MINHAS CRÔNICAS

sábado, 18 de setembro de 2010

A Literatura e as Ciências Jurídicas

Nos encontros que a Academia Goiana de Letras mantêm no seu auditório, quase que semanalmente, com as crianças da rede pública e privada de ensino da nossa capital, os acadêmicos presentes a estas reuniões, como se submetessem a uma sabatina, são, com frequência, abordados a respeito da maneira como os escritores criam seus personagens dos romances, como os poetas se inspiram para criarem seus poemas e muitas outras indagações semelhantes.
Com paciência e, sobretudo, em linguagem inteligível ao grupo etário que nos aborda, procuramos passar-lhes a nossa visão a respeito de tão importante questionamento; momento de magia e de emoção do relacionamento cultural entre o presente e o futuro.
Diga-se, a bem da verdade, que este assunto sempre será motivo de curiosidade por parte dos leitores, sabemos disto, porém, nem todos imaginam que nós, que trabalhamos com as letras, vivemos sob constante pressão na procura do delineamento de uma trama, na procura do personagem certo para determinado papel, na colocação das palavras certas na boca destes mesmos personagens, respeitando, dentro do enredo, o grau de cultura e de liderança de cada um deles; necessidade de descrever o ambiente onde desenrola os acontecimentos que estão sendo narrados, respeitando, por intermédio da pesquisa, os costumes da época, as vestimentas, etc.
Recentemente recebemos a visita do Dr. Domicio Proença Filho, querido amigo e membro (Secretário) da Academia Brasileira de Letras; aqui ele pronunciou, a convite do Dr. Paulo Teles, magistral conferência para a classe jurídica (estudantes, advogados, juízes e desembargadores) no Tribunal de Justiça do Estado, quando mostrou alguns instantes de interface entre o Direito e a Literatura.
O seu enfoque principal recaiu sobre alguns “julgamentos”, pinçados por ele de romances, contos e peças teatrais, chamando a atenção para a necessidade do autor, ao escrever sobre estes assuntos, saber, pelo menos, alguns rudimentos dos meandros do processo judiciário e do júri; dentre os livros que ele analisou, destaco dois, pela riqueza dos detalhes por ele analisados: a peça teatral Julio César, de Shakespeare e Grande Sertões - Veredas, de autoria de João Guimarães Rosa.
Na peça shakespeariana, Brutus e Marco Antonio, com discursos inflamados e argumentos antagônicos, tentam convencer os romanos presentes no Fórum Romano, da justeza das suas respectivas teses; por limitação deste nosso espaço não podemos transcrever a maravilhosa discussão entre os dois personagens; registramos, tão somente, um resumo da análise feita por Domicio Proença Filho sobre o livro “Grandes Sertões – Veredas”.
Neste livro o autor João Guimarães Rosa “provoca” o julgamento do jagunço Zé Bebelo, com a participação de um “juiz”, o jagunço Joca Ramiro, “advogados” de acusação e de defesa, além de atuarem como jurados, os jagunços Hermógenes, Ricardão, Sô Candelário, Titão Passos, João Goanhá e Riobaldo e, como pano de fundo, mais de uma centena de jagunços sentados, em semicírculo, ao redor do réu e do juiz.
Ao iniciar as acusações, Zé Bebelo inquiriu o “juiz”:
“- Posso dar uma resposta, Chefe? Houve anuência – Mas para falar, careço que não me deixem com as mãos amarradas... Reajo e com protesto. Rompo embargos! Não é com afrontas de ofensa de insulto, homem não abusa homem! Não alarga a voz!...
Pelas discussões não parecia haver dúvida que Zé Bebelo seria condenado ao fuzilamento; todos falaram, restou Riobaldo, “advogado” de defesa, sem direito a voto, ele falou:
- Dê licença, grande Chefe nosso, Joca Ramiro, que licença eu peço! O que tenho é uma verdade forte para dizer, que calado não posso ficar...
- Eu conheço este homem bem, Zé Bebelo. Estive do lado dele, nunca menti que não estive, todos aqui sabem, mas agora eu afirmo; Zé Bebelo é homem valente de bem, que honra o raio da palavra que dá, sem ter ruindades em cabimento, nem matar os inimigos que prende, nem consentir de com eles judiar... Isto afirmo! Vi. Não merece de morrer matado à-toa!
Finalmente o veredicto do Juiz, porém, antes falou o réu: - Altas artes que agradeço, senhor Chefe Joca Ramiro, este sincero julgamento, esta bizarria, agradeço os que por mim falaram e os que puniram. Agora perdi. Estou preso, por culpa de má-hora de sorte. Espero vossa distinta sentença.
- Se eu consentir o senhor ir-se embora para Goiás, o senhor põe a palavra, e vai? Pergunta o “Juiz”, responde o réu, - A palavra e vou, Chefe.”

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