MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

JAMES JOYCE EM PARIS NA DÉCADA DE 1920.

A Livraria Shakespeare & Cia, apesar de estar localizada em uma rua sem muito movimento (rua de L´Odéon) era fácil de ser encontrada pela sua proximidade com o Teatro Odeon; era uma “rua fria, varrida pelo vento – Hemingway, 1920”; quase cem anos depois é impossível discutir a vida literária de Paris nos anos vinte sem levar em consideração a presença magnética de Sylvia Beach e sua famosa livraria.
Em sua autobiografia (Shakespeare & Cia, 1959) Sylvia Beack conta como conheceu James Joyce: “Foi em 1920, quando minha livraria atravessava seu primeiro ano de vida, que conheci James Joyce; fui convidada para um jantar na casa do poeta, prosador e ativista judeu, André Spire. Ao caminhar pelos aposentos da casa, deparei-me, curvado entre livros, com Joyce”
O irlandês Joyce já era famoso e alvo de curiosidade em Paris, apesar de ter ali chegado muito recentemente, pelo sucesso da publicação do seu livro “Retrato do artista quando jovem”; Sylvia, como conta, ficou emocionada com o encontro e aproveitou a oportunidade para convidá-lo a conhecer sua livraria, o que aconteceu no dia seguinte, quando ele “apontou na minha ruazinha íngreme, com um terno sarja azul-escuro, surrado, chapéu preto e calçando um par de tênis branco e girando uma bengala”.
O que dominou a conversa entre os dois foi o tema Ulisses; eu preciso terminá-lo, disse ele, “já são sete anos que estou tentando e não consigo, apesar de que uma revista americana estar publicando, em capítulos, o que já escrevi”.
Joyce não disse, porém Sylvia já sabia que esta publicação estava trazendo enorme dificuldade para os editores da revista, tendo inúmeros exemplares sido apreendidos pela justiça por considerar o texto de cunho pornográfico e que, também, estava proibida sua publicação na Inglaterra pelos mesmos motivos.
Um dia, durante uma destas visitas que ele fazia diariamente à livraria, Sylvia perguntou-lhe, sem levar em consideração a sua inexperiência e a sua falta de capital:
- Você permitiria que a Shakespeare & Cia tivesse a honra de publicar o seu Ulisses? Para sua surpresa, ele aceitou de imediato a proposta.
De imediato foi criado um prospecto a ser distribuído ao público parisiense, informando que “Ulisses, de James Joyce, seria publicado na íntegra, tal como escrito, pela Shakespeare & Cia, Paris, no outono de 1921”; explicava ainda o folheto que a edição seria restrita a mil cópias e no seu verso havia um formulário em branco, a ser preenchido com o nome do inscrito, bem como o preço de cada exemplar; rapidamente as reservas começaram a chegar e uma das primeiras delas foi a do escritor francês André Gide, depois, muitos outros, como Ezra Pound, Hemingway, Yeats, etc.
O tempo passava e nada da publicação, praticamente toda vendida por assinatura antecipada, vir a lume; as dificuldades eram enormes, desde o tipo de papel a ser empregado na capa do livro (Joyce queria o azul da bandeira grega), até a revisão dos textos a ser feita por Joyce e este modificava quase tudo o que escrevera, como posso ver nos meus arquivos, uma página de prova toda rabiscada pelo autor.
No entanto, as maiores dificuldades para a impressão era o “episódio” Circe, por sinal, o maior deles, e que não estava terminado; a letra de Joyce que, devido ao seu problema de visão (glaucoma), estava ficando cada vez mais difícil de ser entendida e, também, pelo fato dele usar lápis pretos de pontas rombudas; foram trocadas, sucessivamente, oito datilógrafas.
Finalmente, no dia 2 de fevereiro de 1922 (2.2.22) Ulisses foi lançado oficialmente, com enorme repercussão no meio cultural, inicialmente francês, depois a notícia se espalhou pelo mundo todo.
Ulisses é um livro difícil de ser lido, pessoalmente fiz quatro tentativas, só conseguindo “digeri-lo” há cerca de três anos; na tradução brasileira de Houaiss contém quase 1.000 páginas, dividido em 18 episódios ou capítulos; resumidamente é um paralelo com o poema Odisséia de Homero, sendo Ulisses representado pelo personagem Leopold Bloom.
O romance se desenrola em apenas um dia (16.6.1904), tempo que Bloom andou pela cidade de Dublin; este dia (16.04) é comemorado no mundo inteiro pelos amantes deste romance como o “Bloomsday – Dia de Bloom”.
Para se ter uma idéia da importância deste romance para a literatura, basta dizer que em 1999 ele foi considerado pelo “Modern Livrary” como o primeiro entre os cem melhores livros de língua inglesa no século XX.
É uma obra revolucionária que prega a insubordinação aos cânones lingüísticos!





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