MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

APRENDENDO PSICANÁLISE COM MEUS FUNCIONÁRIOS

Tenho procurado, dentro das minhas possibilidades e, principalmente, limitações acadêmicas, observar o mundo que me cerca e os homens que o habitam, com a limitada visão psicanalítica que me tem sido ensinada por Freud.
Muitas vezes um episódio doméstico, aparentemente banal, pode nos levar a interpretações que ultrapassam o que vemos e ouvimos, se prestarmos atenção no seu conteúdo, nas suas entrelinhas...
Não faz muito tempo, li um comentário a respeito do escritor inglês Christopher Bollas que me chamou a atenção - “Como médico e escritor ele costuma dialogar com os seus leitores a respeito do cotidiano das pessoas, com inserções inteligíveis a respeito do seu inconsciente - J. Lear - London Review of Books”.
Em um dos seus livros, Bollas convida os leitores, como eu faço agora, a acompanhá-lo em uma viagem de trem; você, sentado à janela, começa a observar a paisagem que enfeita sua viagem; passamos perto de um aeroporto, cruzamos um canal, subimos por uma montanha, descemos agora por um vale...
O aeroporto fará você se lembrar daquela viagem que está programada para as próximas férias; ao cruzar o canal você pensará em um longo passeio de barco, acompanhado por...; você poderá pensar em seu pai e em sua mãe que vivem nas imediações de um canal; você poderá, inclusive, pensar no tratamento de canal feito pelo seu dentista... E muitas outras coisas!
Freud chamava isto de livre-associação de idéias e a paisagem que o passageiro ia observando pela janela do trem em que viajava poderia ser relatado para o seu companheiro de viagem, assim como fatos, aparentemente sem grande importância da sua vida, será contada para o seu analista, que codificará os enredos arquivados no inconsciente.
Muitas vezes ficamos surpresos ao ouvirmos de alguns interlocutores, alguns segredos que, normalmente, só a eles poderiam interessar; segundo Freud, sempre haverá maior confidência entre duas pessoas, do que, aparentemente, ela teria consigo própria; isto é, evitamos discutir, conosco mesmos, muitos problemas que enfrentamos no dia-a-dia.
O interlocutor que tenha disposição para nos ouvir permite que façamos a “catarse” e revelamos, à menor instigação, o que nos aflige; provavelmente, ainda segundo Freud, com o intuito de desafogar as mágoas no “ombro amigo” (alguém, que pode ser o psicanalista, que nos ouça!).
Outro dia, sentado à varanda da Santa Tereza, tendo como companhia as flores do nosso jardim e o canto dos passarinhos em dueto com a “Flauta Mágica” de Mozart, que ouvia à surdina, uma das nossas funcionárias se aproximou e, gentilmente, após servir-me um cafezinho, passou a contar algumas das suas dificuldades existenciais:
- Como já lhe disse na semana passada, meu irmão, depois de muitos anos, voltou a beber, estou muito triste, o senhor não consegue calcular o quanto!
Achei pertinente parar com a leitura que fazia e passei a ouví-la, com real interesse.
- Agora ele resolveu encrencar a vida de todo mundo, o senhor imagina que ele me telefonou para dizer que está com muita restrição com respeito à nossa mãe? Acha ele que ela é culpada da situação dele; puxou coisa da nossa vida de criança, quando minha mãe, com grande dificuldade econômica teve que entregar, nós todos, para os vizinhos ajudarem a nos criar.
Acho uma covardia ele falar isto, está procurando desculpas pela sua situação e culpa minha mãe; o senhor acredita que aquele episódio passado tem alguma coisa a ver com o que ele faz hoje?
Ao ouvir isto e muito mais coisas que ela achou necessário “desabafar” no “ombro amigo”, quedou-me uma grande dúvida: quem seria o analisando, ela, minha funcionária ou o irmão que a escolheu para colocar para fora o que, provavelmente, já lhe afligia o espírito há muito tempo, sem, contudo, ser a causa do seu vicio atual (ou seria?).
Está claro que não coloquei estas minhas cogitações na discussão com a minha funcionária, fiz o que qualquer um faria, procurei dar-lhe apoio e concordar com a sua tese de que sua mãe não tem nada a ver com estes problemas atuais do seu irmão.
Repeti para ela, para servir para seu irmão, claro que com palavras inteligíveis e sem mencionar os autores da citação, o que Tirésias, o adivinho cego, disse para Édipo, na obra “Édipo Rei” do imortal dramaturgo da Grécia antiga, Sófocles:
“Creon não feriu você, você se feriu por si mesmo”.
Será? Por não saber a resposta, repito o que disse Rui Barbosa “A pior espécie de ignorância é cuidar uma pessoa saber o que não sabe”.

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