A MODERNIDADE DA CIDADE DE GOIÁS DO INCIO DO SÉCULO 20
Li,
recentemente, os originais do livro que a escritora Elizabeth Fleury,
Presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, irá lançar, muito em breve, com o título, ainda
provisório, “Rosarita Fleury, minha mãe”.
Claro que
não tenho permissão para divulgar detalhes do livro, porém, devo dizer que
fiquei entusiasmado e, principalmente
emocionado com alguns dos seus trechos, principalmente quando é contada a vida
pacata dos habitantes da cidade de Goiás no começo do século passado.
As narradoras (Beth e sua
mãe) deixaram-me embevecido pela
descrição que fizeram de episódios culturais e políticos daquela época e
que moldaram a vida de todos os goianos no presente.
Ao
ler este fascinante livro, veio-me a lembrança um trecho de outro livro que
li há algum tempo “A Vida Literária no Brasil 1900, Brtito
Broca” e que me chamou a atenção; conta o autor que o nosso querido escritor
Hugo de Carvalho Ramos, passando férias na bucólica cidade de Goiás, escreveu à
sua irmã em 24 de maio de 1911,
contando-lhe as novidades e, lá pelas tantas, ele diz, textualmente “Este é o
modo de viver sensato, natural na opinião de todos, de um rapaz desocupado ou
de um estudante em férias: beber qualquer droga inferior que seja no Chat Noir”.
Fazendo
uma interface com os costumes da cidade de Goiás naquela época em que foi
escrita a carta de Hugo de Carvalho Ramos, conforme são desenhados pela
Elizabeth e por Da. Rosarita e, diga-se de passagem, por muitos outros
cronistas que ali viveram naquela época,
obrigou-me a fazer uma reflexão sobre a possível existência do citado
Chat Noir, naqueles rincões do estado de
Goiás, naquela época da carta de Hugo.
Para
que os meus leitores entendam esta minha surpresa, passo as lhes explicar a origem
deste nome, para tanto me recorro a alguns livros da minha biblioteca de onde
faremos um ligeiro passeio pelos meandros da história dos costumes e da cultura
dos franceses.
Leio
no livro “Paris Boêmia, Jerrold Seigel” que um cidadão de nome Goudeau ,
nascido em uma cidade do interior da
França no ano de 1850, viaja para Paris
com a idade de 17 anos na busca de uma carreira literária e, um ano após sua
chegada, lança um empreendimento que
viria mudar a vida social e cultural dos parisienses: uma casa mista de
café, literatura e teatro de nome
Hydropathes . Rapidamente surgiram outros “cafés” com estas mesmas
características, sendo o mais popular e duradouro deles, o Chat Noir (gato
preto), localizado em Montmartre.
Estes
Cafés se multiplicaram durante a fase em que se esvanecia o “Fin de siécle”
para dar lugar a “Belle Époque”, época de tensões provocadas pelas especulações ousadas de Nietzsche, da conscientização da existência
do inconsciente proposta por Freud; época do surgimento dos boêmios que
buscavam energias nestes Cafés e nos Cabarés, onde faziam simbiose com a
burguesia.
No
maravilhoso livro “Boêmios, Dan Franck”, o autor faz uma síntese do que ocorria
no ambiente cultural dos anos do final do século 19 e inicio do 20 na cidade de
Paris, para onde a intelectualidade do
mundo inteiro (pintores,escritores e cantores) acorriam em busca de notoriedade
e sobretudo para curtirem a vida; circulavam pelas calçadas e pelos cafés de
Montmartre e Montparnasse; não apenas passearam, amaram, brigaram, incomodaram
e escandalizaram os donos do p0oder e os adeptos do lugar-comum.
Estes
personagens usavam, as vezes, roupas extravagantes, organizavam festas
inusitadas, puxavam o revólver e provocavam o burguês de mil maneiras, por um
motivo essencial, o burguês não gostava deles.
No
livro de Brito Broca, já citado acima, podemos observar que este Café “Chat Noir”, devido a sua fama
e, também, pela influência que a cultura francesa exercia sobre os nossos
costumes no final do século 19 e inicio do século 20, acabou ancorando no Rio
de Janeiro com a inauguração de um similar ao parisiense, pois o que “ os intelectuais, os estetas,
como os chamavam o cronista João do Rio, haviam desejado durante muito tempo,
fora um cabaré, um cabaré à moda do Chat
Noir.
Um
dia chegou a noticia: acaba de fundar-se no Rio um Chat Noir, exatamente nos moldes parisienses,
tudo quanto havia de mais rive gauche.
Foi um acontecimento: ia-se ao Chat
Noir, como a um supremo prazer de arte, dizia João do Rio; Olavo Bilac que se
preocupava com a ideia da morte, escrevia na Gazeta de Noticias que o Chat Noir ia desmoralizar a morte, ainda
ontem , disse ele, naquela salinha cheia de desenhos trágicos, vi muito mocinho
triste e muito velho anquilosado a ouvir com sorrisos, a apoteose da morte
jovial, já temos no Rio um lugar onde se pode confortavelmente rir da morte.
Neste
ponto volto ao inicio do texto, como
poderia a cidade de Goiás, no inicio do século 20, com as características
sociais que conhecemos, não só pelo relato do livro que a escritora Elizabeth
Fleury irá publicar muito em breve, mas, também, pelo que conhecemos por intermédio de muitos
outros autores que se preocuparam em desvendar os costumes da população daquela
cidade nos primórdios da era republicana no Brasil, abrigar uma boate no estilo
da Chat Noir.
Será
que Hugo de Carvalho Ramos estaria, realmente, frequentando uma Chat Noir em
Goiás ou simplesmente ele “desejava” uma boate naquele estilo, onde poderia
mudar o rumo das suas férias, como aquele trecho da carta afirma:
“Este é o modo de viver sensato, natural na opinião de todos,
de um rapaz desocupado ou de um estudante em férias: beber qualquer droga
inferior que seja no Chat Noir”.
Assunto
para pesquisadores: teria existido a tal
boate em Goiás daquele tempo?
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