MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O AMOR NO TEMPO DA BRILHANTINA

Como acontecia em quase todos os sábados, após o sol se esconder e a penumbra que substitui a claridade já haver tomado conta de Rio Pomba, a maioria dos homens do lugar estava reunida no interior do bar do Pavão; alguns encostados no balcão, outros sentados em tamboretes dispostos sem nenhuma organização estética e, alguns outros, formando grupos de dois ou três homens, encostados às paredes; o denominador comum era um copo de bebida alcoólica nas mãos e a discussão sobre o eminente golpe de estado de Getulio Vargas.
Como se fora um fantasma, Colombo Saran olhou, cautelosamente, pela ultima vez os companheiros, levantou-se e saiu com certa pressa, sem aparentemente ter sido notado; a noite estava calma, porém, mais escura do que o normal, provavelmente pela presença de nuvens carregadas, prometendo chuva.
Com passadas apressadas, Colombo dobrou a primeira esquina localizada a poucos metros da saída do bar, cruzou com um casal de conhecidos, saudo-os com evidente má vontade e continuou a caminhada rumo à casa do Joaquim Benzedô que, aliás, fazia parte do grupo de homens reunidos no bar Pavão
À medida que saia dos limites do povoado, a caminhada ficava mais difícil pela escuridão e pelo mato que invadia o caminho por onde ele pisava; um cavalo amarrado a um arbusto sinalizava que o cavaleiro poderia estar por aquelas imediações, em alguma das pequenas e pobres casas espalhadas, sem simetria, ditada por inexistentes ruas.
Uma das casas, onde morava seu amigo Sinésio, estava com as janelas abertas e toda iluminada por lamparinas; por via das dúvidas, Colombo agachou o corpo e atravessou, como um raio, por debaixo da réstia de luz que enfrentava, sem muito fôlego, a escuridão da noite.
Colombo estava a caminho de uma aventura! Durante todo o dia viveu a expectativa daquele momento, porém, agora estava com medo de não conseguir concretizar o que planejara e chegou, inclusive, a pensar na possibilidade de desistir e voltar para o convívio dos amigos no bar do Pavão.
Ainda envolvido por este turbilhão de incertezas, chegou à casa de Joaquim Benzedô, onde morava Maria do Socorro; somente a porta da cozinha estava aberta, por onde ele a divisou, graças à iluminação proporcionada por um candeeiro dependurado na parede, lavando os pratos que foram usados no jantar.
Nesta hora de emoção, como acontece com todos os amantes, fraquejam as pernas e foram necessários alguns minutos, que se lhe afiguraram como horas, para Colombo se recuperar do tremor que lhe sacudia o corpo e, ter forças, para chamar - “Maria do Socorro, Socorro!”
O grito não saiu, ficou-lhe preso na garganta; era um sussurro que não emitia eco.
Socorro ouviu, com os ouvidos de quem desejava escutar; saiu de casa e atravessou um pequeno e mal cuidado jardim de rosas, sem abandonar o pano que cuidava dos pratos.
- Por que você veio? Quem lhe deu a coragem?
Colombo não respondeu, os dois ficaram em silêncio na escuridão da noite; ouvia-se o silvar suave do vento que encontrava o anteparo das duas bocas que ficaram mudas.
Ela disse:
- Vá andando, depois eu vou. Espere por mim no paiol.
Quando Socorro chegou, ele já estava no meio das espigas de milho, em silêncio e com o coração na mão; segurou sua mão, que era áspera, e atraiu seu corpo, que se aproximou com alguma relutância, seu rosto exalava o perfume do “leite de rosas”
- Seja boazinha comigo, ninguém saberá deste nosso encontro!
- Não posso ir onde você pretende, afinal, tenho meu nome para zelar; as palavras têm a força que lhe é dada pelo desejo – “fique mais um pouco!” - Não posso, você não me ama!
Embora nunca tivesse ouvido falar no artista cubista francês Braque, Colombo seguiu um dos seus aforismos “A verdade existe, só se inventa a mentira”.
- O que é o amor, perguntou Colombo, agora deitado de costas, olhando uma miríade de vários céus que penetravam pelas fendas estreitas da cobertura do paiol; amor, disse ele quase que num sussurro: são as lágrimas que escorrem pelo meu rosto; se você chora é porque você ama!
Não se sabe se Maria do Socorro conseguiu confirmar se havia lacrimejamento nos olhos de Colombo, apesar de que agora ela conseguia ver as mesmas frestas localizadas no teto do paiol, porém, o céu havia ficado mais escuro.
Quando Colombo voltou para a rua, o bar do Pavão já estava fechado; uma ventania, inicialmente mansa, tornou-se uivante e, com ela, a chuva que o acompanhou até que ele se perdesse nas reviravoltas do caminho da sua casa.
Sei que Colombo também nunca ouviu falar no escritor americano John Steinbeck, por isto, tomo a liberdade de repetir-lhe, embora muito tardiamente, o que ele disse:
“Pode matar por necessidade, porém, nem sequer magoa um sentimento por prazer”


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