MINHAS CRÔNICAS

sábado, 10 de setembro de 2011

LOS HERMANOS PRODUZEM VINHOS DE BOA CATEGORIA!

A imprensa tem divulgado que vem crescendo, de há alguns anos até esta parte, o número de brasileiros que ingressaram na chamada “classe média”; depois de tantos e tantos anos de compressão econômica, ficamos satisfeitos de poder desfrutar das benesses que a melhoria do nosso poder econômico tem nos proporcionado.


Esta mesma imprensa divulga, agora escudada em dados do Ministério do Turismo, que o brasileiro, aproveitando esta fase de prosperidade, tem viajado mais, não só para pontos turísticos no Brasil, como para o exterior e que os locais preferidos, quando se leva em consideração as viagens além fronteiras, são a Argentina e o Chile

Aproveitando o chamamento para um congresso médico estive, na companhia de Marília minha mulher, na Argentina há cerca de três semanas; por sorte conseguimos reunir o útil ao agradável: atualização científica e roteiro turístico nos vinhedos de Mendoza; gostei!

Antes da viagem resolvi fazer um levantamento no meu arquivo da biblioteca da Santa Tereza, das referências sobre vinhos que venho acumulando durante algum tempo, surpreendi-me com o acervo, tomo a liberdade de dividir com meus leitores algumas curiosidades.

A Província de Mendoza, situada na região centro-oeste da Argentina, é a mais importante produtora de vinhos daquele país, com quase 80% de toda a sua produção; segundo dizem, existem mais de 1.000 bodegas (vinícolas) naquela região, produzindo uma grande e variada gama de uvas, graças a sua altitude que varia entre 500 a 1.500 metros e, também, ao tipo de solo ali existente, à prolongada estação de outono, quase sempre seca, porém, com temperaturas variáveis, sempre com muito sol que possibilita a perfeita maturação das uvas responsáveis pela inacreditável cepa Malbec, que é o vinho emblemático da Argentina.

Sempre que volto à Argentina, me “encontro espiritualmente” com o famoso e querido escritor Ernesto Sabato, infelizmente falecido no começo deste ano; lembrei-me agora de uma discussão literária, que acabou sendo publicada, que ele teve com o outro, tão famoso como ele, escritor argentino Jorge Luiz Borges, entre o natal de 1974 e março de 1975. (Borges-Sabato, diálogos).

Não gostaria de ser traído pela memória (minha anotação não referia a fonte e não tive acesso, no momento, ao citado livro), porém, acho que foi durante estas discussões que Sabato teria dito: “Bastam umas poucas notas para que Debussy crie uma atmosfera sutil e inefável que um escritor não conseguirá jamais imitar, com qualquer que seja o número de páginas que tenha escrito”.

Esta citação me leva a fazer uma analogia entre a música e o vinho; enquanto ela, a música, nos evoca sentimentos impossíveis de serem descritos pela literatura ou exibidos pelas artes plásticas, pois é capaz de romper barreiras defensivas da consciência, o vinho, através dos sentidos do olfato e da visão, toca diretamente ao intelecto e ao sentimento. É por esta razão que ambos despertam paixões e ódios inexplicáveis.

O vinho seria o complemento perfeito para a boa música; degustar vinho ouvindo música seria, então, uma maneira de sentir emoção mais completa; experimente degustar um Ruca Malen Cabernet Sauvignon de Mendoza ao som de um jazz dos anos de 1930, ou um Alta Vista Rose desta mesma região com La vie en rose, na voz da inesquecível Édith Piaf; o primeiro, após 12 meses em barricas de carvalho, desperta, suavemente, o tanino contido no brand (na mistura) com Malbec e o segundo, com sua tonalidade avermelhada, traz-nos à boca aromas de cerejas.

Penso, no entanto, que para acompanhar o vinho não existe nada mais perfeito do que a comida; para ilustrar esta combinação transcrevo para meus leitores um trecho do meu romance histórico – Couto de Magalhães, o último desbravador do Império, Ed. Kelps, 2005 - onde descrevo o jantar oferecido pelo personagem Barão de Penedo ao Couto de Magalhães, em Londres de 1876; leiam comigo:

“- Cortais, o que você tem para nos oferecer hoje? Indaga o exigente e distante Barão de Penedo.

- Senhor Barão, preparei, como principais, dois excelentes pratos, aliás, ambos da minha criação, à escolha de cada conviva: Poisson grillé aux amandes e o meu preferido e já famoso beefsteak a la Penedo; não passou despercebido que ele nominou este último prato como se não estivesse na presença do Barão de Penedo.

Quanto ao vinho, preciso saber o prato a ser escolhido pelos diferentes convivas, para que eu possa selecioná-lo adequadamente; como não poderia ser diferente, a maioria, até por uma questão de cortesia para com o anfitrião, escolheu o beef.

Sem nenhum trejeito, Cortais agradeceu a feliz escolha de todos, fez augúrios para que aprovassem suas duas especialidades e se retirou com o gesto internacional de cortesia: abaixou a cabeça e parte do tórax, com a mão direita cruzada na frente do abdome. Poucos minutos depois, voltou Cortais, agora na companhia de um outro criado, cujo nome e nacionalidade ele fez questão de nominar.

- Apresento-lhes nosso amigo Luiz português que irá, juntamente com estas duas ladies (senhoras), me ajudar a servir-lhes; o Senhor Barão de Rothschild presenteou o Senhor Barão de Penedo com alguns vinhos que estavam guardados, há muitos anos, na sua maravilhosa adega; terei o prazer de servir, para os que escolheram o beef este tesouro da degustação, o incomparável Chateau Lafitte; para acompanhar o peixe outra jóia rara da vinícola alemã, o delicioso e perfumado Johannisberg Liebfraumich, diz Cortais com cátedra e olhar de superioridade.

- Não levem em conta o que diz o Cortais, ele sempre exagera a respeito dos meus vinhos, fala o Barão de Rothschild, com evidente satisfação; o Liebfraumich

realmente é um maravilhoso vinho, recebo-os já envelhecidos, pelo menos com 10 anos de sono profundo.

- Quanto ao Lafitte-Rothschild é uma longa história de amor; um dos meus tios, o Barão James Rothschild, comprou, em 1868, um castelo com vinhedos em Pauillac, na região vinícola de Bordeaux, na França, onde fabricam este vinho; é considerado um dos melhores do mundo; a uva utilizada é cabernet sauvignon, daí o sabor de groselha preta, com ligeiro toque de cedro. O tempo mínimo de moradia dos barris na cave do castelo é de 10 anos, a partir de quando começa o seu real refinamento.

- Tenho certeza que o Senhor Barão irá lhes oferecer, para levarem para suas casas, algumas garrafas destas preciosidades, diz o saliente Cortais.

Bon appétit!”

Se eu tivesse, pelo menos uma destas preciosidades, ofereceria ao meu amigo e confrade Dr. Ursulino Leão; trouxe-lhe, como prometi, um maravilhoso Malbec argentino.

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