MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Rosa Amélia, a que faz o sereno cair da flor

As noticias sobre as festas de São João na casa de José Inacinho corriam mundo; não havia espigão-mestre, por maior que fosse, que impedisse o eco do recado: sábado vai ter festa com fogueira, trovadores e, principalmente, ruge-ruge de saias no terreiro de chão de terra batida, pois, o sanfoneiro, como divulgado, era dos melhores.
A localização da fazenda “Mata da Fartura”, onde seria a festa, era bem estratégica e de fácil acesso, com estradas bem batidas e bastante conhecidas por todos os vizinhos do José Inacinho; o único inconveniente sobrava para os que moravam lá pelas bandas do “Poleiro de Pomba”, um pequeno ajuntamento de casas, situado do outro lado do rio Muzambo.
Se acontecesse de chover, o rio costumava transbordar com grande facilidade e olha que não era necessário invernar, o problema é que o dito cujo recebia muitos afluentes importantes; felizmente não havia previsão de chuvas para aquela semana, como atestava a Da. Donana, profunda conhecedora, por experiência de vida, das armadilhas do tempo.
É preciso ter muita fé, aliada à perseverança, para cumprir o ritual da festa, entra ano sai ano; José Inacinho, desde que perdeu um filho há muitos anos, mantém a tradição de nunca deixar passar em brancas nuvens a data do acontecimento que enlutou a família; uma semana antes do dia aprazado, sua esposa, Da. Donana, já começa a preparar os comestíveis, felizmente, para ela, com a ajuda das filhas, algumas comadres e vizinhas mais amigas.
Rosa Amélia, a filha caçula de José Inacinho, era a mais entusiasmada e, também, a mais ansiosa pela chegada do grande dia, provavelmente pela expectativa da vinda de alguém que “cutucou com vara curta” seu coraçãozinho tão sem defesa e ainda sem nenhum pretendente; na verdade ela não sabia, ainda, do poder que sua formosura lhe outorgava.
Muitos rapazes que moravam na sua vizinhança haviam se encarregado de divulgar para outros que moravam mais longe a sua formosura; um deles, de nome Alírio, não sabia o que fazer para chamar a sua atenção.
A primeira vez que ele a viu, estava no lusque-fusque da tarde, o sol teimava em não aceitar a imposição, ditada pela natureza, de se esconder por detrás das montanhas; seu disco de claridade ainda insistia, com teimosia, em clarear parte das encostas; parece que ele, o rei dos astros, também queria dar a última olhadela naquela criatura tão linda que, indiferente à sua presença, recebia a brisa da tarde no rosto meigo e gentil.
Alírio não teve coragem de se aproximar, de longe lhe abanou a mão e seguiu seu caminho; quando começou a subir a encosta, olhou para trás e percebeu que Rosa Amélia o procurava com o olhar; ficou feliz!
Rosa Amélia realmente merecia o frenesi que causava na rapaziada; devia estar com 15 ou 16 anos de idade, cabelos compridos, porém, presos com duas tranças que se juntavam no meio da cabeça, seu rosto parecia o de Nossa Senhora, como afirmou o Alírio mais tarde para um amigo: meigo e belo, sustentado por um pescoço angelical e gentil.
Uma das coisas que mais entusiasmava a rapaziada, como diziam, era o seu andar, bambeando a cintura, parecendo o pisar de uma garça e obrigando os mortais que a espreitavam a pedir a misericórdia do perdão pelo pecado que cometiam com os olhos.
Para ser fiel ao que eles diziam, pelo menos por alguns segundos, alguns deles mais entusiasmados, despiam-na no pensamento!
Havia, como se esperava, muita gente na festa da fazenda “Mata da Fartura”; Alírio chegou carregando seu violão nas costas, como prometera ao Sr. José Inacinho; sentou-se em um tamborete que estava debaixo de um enorme flamboyant e, logo em seguida, vários amigos, fazendo jus a sua fama, o rodearam com a expectativa de ouvi-lo tocar e cantar.
Parecia, no entanto, que as cordas do violão estavam em sintonia com o seu mestre: teimavam em ficar mudas; Alírio só se animou ao avistar Rosa Amélia entre algumas amigas; conhecendo a sua fama, uma delas pediu-lhe, voz em grito, que cantasse uma canção.
Com emoção na voz, a breve trecho ele cantou, olhando o tempo todo, não para quem lhe fez o pedido, mas sim, para quem era dirigida a letra da musica:

Se eu soubesse, se você me dissesse
Que você me tem amor,
Cairia nos teus braços
Como o sereno cai da flor!

Sei que alguns leitores ficarão curiosos para saber o desfecho da história, porém, por não ter harto espaço no jornal, suplico-lhes que aguardem, provavelmente, até a próxima semana.

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