ricos” como o chamávamos, sem condições de conversar com nenhum dos seus frequentadores por não conhecê-los e, principalmente, pelo fato de que o Inglês, normalmente, não se aproxima, respeitando a individualidade de cada pessoa.

Sempre que podemos voltamos a Londres e quando que isto acontece, visitamos o “pub Swan”; de vez em quando nos damos conta de estarmos no mesmo romântico ambiente que foi palco, na década de 1960, do chamado “Escândalo Profumo” que abalou os alicerces do governo inglês na época.

Conto-lhes a história: John Profumo era secretário de Estado para assuntos de guerra no governo conservador de Harold Macmillan desde 1960; em 1961 ele conheceu em uma festa, a garota de programa chamada Christine Keeler, iniciando ali um caso amoroso entre os dois. O escândalo ganhou as manchetes de jornais pelo fato de que Keeler tinha, também, um relacionamento com um oficial que era adido militar da embaixada russa em Londres, de nome Eugene Ivanov.

Como o mundo vivia naquela época, uma das piores fases da guerra fria, as possíveis ramificações para a segurança nacional foram muito graves, levando, inclusive a derrubada do gabinete, com a vitória do partido trabalhista.

Pois bem, o casal Keeler e Profumo, segundo a imprensa noticiou na época, freqüentava o “pub Swan” com alguma freqüência, provavelmente, sentaram-se ao redor de alguma daquelas mesas que sentamos, perdidos no anonimato e pela escuridão da fumaça dos cigarros dos frequentadores.

Dias passados resolvi consultar, pela internet, algumas edições do jornal conservador Londrino “Daily Mirror” para observar a sua reação frente àquele escândalo; no dia 23 de junho de 1963, aquele jornal estampa, como manchete de primeira página: “O Príncipe Philip e o escândalo Profumo – Rumor é absolutamente infundado” , em vão procurei nas páginas do jornal, alguma explicação para o que o Príncipe estaria querendo dizer com a palavra rumor, porém, foi debalde .

Intrigado pela falta de detalhes lembrei-me de um ensaio que li no “London Review of books – 2009” onde o autor (Jenny Diski) dá uma explicação a respeito da conduta da imprensa londrina em casos semelhantes a este; o autor nos remete ao ano de 1930, quando a BBC de Londres definiu alguns parâmetros a serem seguidos pela imprensa considerada popular e da família, dentre estes sobressaem: “Não deve ter compromisso com assuntos duvidosos, deve-se banir os que provoquem piadas a respeito de banheiros, com a feminilidade do homem, imoralidades, assuntos sobre roupas intimas das mulheres, discutir a lua de mel de casais; na dúvida, cortar o assunto...”.

Após estas explicações posso entender, mais ou menos, a notícia do jornal; não se pode ser muito explícito, porém, é necessário deixar “no ar” alguma coisa escondida entre as palavras, para que o jornal seja vendável; quando o Príncipe Philip, esposo da Rainha Elizabeth II faz o comentário, subentende-se, também, que ele conversou com Sua Majestade sobre o assunto, tornando para os ingleses, muito excitante esta constatação (a rainha conversando sobre assuntos mundanos!) .

Quando o homem comum leu o jornal na hora do café da manhã o texto que explicava a manchete: “homens mascarados fazem algazarra com mulheres ao redor da piscina de uma casa de festas”, apesar de não especificar quais eram os homens que estariam com Profumo e o que faziam na piscina, deixa por conta do leitor a formulação das hipóteses; este, por saber das discussões que se arrastavam na imprensa, conseguiu ver nas entrelinhas o que acontecia naqueles encontros, porém, não tece comentários com a sua esposa, pois assuntos imorais não devem ser levados para o interior dos lares; ela finge que ignora o assunto e depois irá discuti-lo com a vizinha ao redor da cerca do jardim e os dois, marido e mulher, acreditam que os seus filhos não entendem nada destas coisas.

A segunda guerra mundial foi importante para diminuir na imprensa o tabu das divulgações a respeito de assuntos sobre sexo, nesta linha o jornal “Sunday Pictorial” publicou um suplemento para ajudar os pais a explicar aos filhos como nascem as crianças, vejam e acreditem, pois está publicado:

“O esperma do homem, semelhantemente aos animais de quatro patas, está depositado em uma pequena bolsa. O pai coloca o esperma no corpo da mãe, da mesma maneira que os animais fazem”; o mesmo jornal, com o intuito de manter a linha oriunda da BBC, estampou em manchete em 1955 “Mulher virgem dá a luz – Médicos confirmam, não é necessário a presença do homem para se fazer uma criança”.

As duas edições do jornal, à seu tempo, venderam com as manchetes sobre sexo, a primeira com a educação e a segunda com fantasia.

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