MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

PARIS ERA (É) UMA FESTA!


Quando Hélio Junior e eu viajamos para Seul, achamos prudente fazer uma escala em Paris, para recuperarmos as energias para o longo tempo de voo que ainda nos aguardava; seria um dia todo para desfrutarmos do encantamento da “cidade luz”.
Propus e o companheiro de viagem aceitou o desafio: caminhar por alguns dos percursos feitos pelo escritor americano Ernest Hemingway na década de vinte do século passado, durante o tempo que ele ali viveu.
Hemingway chegou a Paris na companhia de Hadley, com quem havia se casado há poucos meses, na antevéspera do Natal de 1921; trouxe, entre seus guardados, algumas cartas de apresentação que lhe foram fornecidas pelo seu amigo, o escritor Sherwood Anderson, uma espécie de mecenas intelectual dos novos escritores americanos e que desfrutava de enorme prestigio nos Estados Unidos pelo seu recente livro de crônicas “Winesburg, Ohio, 1919”.
Algumas destas cartas, como ele mesmo, Hemingway, comentou mais tarde, foram muito úteis para o seu projeto de viver na cidade, cuja cultura dominaria o século XX; "a ultima das cidades humanas” no dizer de James Joyce.
Dentre todas as pessoas de quem Hemingway se aproximou a partir destes contatos iniciais, duas figuras devem ser destacadas, principalmente pelo carinho que ele sempre se referia as mesmas; trata-se das norteamericanas Gertrude Stein e Sylvia Beach.
Provavelmente, por orientação de algum amigo, Hemingway e Hadley hospedaram-se em um modesto hotel localizado à Rua Jacob, no chamado “coração” da rive gauche (lado esquerdo do rio Sena); algumas semanas depois, mudaram-se para um apartamento que alugaram à Rua Cardinal Lemoine, não muito distante de onde estavam, nas imediações do Pantheon e do Jardim de Luxemburgo, isto é, dentro do Quartier Latin.
Resolvemos, Hélio Junior e eu, iniciar nossa caminhada a partir da Praça Contrescarpe, localizada bem no inicio da Rua Cardinal Lemoine; antes disso, entramos em um bar nas suas imediações, tomamos uma garrafa de vinho e fizemos comentários a respeito da vida de Hemingway em Paris e, sobretudo, sobre o seu livro póstumo “Paris é uma festa”.
Não sei por que, porém, senti um pouco de nostalgia ao pensar na marcha inexorável do tempo; provavelmente pelo fato de que aquele ambiente fez-me lembrar de algumas passagens daquele livro que cito acima; há uma, inserida no texto Um bom café na Place Saint Michel: “Era um café agradável, quente, limpo e acolhedor. Pendurei minha velha capa no cabide, para secar, coloquei meu surrado e desbotado chapéu de feltro na prateleira que ficava acima dos bancos e pedi café au lait, tirei do bolso do paletó o caderno de notas e um lápis e comecei a escrever”, que me coloca, mesmo que não quisesse, na posição de narrador-personagem.
Caminhamos um pouco pela Rua Cardinal Lemoine, cumprimentamos, com acenos de mãos, algumas figuras postadas em janelas de alguns prédios com a presunção de que o alvo fosse o escritor americano e, como não fomos correspondidos no gesto amigável, prosseguimos com nosso programa de caminhada, repetindo os passos de Hemingway; a próxima parada seria a casa de Gertrude Stein, localizada à Rua de Fleurus, 27.
De onde estávamos, caminhamos por ruas estreitas no sentido do Boulevard St. Michel, atravessamos o Jardim de Luxemburgo e já estávamos na rua onde morou, por quase quarenta anos, Gertrude Stein e sua companheira Alice Toklas.
A imagem que tenho de Stein (fotografias) lembra-me uma figura estranha, porém, prefiro que Hemingway a descreva, quando a viu pela primeira vez: “A senhorita Stein era uma pessoa grande, mas não alta, e corpulenta como uma camponesa. Tinha belos olhos e um vigoroso rosto germano-judaico, que me lembrava uma camponesa do norte da Itália, com suas roupas, sua face móvel e seus grosseiros e brilhantes cabelos de imigrante, que ela usava penteados para cima. Falava sem parar, a respeito de pessoas e de lugares”.
A respeito da vida e da personalidade de Stein, repito o que disseram e o que dizem os críticos: Viviam em homossexualismo, ela e Alice, em um apartamento, em cuja entrada do prédio existe, ainda hoje, uma placa com os dizeres “aqui viveu Gertrude Stein e Alice Toklas”; e, segundo descrições da época, possuíam um imenso salão, com as paredes repletas de quadros de pintores famosos da época (Picasso, Braque Matisse, etc.), onde recebiam os convidados (pintores, poetas e escritores) para os famosos e festivos jantares de sábados.
O endereço da sua casa – Fleurus 27 - tornou-se tão popular que era uma espécie de santuário para artistas e escritores e deve ser esta a razão de Hemingway tê-la procurado; sua fama aumentou depois que ela “inventou a escrita automática, no estilo abstrato”, que alguns consideram como o cubismo da escrita; é da sua lavra um dos mais famosos versos da literatura mundial: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”.
Viram? Não deu espaço para falar sobre Sylvia Beach, espero-os na próxima semana!

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