MINHAS CRÔNICAS

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A MODERNIDADE DA CIDADE DE GOIÁS DO INCIO DO SÉCULO 20


       Li, recentemente, os originais do livro que a escritora Elizabeth Fleury, Presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, irá lançar,  muito em breve, com o título, ainda provisório, “Rosarita Fleury, minha mãe”.
            Claro que não tenho permissão para divulgar detalhes do livro, porém, devo dizer que fiquei entusiasmado e,  principalmente emocionado com alguns dos seus trechos, principalmente quando é contada a vida pacata dos habitantes da cidade de Goiás no começo do século passado.
                         As narradoras (Beth e sua mãe) deixaram-me embevecido pela  descrição que fizeram de episódios culturais e políticos daquela época e que moldaram a vida de todos os goianos no presente.
                        Ao ler este fascinante livro, veio-me a lembrança um trecho de outro livro que li  há algum tempo  “A Vida Literária no Brasil 1900, Brtito Broca” e que me chamou a atenção; conta o autor que o nosso querido escritor Hugo de Carvalho Ramos, passando férias na bucólica cidade de Goiás, escreveu à sua irmã  em 24 de maio de 1911, contando-lhe as novidades e, lá pelas tantas, ele diz, textualmente “Este é o modo de viver sensato, natural na opinião de todos, de um rapaz desocupado ou de um estudante em férias: beber qualquer droga inferior que seja no Chat Noir”.
                        Fazendo uma interface com os costumes da cidade de Goiás naquela época em que foi escrita a carta de Hugo de Carvalho Ramos, conforme são desenhados pela Elizabeth e por Da. Rosarita e, diga-se de passagem, por muitos outros cronistas que ali viveram naquela época,  obrigou-me a fazer uma reflexão sobre a possível existência do citado Chat Noir,  naqueles rincões do estado de Goiás, naquela época da carta de Hugo.
                        Para que os meus leitores entendam esta minha surpresa, passo as lhes explicar a origem deste nome, para tanto me recorro a alguns livros da minha biblioteca de onde faremos um ligeiro passeio pelos meandros da história dos costumes e da cultura dos franceses.
                        Leio no livro “Paris Boêmia, Jerrold Seigel” que um cidadão de nome Goudeau , nascido em uma cidade do  interior da França no ano de 1850,  viaja para Paris com a idade de 17 anos na busca de uma carreira literária e, um ano após sua chegada, lança um empreendimento  que viria mudar a vida social e cultural dos parisienses: uma casa mista de café,  literatura e teatro de nome Hydropathes . Rapidamente surgiram outros “cafés” com estas mesmas características, sendo o mais popular e duradouro deles, o Chat Noir (gato preto), localizado em Montmartre.
                        Estes Cafés se multiplicaram durante a fase em que se esvanecia o “Fin de siécle” para dar lugar a “Belle Époque”, época de tensões  provocadas pelas especulações  ousadas de Nietzsche, da conscientização da existência do inconsciente proposta por Freud; época do surgimento dos boêmios que buscavam energias nestes Cafés e nos Cabarés, onde faziam simbiose com a burguesia.
                        No maravilhoso livro “Boêmios, Dan Franck”, o autor faz uma síntese do que ocorria no ambiente cultural dos anos do final do século 19 e inicio do 20 na cidade de Paris, para onde a  intelectualidade do mundo inteiro (pintores,escritores e cantores) acorriam em busca de notoriedade e sobretudo para curtirem a vida; circulavam pelas calçadas e pelos cafés de Montmartre e Montparnasse; não apenas passearam, amaram, brigaram, incomodaram e escandalizaram os donos do p0oder e os adeptos do lugar-comum.
                        Estes personagens usavam, as vezes, roupas extravagantes, organizavam festas inusitadas, puxavam o revólver e provocavam o burguês de mil maneiras, por um motivo essencial, o burguês não gostava deles.
                        No livro de Brito Broca, já citado acima, podemos observar  que este Café “Chat Noir”, devido a sua fama e, também, pela influência que a cultura francesa exercia sobre os nossos costumes no final do século 19 e inicio do século 20, acabou ancorando no Rio de Janeiro com a inauguração de um similar ao parisiense,  pois o que “ os intelectuais, os estetas, como os chamavam o cronista João do Rio, haviam desejado durante muito tempo, fora um cabaré, um cabaré  à moda do Chat Noir.
                        Um dia chegou a noticia: acaba de fundar-se no Rio um  Chat Noir, exatamente nos moldes parisienses, tudo quanto havia de mais rive gauche. Foi  um acontecimento: ia-se ao Chat Noir, como a um supremo prazer de arte, dizia João do Rio; Olavo Bilac que se preocupava com a ideia da morte, escrevia na Gazeta de Noticias que o Chat Noir ia desmoralizar a morte, ainda ontem , disse ele, naquela salinha cheia de desenhos trágicos, vi muito mocinho triste e muito velho anquilosado a ouvir com sorrisos, a apoteose da morte jovial, já temos no Rio um lugar onde se pode confortavelmente rir da morte.
                        Neste ponto volto ao inicio do texto,  como poderia a cidade de Goiás, no inicio do século 20, com as características sociais que conhecemos, não só pelo relato do livro que a escritora Elizabeth Fleury irá publicar muito em breve, mas, também,  pelo que conhecemos por intermédio de muitos outros autores que se preocuparam em desvendar os costumes da população daquela cidade nos primórdios da era republicana no Brasil, abrigar uma boate no estilo da Chat Noir.
                        Será que Hugo de Carvalho Ramos estaria, realmente, frequentando uma Chat Noir em Goiás ou simplesmente ele “desejava” uma boate naquele estilo, onde poderia mudar o rumo das suas férias, como aquele trecho da carta afirma:
“Este é o modo de viver sensato, natural na opinião de todos, de um rapaz desocupado ou de um estudante em férias: beber qualquer droga inferior que seja no Chat Noir”.
                        Assunto para pesquisadores:  teria existido a tal boate em Goiás daquele tempo?

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