BATISTÃO CORREU DA MULA SEM CABEÇA NO TOCANTINS
Peço, antecipadamente, desculpa aos meus leitores se a
história que proponho a contar não merecer credibilidade, porém, para atenuar minha falta de cortesia, devo
adiantar que a ouvi do meu amigo Batistão e apenas passo-a para frente.
2)
Batistão, como muitos dos meus leitores que já o conhecem,
sabem, não tem o costume de mentir, apenas gosta de aumentar um pouco o enredo
dos dramas que a vida o obriga a representar; existe um ditado popular que
aplica bem à personalidade do Batistão - “ O povo aumenta mas não inventa”.
Conto-lhes o sucedido:
Dias destes, de
repente o Batistão apareceu na Santa Tereza;
como sempre, chegou cheio de “moral” com os demais peões da Fazenda,
contando sobre suas andanças e seus feitos; ao vê-lo percebi, de longe, que ele
havia tomado alguns goles da “maldita”,
porém, sem torná-lo inconveniente, pois segundo ele, bebe apenas “para espantar algumas tristezas que vão sendo
acumuladas durante nossa passagem pelo
paraíso que herdamos do pai Adão”.
‘ Estava
bem vestido, calça de tecido caqui de cor cinza, botina rangedeira de cor
amarela, camisa listrada e de mangas compridas, chapéu com aba “quebrada” na
testa, bem barbeado, dando relevo à “costeleta” que era de base inferior larga,
terminando perto do queixo.
Por onde você tem andado
Batistão?
Dotor, estive lá prás bandas da sua
Fazenda no Tocantins, aporém, não cheguei lá, meu compadre Marrequinho foi
tomar conta de umas terras lá no alto da Serra
3)
do Monte do
Carmo e me convidou para passar uns dias
com ele; foi tanto tempo de recordação do nosso passado de estripulias que acabei ficando quase seis meses; só
voltei porque a caninana da minha mulher me descobriu e exigiu que eu voltasse,
não tive escolha, voltei! Aporém, bem contrariado!
Para dizer a verdade, estava mesmo com
vontade de voltar, pois, fazia tempo que não passava tanto medo; naquelas
bandas, como o senhor deve saber, existe muita assombração e cheguei a ver
algumas.
Fazendo um parêntese, preciso dizer que o
Batistão é o homem mais medroso que conheço, tem medo até da sombra; algumas vezes, meus netos, sabendo desta sua
inquietação a respeito deste assunto, contava-lhe histórias de assombração e
nestas oportunidades via-o completamente assombrado; em uma destas noites ele
não conseguiu voltar para sua casa, dormiu, só fiquei sabendo no dia seguinte,
no alpendre da nossa casa.
- Batistão,
você viu assombração? Como foi?
- Ver mesmo,
não vi, mas o compadre Marrequinho garante que viu uma mula sem cabeça, que era
sua vizinha; só de falar nisto me arrepio desde a ponta do espinhaço até o
finzinho do dedão; Batistão olha de soslaio para o Baiano que
está do seu lado e este vira o rosto, evitando ser encarado. Sei lá, deve ter
pensado ele, de repente o Batistão apanhou algum quebranto por lá e...
4)
Como vocês devem saber, fala Batistão com a segurança dos que
sabem o que estão dizendo, as mulheres
que abusam da inocência do vigário, que apesar de ser santo é feito de carne e
esta, sendo fraca, cede aos prazeres que lhes eram proibidos pelo seu oficio de
resistir à tentação. Todas estas mulheres viram mulas sem cabeça nas sextas
feiras da quaresma, como castigo de Deus.
Compadre
Marrequinho me contou, e ele nunca me mentiu, que viu uma destas assombrações
correndo pelas ruas do arraial, batendo as ferraduras no chão, levantando
faíscas e soltando fogo pelos olhos e pela boca.
Mas,
se era sem cabeça, acumo ela solta fogo? Quis saber um dos participantes da
roda, o até agora incrédulo Pachequinho.
- Num
sei não, compadre Marrequinho me disse que ela tem uma espécie de desenho de
olho e de boca, na frente do peito, entre as duas patas dianteiras. Notei que
Pachequinho não ficou muito convencido com a resposta, porém, parece que não
quis teimar para não bancar o São Tomé (ver para crer!)
A
mulher que irá se transformar em mula sem cabeça, levanta-se a meia noite,
salta uma janela, corre para o pasto e escolhe o local onde esteve deitada uma
mula, tira toda a roupa e rola na cama do animal; há neste momento um barulho
infernal, um bode berra e a mulher se levanta na pele de uma mula e sai em
disparada, dando coices no ar.
5)
Compadre Marrequinho, por conhecer a história da sua vizinha,
me convidou para ir, com ele, assistir a transformação; embora com medo e um pouco curioso para ver
aquele pedaço de mau caminho
tirar a roupa no pasto fui, para mostrar que amigo não deixa o outro na
chapada.
Pouco
antes da meia noite estávamos escondidos atrás de um cupim, perto do local
aonde vimos uma das mulas da fazenda
deitada naquela tarde; compadre Marrequinho
deu-me as ultimas instruções: - Não deixe, de maneira alguma, ela ver as suas
unhas, cruze os braços e coloque as mãos debaixo do sovaco e, também, não abra
a boca para ela não ver seus dentes, se
acontecer dela enxergar estes dois objetos, só Deus pode nos salvar.
De
repente apareceu a desgramada da
vizinha, olhou para a lua e começou a tirar a roupa sem pressa, peça por peça.
Ai meu Jesus amado, comecei a ficar meio anestesiado ao ver aquela belezura, um
ventinho fresco e sem bravura movimentava seus cabelos encaracolados, parece
que ouvia o seu sussurro batendo de encontro daquele corpo que o diabo
organizou para infernizar a vida do freguês, de repente a diaba da vizinha
deitou-se na cama da mula e começou a rolar de um lado para o outro, em seguida
ouvimos um estrondo e a aquela belezura se transformou num monstrengo.
Sem
olhar para trás principiei a correr no rumo do curral, com a pressa me esqueci das recomendações do
6)
compadre Marrequinho e com as duas mãos agarrei na taboa e, de um galeio pulei, sem lembrar de esconder a unha e os
dentes.
Ainda estava tentando me levantar
do chão, quando ouvi um urro que quase
me deixou surdo, ni que eu olho para trás, vi o que restava da vizinha, uma
mula sem cabeça, dando coice para tudo quanto é banda, um deles me atingiu o
peito e só me lembro que vi o compadre Marrequinho, com as mãos debaixo do
sovaco, tentando me acordar na base do chute, para voltarmos para casa.
Acho
que foi castigo o que aconteceu comigo, não tinha nada que cobiçar a mulher do
próximo.
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