MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O CARRO, A ESCULTURA E O HOMEM

Os jornais têm noticiado que Goiânia possui um milhão de carros circulando por suas ruas e avenidas e, por estes mesmos noticiários, ficamos sabendo, também, que este número deverá crescer continuamente; como não existe programação a curto ou médio prazo de derrubar todas as edificações que margeiam estas vias por onde os carros precisam circular e, nem tampouco, de se alargar todas as ruas, vai chegar a um ponto em que haverá o congestionamento definitivo: ninguém andará, nem para frente nem para trás.

Provavelmente iremos seguir os passos de Tóquio com a construção de elevados, cada vez mais elevados, onde os carros circulam acima dos edifícios, causando-nos, de vez em quando, surpresas (no caso, agradável, pois aconteceu comigo mesmo) ao surpreender uma linda japonesa trocando de roupa na tranquilidade do seu quarto, sem se lembrar dos olhos curiosos que adentravam o recinto do seu apartamento; gestos iguais a este poderiam causar as primeiras colisões de carros nas nuvens.

Os mesmos jornais, agora auxiliados pelos veículos de comunicação audiovisual, já conseguiram convencer a nós todos, que o brasileiro gosta mais do seu carro do que da sua amada; esta constatação subliminar leva-me a fazer algumas reflexões sobre esta “nova mania” e procurar entender, se é que isto é possível, a razão desta idolatria.

Antes de discutir o assunto e para que não fique dúvida quanto à minha honestidade de propósito, preciso dizer que não concordo com o resultado desta pesquisa, se é que realmente houve, pois, o automóvel não disputa com minha amada meu bem querer, portanto, meu julgamento pode estar contaminado, a priori, pela minha resistência em aceitar a tese.

De vez em quando, diante da força mercadológica do carro, esquecemos que o mesmo se originou de uma carruagem semelhante à charrete, copiando desta os instrumentos necessários ao seu desempenho e, principalmente, para a manutenção da harmonia necessária para o funcionamento dos três elementos que a compõe (o animal para tracioná-la, o homem para dirigi-la e do carro em si para transportar as pessoas), cada um destes elementos contribuindo para a simetria do conjunto; o carro automotivo necessita, também, de três elementos para funcionar: do homem para dirigi-lo, do motor para movê-lo e do local para acomodar as pessoas a serem transportadas.

A propósito destas divagações, leio em uma das minhas “anotações culturais” a comparação que o pintor e, sobretudo, escultor suíço, Alberto Giacometti (1901-1966) fez, ao comparar o carro automotivo com os puxados à tração animal: “o carro não somente se originou da carruagem, mas sim da combinação do cavalo e da carruagem, cujo resultado é estranho: um organismo mecânico que tem olhos, boca, coração e intestino; ele irá se alimentar, beber e movimentar até ser freado pelo homem. É mais uma das inúmeras paródias da vida”.

Esta sua observação foi feita durante visita que ele fez ao Salão do Automóvel de Paris em 1957; nesta mesma oportunidade foi-lhe proposto fazer comparação entre a beleza dos carros que estavam sendo expostos e a escultura; ouçamos, resumidamente, o que disse Giacometti:

“É um grande erro supor que o carro tenha alguma coisa a ver com a escultura, cada peça, cada máquina é um produto acabado com o intuito de servir ao seu propósito, quanto mais bem acabada, mais perfeita ela será, assim, uma nova máquina funcionará melhor do que a antiga.

Com a escultura isto não ocorre, continua ele, nenhuma estátua pode ocupar o lugar da outra porque ela não é um simples produto, existe nela muitas coisas que não são tangíveis, é uma mistura de mistério e de solução, é uma pergunta e a resposta. A estátua nunca está terminada, nunca é perfeita. Quando Miguel Ângelo fez sua última estátua, a Pietá, a mesma era apenas o principio, ele poderia trabalhar milhares de anos, fazendo Pietá após Pietá, nunca conseguiria repetir ele mesmo”.

Se analisarmos estas considerações feitas por um dos mestres da escultura do século vinte, ombreando em genialidade com Rodin, podemos observar sua adesão filosófica ao Existencialismo, uma vez que ele foi grande amigo de Jean Paul Sartre.

Nas entrelinhas das suas palavras ele está dizendo que o mundo nunca será estático, porém, constantemente sujeito à mudanças e estas mudanças (a máquina automotriz não tinha naquela época a força mercadológica de hoje), leva-nos a pensar sobre a posição do homem, sobretudo do artista, do livre pensador, que sempre pairará, com a sua inteligência e capacidade criadora, acima da máquina.

O carro pode quebrar e cair em desuso, porém, uma pintura de Rembrandt, mesmo riscada, envelhecida, e uma estátua que foi quebrada em várias partes, nunca perderão a beleza e o valor; haverá sempre a presença do artista no velho quadro e cada pedaço que restou da estátua terá poder próprio, como se fosse inteira.

Lembro, porém, não me recordo do ano, que visitei o Museu de Arte Moderna de Nova York quando havia uma exposição de obras deste consagrado escultor (Alberto Giacometti); ao lembrar-me agora da sua “carruagem” consigo entender aquela sua posição, até desafiadora, frente ao automóvel.

Concordo, modestamente, com ele!

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