MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

JOÃO ESTEVÃO, O TROVÃO DE RIO MUZAMBU

João Estevão, pronunciado como se fosse uma palavra oxítona, na verdade conhecido pelos seus conterrâneos como “o trovão”, morava na companhia da sua mãe, que era viúva já há bastante tempo; na verdade este detalhe, tempo de viuvez , ninguém sabia informar, pois quando Da. Emiliana e o Trovão mudaram para Rio Muzambu, já chegaram sem a companhia do acompanhante.
Acredito que o melhor apelido para o Trovão deveria ser “bomba relógio”, tendo em vista a sua personalidade; permanecia a maior parte do tempo quieto no seu canto, passava pelos transeuntes como uma sombra que passa sobre a superfície da água: na sua passagem não influencia e, nem tampouco, é influenciado.
Seu porte físico, muito baixo e bastante gordo, rosto tomado por cicatrizes provocadas, provavelmente, por varíola que o acometeu na infância, dentes mal cuidados e as sobrancelhas muito espessas, ajudavam a provocar nas crianças aquele pavor semelhante àquele que seria provocado pelo encontro com a “mula sem cabeça”, principalmente pela insistência com que eram advertidos pelos pais para o perigo de o encontrarem.
Se meus leitores vivessem naquele lugarejo na época destes acontecimentos e se fossem meninos como o Edmundo era, entenderiam a razão deste segundo apelido; todas as crianças temiam encontrar com “o trovão” em momentos de possível detonação daquela bomba relógio embutida na sua personalidade, principalmente pelo fato de não se poder prever quando isto aconteceria.
Seus acessos de nervosismo, estranhos e alarmantes, provocavam medo a qualquer um que estivesse nas suas imediações; seus olhos, normalmente tranquilos e até submissos, nestas horas assumiam aspecto de periculosidade, parecendo que queriam saltar para fora da órbita e, seus braços pareciam que lhe fugiam do controle, com movimentos desordenados e até incoercíveis.
O Trovão não poderia ser condenado por esta idiossincrasia de personalidade, pois, seu problema não era orgânico, era mental, portanto independia da sua vontade; de repente, sem nenhuma razão aparente, ele era assaltado por idéias que estavam, provavelmente, escondidas no seu inconsciente, aguardando o momento propício de se manifestarem.
Nestas horas, independentemente de quem estivesse por perto, as palavras saiam-lhe da boca como se fossem emitidas por uma metralhadora, permitindo que se vissem o brilho das incrustações de ouro dos restos de seus dentes, semelhantes a labaredas de fogo enroscadas na língua. Era impossível fugir da situação, Trovão ficava exaltado, praticamente respirava no rosto da vítima feita de interlocutora da vez, segurava-lhe pelos braços, exigindo-lhe atenção.
Em uma tarde, destas tranquilas tardes do povoado Rio Muzambu; o vento naquela hora soprava com tal suavidade que parecia que sussurrava para ninguém ouvir, na sua passagem levantava um pouco de poeira e, também, fazia tremular com delicadeza, alguns exemplares de margaridas de um canteiro esquecido; o vento e as margaridas trocavam confidências sobre os segredos da natureza; alguns homens, como faziam todos os dias, após a labuta diária e por revezamento sem acordo explicito, se reuniam no bar do Pavão para “jogar conversa fora” e, principalmente, tomar alguns aperitivos antes de voltarem para suas casas; Trovão chegou de supetão e, como costumava fazer, sem cumprimentar a ninguém se encostou ao balcão e olhou firmemente para o menino Edmundo que acabava de entrar para comprar alguma coisa para sua casa e que sem saber, estava no lugar errado e na hora errada.
- Conte para eles como está a água do ribeirão da sua casa!
Edmundo, como de resto todos os que estavam ali reunidos, entrou em estado de choque e começou a chorar.
- Não seja covarde, homem não chora, daremos um jeito de estancar a água; dito isto, segurou o menino pelo braço e começou a gritar, com a voz empostada que justificava sua alcunha de trovão: – o rio, segundo fiquei sabendo, começou a subir lá na cabeceira, já está engolindo a ponte da Rede Mineira de Viação daquelas imediações. As palavras fluíam com uma rapidez incrível da sua boca-metralhadora; de repente, como por um milagre, ele largou o braço do menino, deu um sorriso e disse com a maior convicção.
- Acho que amanhã ou, talvez hoje ainda, as águas vão baixar e não correremos perigo; ao mesmo tempo, a tempestade que havia provocado disparos de raios incoordenados nos seus neurônios, cessou seu efeito, trazendo a calmaria momentânea para o seu cérebro doentio.
Ao chegar à sua casa, contou à sua mãe o ocorrido e ela abraçou-o com o carinho costumeiro e disse-lhe:
- Ainda bem que você avisou a todos, pois, acho que o perigo ainda não passou, o dilúvio começou assim, com poucos acreditando no que poderia acontecer e deu no que deu!


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