MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

...O TEMPO ESCORREGOU-LHE PELOS VÃOS DOS DEDOS E ELA NÃO VIU!

Se meus leitores tivessem vivido na mesma época que o Edmundo, teriam conhecido a Marta, filha do Expedido Peixeiro e, por consequência, seria mais fácil descrever-lhes toda sua formosura; arrisco-me a não conseguir transcrever para o papel todos os seus dotes físicos e, como resultado, possivelmente não poderão entender a sua força perante os jovens que viviam, como ela, no povoado de Rio Muzambu, no período que sucedeu à segunda guerra mundial.
Antes de tudo preciso explicar a razão da menção do período pós guerra, para que meus leitores possam entender como uma jovem que vivia em um pequeno e pobre lugarejo, escondido entre as montanhas de Minas Gerais, aparentemente esquecido pelo resto da civilização, pudesse ter posições tão “avançadas” quando comparadas com outras suas conterrâneas da mesma geração.
Logo depois da segunda guerra mundial, período que corresponde, mais ou menos, a época que estamos nos referindo, poderia se repetir o que Scott Fitzgerald escreveu no seu famoso livro Neste lado do Paraíso: “Eis aqui uma nova geração que, ao tornar-se adulta, encontrou todos os Deuses mortos, todas as guerras terminadas, toda a fé do homem abalada”.
Em qualquer aglomerado de pessoas, sempre haverá alguns que destoam do “modus vivendi” da maioria, por razões que a própria natureza sempre se encarrega de selecionar; no povoado de Rio Muzambu, onde o tempo se esqueceu de alertar a população para virar a página do calendário, seus habitantes, pela dificuldade de acesso ao progresso, aparentemente não poderiam ser influenciados por estes ventos de modernidade referidos por Fitzgerald.
Não consigo, por mais que procure uma explicação, descobrir a razão da Marta, filha do Expedito peixeiro, começar, logo que atingiu a idade dos 15 anos, a mostrar que ela seria diferente das demais moças do lugar; Da. Donana disse para Da. Emilia que a razão estava dentro da sua própria casa: - sua mãe era agente postal da região e ela lia todos os jornais e revistas antes que estes fossem enviados para os assinantes das cidades próximas do Rio Muzambu.
Antes de explicitar as extravagâncias de Marta, por esta época já conhecida pela rapaziada como “a beijoqueira” gostaria de traçar o seu perfil: morena de estatura a se impor, rosto lindo e olhar dominador, pescoço gentil, simulando uma coluna delicada pintada pelo artista italiano Giovanni Bellini para sustentar a cabeça da “mulher jovem, arrumando o cabelo”; como não tenho a capacidade descritiva utilizada por Gustave Flaubert para “fotografar” os traços de Madame Bovary, peço licença aos meus leitores para dizer-lhes, segundo penso, que neste quadro, que está no Museu de Arte de Viena, o artista utilizou, como modelo, a Marta do Rio Muzambu.
Com todo este poderio, podemos dizer que Marta abusou de toda uma geração de rapazolas Muzambuense, ela escolhia quem poderia flertar com ela, quem poderia se aproximar, quem seria descartado, enfim, Marta era ela e suas consequências.
Muitos anos depois destes acontecimentos, Edmundo a reencontrou; era uma tarde sem a alegria comandada pela juventude de outrora, o vento “encanado” pelo vale formado por duas serras varriam as ruas, agora asfaltadas, do povoado de Rio Muzambu; as flores que existiam e que embelezavam as suas alamedas, dantes esburacadas e poeirentas, morreram e não foram replantadas.
Ainda tentaram buscar o passado, porém, Marta recusou o desafio com uma citação que definia o seu amargor – “Reminiscências são como o buquê do vinho elaborado com cepa de uva de qualidade superior e que inunda nosso olfato; cada vez que testamos nossa capacidade de descobrir o odor que exala do cálice, sempre iremos descobrir novo perfume”.
Edmundo ainda tentou vê-la com os olhos que a viram no tempo da sua mocidade, tão cheia de graça e beleza, porém, o inverno da vida havia adquirido matizes mais carregados; seu rosto, antes tão sereno e bonito, já exibia marcas avassaladoras do tempo; suas mãos, objeto de desejos na época da primavera, por certo ainda exibiam vestígios de beleza, porém, com a fragilidade concernente ao grupo etário; seus olhos, ah! Seus olhos, outrora tão vivos, demonstravam cansaço que refletiam nas pupilas sem brilhos e sem ânsias de dominação.
Tudo restringia a vestígios que não permitiam recordar triunfos do passado!
Edmundo ainda conseguiu arrancar dos seus lábios, antes provocadores de suspiros, algumas palavras jeremiosas de despedidas:
- Foi bom; que saudade; o tempo passou e amorteceram-se e rociaram-se os meus olhos a poder de lágrimas, afinal, como disse Herculano “que fora a vida, se nela não houvera lágrimas?”

1 Comentários:

  • Às 23 de fevereiro de 2012 às 09:57 , Blogger Gizele disse...

    Olá! Parabéns pelo texto! Se vc participou do último concurso da Editora Guemanisse, gostaria de convidá-lo(a) para o blog que eu criei: http://www.reclamacaoconcursocontos.blogspot.com/
    Se vc estiver na mesma situação, peço que entre como seguidor(a) do blog ou me envie um email: gizeletoledo@gmail.com
    Estou tentando reunir os participantes do último concurso para ver o que podemos fazer. Depois de ler, pode apagar esta msg se desejar.
    Obrigada.
    Atenciosamente,
    Gizele.

     

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