MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Semana passada Marília e eu fomos homenageados com um almoço, que nos foi oferecido pelos amigos José Antonio e Waldete Facure; ao lado de saborearmos um delicioso bacalhau “à moda Waldete”, acompanhado de um dos famosos vinhos da adega do casal, conversamos sobre tudo e sobre todos e, como não poderia deixar de ser, sobre literatura.
Com o intuito de animar a discussão, a senhora Sônia, filha do casal, fez-me uma pergunta inusitada: o senhor acha que Capitu traiu Bentinho?
Como os leitores devem estar observando, Sônia se referia ao famoso romance “Dom Casmurro” escrito por Machado de Assis, no final do século XIX; dei-lhe minha opinião, baseado na leitura e releitura do famoso livro.
Diante da minha exposição, surgiram discussões e pude observar que tínhamos alguns pontos de vista divergentes sobre o assunto; no final, Sônia sugeriu-me que escrevesse nesta minha coluna, resumidamente, o que debatemos oralmente; é o que estou fazendo, embora com a consciência e, sobretudo, com autocrítica para saber que este assunto já foi e continua sendo discutido por verdadeiros especialistas no assunto “Machado de Assis” e, também, ser impossível transcrever tudo o que conversamos, neste limitado espaço que me é reservado pelo Diário da Manhã.
Sob meu modesto ponto de vista, a discussão sobre este livro não pode ser focada simplesmente na suspeita se o Ezequiel era filho de Bentinho ou do seu íntimo amigo e colega de seminário Escobar; parece que Machado de Assis, ao escrever o romance tinha a intenção de deixar, para a posteridade, um enigma a ser resolvido.
O nome Capitu já é emblemático, senão vejamos: existe a dicionarização do vocábulo capítulo que é um substantivo; se tomamos o radical capitul e acrescentarmos a desinência verbal - ar, teremos a formação do verbo capitular (rendição); Machado de Assis teria em mente este jogo de palavras ao escolher o nome desta famosa personagem? Nunca saberemos!
Se estivermos falando em possível armadilha preparada pelo nosso romancista maior, vejam o que alguns estudiosos encontraram no texto machadiano: no capítulo 62 do livro há evocação à tragédia de Otelo na peça de Shakespeare, onde Otelo é convencido por Iago que Desdêmona o está traindo. Estaria o nome SantIAGO (sobrenome de Bentinho), embutindo o nome de Iago? Esta citação não foi colocada por Machado no texto por acaso, todos os nomes dos seus personagens eram baseados em pesquisa!
Pelo menos neste romance, segundo penso, o nosso bruxo do Cosme Velho não deu suficiente voz para as duas principais personagens do sexo feminino se defenderem para a posteridade sobre este imbróglio; parece, à primeira vista, que o narrador-personagem, no caso o próprio Bentinho, tendia a desabonar a má conduta de Capitu (se é que houve) por provocar-lhe sofrimento pelo ciúme de que era possuidor.
A mãe de Bentinho, Da. Glória, viúva e, portanto, a mantenedora da casa durante todo o desenrolar da trama, tinha pouca força perante os demais personagens, inclusive não tendo ficado claro, se ela desconfiava ou não de Capitu; ele mesmo, Bentinho, colocou dúvidas e desconfianças na cabeça de Da. Glória, sem consultar-lhe:
- Estou achando minha mãe um tanto fria e arredia com você! Acho-a fria, também, com Ezequiel, ela já não lhe faz as mesmas graças.
Ao invés de questionar a mãe e, por conseguinte, dar-lhe voz para se explicar, Bentinho prefere perguntar a outro interlocutor:
- Por que mamãe não nos visita?
- Deve ser por causa do reumatismo, responde o agregado José Dias; Bentinho gostaria de ter ouvido: É por causa de Capitu!
No que diz respeito à Capitu, Bentinho, como advogado e, principalmente, como personagem-narrador, expôs aos leitores sua peça de acusação com maestria, e Capitu teve direito a voz somente quando autorizada por ele, o narrador; Bentinho falava por Capitu e arrolava as testemunhas que lhe interessavam; ouvia, inclusive, sua própria versão, totalmente contaminada pelo ciúme e, principalmente, pela defasagem do tempo entre o acontecido e a narração (Bentinho, ao fazer a narrativa, estava com sessenta anos de idade, e a história inicia-se quando ele tinha 15), este longo interregno pode levar as pessoas, como sabemos, a esquecer muitos fatos do tempo pretérito.
Finalmente, como juiz do episódio, Bentinho condenou Capitu e mandou-a para a Europa onde acabou, ainda nova, sem nunca ter outro relacionamento, sempre escrevendo cartas para Bentinho, pedindo reconsideração.
Bentinho, personagem-narrador do romance, tecnicamente não tem o poder de entrar no pensamento de Capitu e dizer-nos o que ela pensava sobre a acusação. Ele não lhe deu, nem ao menos, o beneficio da dúvida!
O que acha o leitor?

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial