MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ROSA AMÉLIA, ALIRIO E O DESTINO

Na qualidade de narrador, confesso que não agi com a neutralidade esperada de alguém que deve se colocar, como observador dos acontecimentos, equidistante dos fatos narrados e não como aconteceu em uma das minhas últimas crônicas, a respeito do amor de Rosa Amélia e Alirio.
Não sei se estava contaminado pela leitura de “Dom Casmurro” de Machado de Assis, onde o narrador-personagem Bentinho passou aos leitores uma imagem, no mínimo destorcida, a respeito da conduta de Capitu.
Vou tentar desfazer este mal entendido, contando a sequência dos acontecimentos, segundo consegui apurar e, principalmente, tentarei evitar influenciar meus leitores no julgamento que serão tentados a fazer de Rosa Amélia.
Outras vezes, outras tardes-noite Rosa Amélia voltou para a beira do rio, com olhos grudados lá onde ele fazia sua curva, aguardando alguém que seu coração teimava em dar-lhe esperança que voltaria; em silêncio ela recordava, sem entender o significado, o ultimo verso da canção que ele cantara, praticamente sem olhar-lhe:

Um amor com tantos donos
O melhor que faço é esquecer.

Rosa Amélia ainda se lembra que após cantar, Alirio forçou a velocidade da canoa e partiu... O que teria acontecido minha Nossa Senhora da Luz! Ainda envolvida pelas recordações, nem percebeu que começava a escurecer; ela ainda viu alguma claridade lá na curva, seus olhos viam em linha reta e não conseguiram enxergar quem clareava aquela imensidão silenciosa da natureza: era o astro rei que não mais se mostrava, escondido que estava pela montanha; sua presença era apenas adivinhada!
Seus olhos se encheram de lágrimas e, sem autorização, desceram pelo seu rosto aos pares; Rosa Amélia agora chorava, choro doido, porém, benfazejo para o coração amargurado; choro de alguém que, pela primeira vez, sentia que suas forças emotivas estavam se esvaindo.
Quem teria colocado esta dúvida na cabeça de Alirio, meu Deus do céu!
Com a fuga da claridade do dia, a noite começou a ocupar o seu lugar e, com ela, o silêncio se fez presente; nestas horas o pensamento não encontra desculpa para distrair com outros acontecimentos que não sejam os que dominam as preocupações; Rosa Amélia estava preocupada com a possível perda do seu amor!
Conseguia-se ouvir, sem muito esforço porque um vento marulheiro tornava perceptível, que a brisa agitava, com suavidade, a correnteza aveludada do rio; ao longe, quase que perdida no firmamento, avistou-se uma estrela, a primeira da noite; depois outra e mais outra começaram a brilhar, clareando o céu.
Rosa Amélia falava para si mesma: Deve ter havido um desencontro, ele sabe como é querido!
Se Rosa Amélia conseguisse viajar nas asas do impossível e acompanhasse Alirio na sua volta para casa e, além disso, conseguisse entrar no seu pensamento, ela veria que o acontecido, como tudo na vida, tem uma explicação.
Foi o seu tio João Claro quem encheu sua cabeça; contou-lhe fatos com tanta convicção, que provocou comentários da sua mãe, que estava presente:
- Esta moça não serve para você meu filho, quando o povo fala é porque tem alguma verdade; não existe fumaça sem fogo!
Para sermos justos é preciso que se diga que Alirio, mesmo atingido pela possível traição da amada não aceitou, sem relutar, a versão que estava sendo exposta por interlocutores tão próximos da sua vida; durante vários dias conversava consigo mesmo na busca de um caminho a ser seguido. Debalde!
Um dia, sempre haverá, às vezes tardiamente, um dia, ele reencontrou Rosa Amélia; era uma tarde de domingo, como todas as tardes de domingo no arraial “Poleiro de Pomba”; os jovens estavam reunidos na porta da igreja; conversavam sobre tudo e sobre nada; digo-lhes porque sei, Rosa Amélia era a mais bonita de todas as moças que estavam ali.
Seu vestido era da cor do batom dos seus lábios, forte no vermelho, com alguns enfeites de rosinhas azuis e brancas nas barras da saia; no rosto se via as marcas de ruge nas duas maçãs, cabelo com duas tranças que se abraçavam no meio da cabeça.
Primeiro foi ela quem o viu, todo garboso, trajando um terno de brim mineiro, escuro com riscas brancas, parece que feitas com giz, porém, bem discretas, lenço branco no bolsinho, com algumas dobras, como era a moda, chapéu quebrado na testa, camisa branca de colarinho que dobrava sobre a gola do paletó.
Como muitas vezes acontece, o destino permitiu o reencontro, embora, sob meu ponto de vista, fora do tempo. Rosa Amélia tinha outro amor!
Mesmo assim os dois se aproximaram e houve oportunidade de Alirio dizer-lhe:
- Como eu lhe queria bem! Eu era tão seu e você era tão minha, no entanto, andamos cada qual para seu lado. Eu tive tanta saudade!
Rosa Amélia nada disse, teve vontade de abraçá-lo, porém, o tempo passou!
Quem estivesse mais perto deve ter observado que os dois choravam; por quê?
Como conheço a história, posso repetir o que Abelardo disse, no século XI, para seu amor impossível Heloisa:
“Você era feliz? As pessoas não sabem quando são felizes, pelo menos não no momento em que são”.


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