MINHAS CRÔNICAS

sábado, 15 de fevereiro de 2014

BATISTÃO CORREU DA MULA SEM CABEÇA NO TOCANTINS



Peço, antecipadamente, desculpa aos meus leitores se a história que proponho a contar não merecer credibilidade, porém,  para atenuar minha falta de cortesia, devo adiantar que a ouvi do meu amigo Batistão e apenas passo-a para frente.
2)     

Batistão, como muitos dos meus leitores que já o conhecem, sabem, não tem o costume de mentir, apenas gosta de aumentar um pouco o enredo dos dramas que a vida o obriga a representar; existe um ditado popular que aplica bem à personalidade do Batistão - “ O povo aumenta mas não inventa”.
Conto-lhes o sucedido:                      
 Dias destes, de repente o Batistão apareceu na Santa Tereza;  como sempre, chegou cheio de “moral” com os demais peões da Fazenda, contando sobre suas andanças e seus feitos; ao vê-lo percebi, de longe, que ele havia tomado alguns goles da  “maldita”, porém, sem torná-lo inconveniente, pois segundo ele, bebe apenas “para  espantar algumas tristezas que vão sendo acumuladas  durante nossa passagem pelo paraíso que herdamos do pai Adão”.

‘                                  Estava bem  vestido, calça de tecido  caqui de cor cinza, botina rangedeira de cor amarela, camisa listrada e de mangas compridas, chapéu com aba “quebrada” na testa, bem barbeado, dando relevo à “costeleta” que era de base inferior larga, terminando perto do queixo.
                              Por onde você tem andado Batistão?
                          Dotor, estive lá prás bandas da sua Fazenda no Tocantins, aporém, não cheguei lá, meu compadre Marrequinho foi tomar conta de umas terras lá no alto da Serra

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do Monte do Carmo e me convidou  para passar uns dias com ele; foi tanto tempo de recordação do nosso passado de estripulias  que acabei ficando quase seis meses; só voltei porque a caninana da minha mulher me descobriu e exigiu que eu voltasse, não tive escolha, voltei! Aporém, bem contrariado!
                          Para dizer a verdade, estava mesmo com vontade de voltar, pois, fazia tempo que não passava tanto medo; naquelas bandas, como o senhor deve saber, existe muita assombração e cheguei a ver algumas.
                      Fazendo um parêntese, preciso dizer que o Batistão é o homem mais medroso que conheço, tem medo até da sombra;  algumas vezes, meus netos, sabendo desta sua inquietação a respeito deste assunto, contava-lhe histórias de assombração e nestas oportunidades via-o completamente assombrado; em uma destas noites ele não conseguiu voltar para sua casa, dormiu, só fiquei sabendo no dia seguinte, no alpendre da nossa casa.
                   -  Batistão,  você viu assombração? Como foi?      
         - Ver mesmo, não vi, mas o compadre Marrequinho garante que viu uma mula sem cabeça, que era sua vizinha; só de falar nisto me arrepio desde a ponta do espinhaço até o finzinho  do dedão;  Batistão olha de soslaio para o Baiano que está do seu lado e este vira o rosto, evitando ser encarado. Sei lá, deve ter pensado ele, de repente o Batistão apanhou algum quebranto por lá e...
                  
4)

Como vocês devem saber, fala Batistão com a segurança dos que sabem o que estão dizendo,  as mulheres que abusam da inocência do vigário, que apesar de ser santo é feito de carne e esta, sendo fraca, cede aos prazeres que lhes eram proibidos pelo seu oficio de resistir à tentação. Todas estas mulheres viram mulas sem cabeça nas sextas feiras da quaresma, como castigo de Deus.
                   Compadre Marrequinho me contou, e ele nunca me mentiu, que viu uma destas assombrações correndo pelas ruas do arraial, batendo as ferraduras no chão, levantando faíscas e soltando fogo pelos olhos e pela boca.
                   Mas, se era sem cabeça, acumo ela solta fogo? Quis saber um dos participantes da roda, o até agora incrédulo Pachequinho.
                   - Num sei não, compadre Marrequinho me disse que ela tem uma espécie de desenho de olho e de boca, na frente do peito, entre as duas patas dianteiras. Notei que Pachequinho não ficou muito convencido com a resposta, porém, parece que não quis teimar para não bancar o São Tomé (ver para crer!)
                   A mulher que irá se transformar em mula sem cabeça, levanta-se a meia noite, salta uma janela, corre para o pasto e escolhe o local onde esteve deitada uma mula, tira toda a roupa e rola na cama do animal; há neste momento um barulho infernal, um bode berra e a mulher se levanta na pele de uma mula e sai em disparada, dando coices no ar.
5)              


Compadre Marrequinho, por conhecer a história da sua vizinha, me convidou para ir, com ele, assistir a transformação;  embora com medo e um pouco curioso para ver aquele  pedaço de  mau caminho  tirar a roupa no pasto fui, para mostrar que amigo não deixa o outro na chapada.
                   Pouco antes da meia noite estávamos escondidos atrás de um cupim, perto do local aonde vimos  uma das mulas da fazenda deitada naquela  tarde; compadre Marrequinho deu-me as ultimas instruções: - Não deixe, de maneira alguma, ela ver as suas unhas, cruze os braços e coloque as mãos debaixo do sovaco e, também, não abra a boca para ela não ver seus dentes, se  acontecer dela enxergar estes dois objetos, só Deus pode nos salvar.
                   De repente apareceu a  desgramada da vizinha, olhou para a lua e começou a tirar a roupa sem pressa, peça por peça. Ai meu Jesus amado, comecei a ficar meio anestesiado ao ver aquela belezura, um ventinho fresco e sem bravura movimentava seus cabelos encaracolados, parece que ouvia o seu sussurro batendo de encontro daquele corpo que o diabo organizou para infernizar a vida do freguês, de repente a diaba da vizinha deitou-se na cama da mula e começou a rolar de um lado para o outro, em seguida ouvimos um estrondo e a aquela belezura se transformou num monstrengo.
                   Sem olhar para trás principiei a correr no rumo do curral,  com a pressa me esqueci das recomendações do

6)

compadre Marrequinho e com as duas mãos agarrei  na taboa e, de um galeio  pulei, sem lembrar de esconder a unha e os dentes.
                     Ainda estava tentando  me levantar do chão, quando ouvi um urro  que quase me deixou surdo, ni que eu olho para trás, vi o que restava da vizinha, uma mula sem cabeça, dando coice para tudo quanto é banda, um deles me atingiu o peito e só me lembro que vi o compadre Marrequinho, com as mãos debaixo do sovaco, tentando me acordar na base do chute, para voltarmos para casa.
                   Acho que foi castigo o que aconteceu comigo, não tinha nada que cobiçar a mulher do próximo.
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