MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MANTENHA O AMOR EM SEGREDO, SENÃO...

Rosaendinho, que já contava pelo menos uns 50 anos de idade, quando Edmundo era ainda um menino, vivera toda sua vida nos arredores de Rio Pomba.
Sua existência era um verdadeiro mistério para os habitantes do lugarejo, embora, para dizer a verdade, poucas pessoas algum dia se preocuparam em saber quem era ele, se tinha família, com quem morava e onde morava.
Acostumaram com a sua presença, como acostumamos com a maioria das coisas e pessoas que nos cercam; um pontilhão que possibilita a ultrapassagem de um regato ou dos vários Rosaendinhos que circulam pelas ruas de todos os lugarejos.
Se acontecer da pequena ponte cair, todas as pessoas que a utilizavam sentirão sua ausência; se alguma destas figuras das vias públicas fizer alguma estripulia fora do contexto, todos darão noticia do acontecimento.
Rosaendinho vivia à custa de prestar serviços para a comunidade: capinar um pomar, varrer um terreiro e, principalmente, vender, consertar e desamassar utensílios usados nas cozinhas, como panelas, caçarolas e tachos de cobre e latão, que ele adquiria de onde ninguém sabia e nunca se preocupou em saber.
Não podemos dizer que ele tivesse um belo perfil; era baixo, faltavam-lhe vários dentes, cabeça tão grande que, se vista de cima, encobriria todo o restante do corpo e, além de tudo, era quase que surdo; imaginando que os interlocutores também fossem, costumava falar muito alto, quase aos gritos.
Usava uma espécie de chinelo de couro que ele mesmo fabricava com características muito pessoais, solado de borracha para amaciar o impacto da deambulação e várias tiras de couro que trançavam em vários sentidos com o intuito, provável, de proporcionar boa fixação com os pés.
Andava quase sempre muito ligeiro, equilibrando no alto da cabeça uma grande bacia cheia daqueles utensílios para vender; falava, quase que sem parar para si mesmo e as palavras eram pouco inteligíveis, se é que alguém algum dia se preocupou em tentar descobrir o que ele falava.
Apesar de todas estas idiossincrasias, Rosaendinho era humano como qualquer outro vivente; no seu intimo tinha suas ilusões, seus desejos e por que não? Suas fantasias de felicidade!
Vivia em Rio Pomba, pela mesma época destes acontecimentos; uma moça que não podemos dizer que fosse jovem, porém, tinha idade suficiente para não abandonar todos os seus anseios de ventura; Adélia e sua mãe moravam em local um pouco afastado do comércio, diríamos, em uma ponta de rua, já quase terminando os limites do lugarejo.
Sua vida e a da sua mãe eram dependentes da ajuda de almas caridosas que as supriam das necessidades para sobrevivência; eram felizes? Pelo menos nunca reclamaram para ninguém que não fossem. Na verdade nem sei se alguém, algum dia, lhes questionaram sobre este sentimento.
Não existe caldeirão sem tampa, diz um velho ditado popular e que foi repetido pelo Pedro Bala, ao alertar seu primo Edmundo sobre um possível imbróglio entre o Rosaendinho e Adélia; acho, disse ele, que os dois estão com um romance.
Felizmente, para ambos, a noticia demorou a espalhar pelo povoado, porém, a olhos vistos, o Rosaendinho não saia das imediações da casa da sua possível amada; em duas oportunidades os dois foram vistos conversando no portão da casa e o diálogo foi ouvido a pelo menos, dois quarteirões de distância, tendo em vista a dificuldade de um dos interlocutores conseguir falar baixo, como deveria acontecer nas tertúlias de amor.
- Você quer casar comigo? Gritou Rosaendinho, não com a intenção de informar ao mundo sobre sua paixão, como naqueles casos que costumamos ver em novelas ou nos cinema.
- Não! Respondeu a mãe de Adélia que estava na cozinha e ouviu, também, a declaração de amor que era para permanecer em segredo entre os dois apaixonados; - Ela não vai se casar com um homem que não tem onde cair morto, seu vendedor de tachos.
Rosaendinho que era pacífico, nada respondeu; olhou, com olhos cheios de melancolia para Adélia, colocou a bacia cheia de utensílios de cozinha na cabeça e saiu, caminhando ligeiro, sem olhar para trás; suas chinelas de couro com solados de borracha levantaram na estrada uma nuvem de poeira que, vista de longe parecia um conjunto de bailarinos dançando sob o comando da coreografia dos raios do sol poente; depois, o céu começou de toldar-se com o anoitecer.
A mãe de Adélia estava enganada, Rosaendinho tinha sim onde cair morto; voltou para casa, que ninguém sabia onde era e morreu.
Poupo meus leitores ao não dar detalhes deste epílogo; só posso dizer que ele morreu no lugar onde podia morrer, no lugar onde podia cair morto, no meio dos tachos que vendia.

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