MINHAS CRÔNICAS

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O estranho diário de uma senhora inglesa do século XIX


              Não faz muito tempo li uma resenha do livro “The private diary of a victorian lady – O diário privado de uma senhora da era vitoriana” no London Review of books que aguçou minha curiosidade; adquiri o livro, gostei do que li e resumo-o para meus leitores
                        O livro conta uma verídica e inacreditável história ocorrida no século 19 na Inglaterra, cuja personagem principal é a senhora Isabela Robinson e os  principais coadjuvantes são  o engenheiro Henry Robinson e o médico Edward Lane, sendo que este último  entrou na história porque estava no lugar errado na hora errada.
                        Isabela (já era viúva, 31 anos de idade) casou-se com Henry, em 1844, na cidade de Londres e cinco anos após mudaram-se para Edimburgo (Escócia), onde conheceram Lady Drysdale, cuja filha (Mary), era casada com o médico Dr. Edward; como acontecia, com frequência, na Inglaterra da era Vitoriana, algumas pessoas ricas, que era o caso  da Lady Drysdale, costumavam fazer reuniões( chá das cinco) nas suas casas, quando se reuniam, a convite do anfitrião (ã), uma variada gama de pessoas ligadas à cultura, como escritores, intelectuais livre pensadores, artistas, atrizes para discutirem assuntos culturais.
                        Foi em uma dessas “soirées” que Isabela conheceu o Dr. Edward, quando conversaram animadamente sobre assuntos os mais variados possíveis, desde enfoques sobre a solidão em que ela vivia e discussões a respeito de poesia, literatura, especialmente sobre Lord Byron e Goethe,  música, política, viagens em balões, descrença em Deus, universo e, até sobre medicina, como ela escreveu no seu “Díario” ao voltar para a casa.
                        Por aquela época Isabela percebeu que Henry casou-se com ela apenas pela herança que ela possuía e, principalmente, passa a perceber que seus mundos são completamente distintos, enquanto ela se interessava pela literatura, ele só pensava em negócios, que, aliás, trazia-lhes enorme conforto material, pois possuíam outras casas em outros locais da Inglaterra e na Itália, com cinco empregados domésticos, verdadeiro luxo na época, tendo em vista que apenas 1,2% dos 10 milhões de habitantes da Inglaterra em 1867 ganhava mais que 300 libras por ano e apenas 50 mil pessoas, que era o casa deles, ganhavam mais de 1.000.
                        Isabela era dez anos mais velha que Dr. Edward e, segundo ela mesmo escreve no seu “Diário”, não era uma moça bonita, no entanto isto não impediu que ela se apaixonasse por ele, principalmente pela afinidade cultural que percebera; com o tempo estes seus encontros deixaram de ser estritamente culturais e passaram para o idílio definitivo, narrado por ela no “Diário” com riqueza de detalhes.

                        No ano de 1856 Isabela teve que ser internada para se tratar de uma  difteria e nos momentos de delírio febril “entregou” o que guardava no seu consciente, Henry que já estava desconfiado, vasculhou suas gavetas e encontrou o “Diário”, onde ficava provada a sua infidelidade.
Incontinente ele entrou com pedido de divórcio junto à Corte de divórcios e causas matrimoniais; era muito difícil se conseguir o divorcio naquela época, o homem deveria provar adultério da esposa, e a mulher, além  de adultério do marido, deveria provar que teria recebido duas graves ofensas (agressão física, por exemplo); Henry alegou que a esposa cometera adultério e como evidência apresentou o “Diário” de Isabela.
                        No dia 14 de junho de 1858 a Corte se reuniu para julgar o caso, com grande presença de público e da imprensa; o advogado de Henry solicita que seja aceito como evidência do adultério, contrariando a tese da defesa, o “Diário” de Isabela ; após discussões entre defesa e acusação, a Corte aceitou o “Diário” como peça do processo; o Presidente da Corte pediu que as mulheres presentes no auditório se retirassem porque haveria passagens no Diário não agradáveis para os ouvidos das senhoras.
                        O advogado de Henry passou a indicar algumas passagens (entradas) do “Diário” a serem lidas pelo serventuário – Dia 7 de outubro de 1854, quando Isabela e Edward se beijaram pela primeira vez e ( ...) 16/10,  “Fomos de carruagem para a estação e no caminho ele agarrou-me nos seus braços e tivemos indecente e carinhosa intimidade” (...).
                        Várias testemunhas foram invocadas por ambas as partes, inclusive o médico Edward que, aliás, negou, com veemência, o adultério, porém, nenhuma delas acrescentou nada que pudesse provar ou descartar os fatos registrados no “Diário”; como ultima cartada, a defesa alegou “insanidade mental da ré”, afirmando que tudo o que ela escrevera no “Diário” era invenção da sua mente doentia, carente de afeição matrimonial e intoxicada pela sua leitura de ficções literárias.
                        Finalmente a Corte concluiu pela absolvição de Isabela, por falta de provas concretas de adultério e negou o divorcio.
                                                Houve grande cobertura da imprensa, com as devidas cautelas para não trazer detalhes do “Diário” que pudessem provocar constrangimento para as famílias; o jornal Saturday Review, publicou um ensaio sobre o livro Madame Bovary de Flaubert, cuja heroína, pretensamente, foi o modelo seguido por Isabela.
                        Por incrível que possa parecer, as mais famosas mulheres retratadas como adúlteras nas novelas escritas no século 19 (Bovary-Flaubert; Anna Karenina-Tolstoi; Therése Raquin-Zola), morreram por suas próprias mãos, Isabela teve um abscesso em um dedo e morreu de septicemia em 1887, com 70 anos de idade.


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