MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

UM PERSONAGEM DE MARK TWAIN VIVEU EM GASPAR LOPES

Acho que o nome Mark Twain não precisaria de apresentação para a maioria dos meus leitores, pois, como sabemos, trata-se de um dos maiores escritores norteamericanos, seu romance publicado em 1884, com edição em português, intitulado “As aventuras de Huckleberry Finn” o identificou como um dos grandes humoristas da literatura mundial, e, ao lado de ”Moby Dick” escrito por Herman Melville, tornou-se referência para todos os romancistas americanos.
Seria exagero afirmar que Mark Twain não sentia muito apreço pelos homens, porém, sua obra, ao lado de destilar humor, às vezes explícito, mais das vezes sutil, é carregada de certo pessimismo pelas ações dos homens do seu tempo e, provavelmente, pelo nosso contemporâneo.
Neste livro que citamos acima, há uma página onde Twain narra um duelo entre dois homens e as suas conseqüências; o realismo da descrição leva o leitor a ter a sensação de estar assistindo, ao vivo, os lances dos protagonistas.
Antes de transcrever alguns trechos desta narrativa, preciso explicar a razão do título deste texto e após lerem o meu relato, certifiquem-se se não tenho razão em achar que o escritor Mark Twain se “baseou” no meu conterrâneo João Segundo, para escrever o capitulo XX daquele seu livro.
Gaspar Lopes, onde nasci e vivi a maior parte da minha infância, é um pequeno lugarejo escondido entre as montanhas de Minas Gerais; seus habitantes viviam quase que exclusivamente em função da movimentação da Rede Mineira de Viação; sua rua principal (acho um exagero esta denominação, pois, eram tão poucas as suas ruas, eram tão poucos os seus habitantes...), onde se localizava o seu comércio, era o escoadouro da nossa movimentação.
João Segundo, um dos seus habitantes, era um homem de estatura baixa, porém bastante forte e, principalmente, valente; trabalhava na Rede Mineira de Viação e morava com a sua família em local um pouco afastado do lugarejo; embora fosse um homem trabalhador e cumpridor dos seus deveres, tinha um grave defeito: bebia demais nos finais de semana.
O problema não era somente a bebida que incomodava a população, mas sim suas impertinências; não havia um sábado ou domingo que não houvesse uma briga provocada por João Segundo; muita gente dizia que nestas oportunidades “descia-lhe um espírito mau”, bastava alguém olhar “atravessado” para começar uma discussão e consequente briga.
Tive oportunidade de ver muitas destas brigas (na verdade, a criançada ficava torcendo para que isto acontecesse), pois, tendo em conta o fato de que ele não usava nenhuma arma a não ser a força dos seus punhos, não havia perigo para os assistentes.
Um dia, o céu entrou de nublar-se na sua vida; de tanto insultar um homem mais velho, com palavras de baixo calão, proferidas, inicialmente na via publica, depois, na frente da sua casa, apesar dos apelos que lhe eram dirigidos, não só pela família como por parte de muitas pessoas que se aproximaram dele, para que parasse com as agressões, João segundo recebeu um tiro proferido pelo homem mais velho.
Não vou entrar em detalhes sobre a sequência destes acontecimentos, pois, não pretendo que meus leitores julguem que estou usando um artifício muito utilizado pelos escritores: A ficção imita a realidade na narrativa ficcional; peço-lhes, apenas, que leiam comigo o resumo do que escreveu Mark Twain:
“Um bêbado, Boggs, tinha a mania de insultar e ameaçar as pessoas; um dia ele foi desafiar o comerciante do vilarejo. Boggs parou o cavalo na frente da loja e gritou – Pode ir saindo daí, Sherburn! Sai daí e vem para a rua enfrentar um homem. É você que eu vim pegar, seu cachorro, e dessa vez você não escapa. Continuou xingando Sherburn de tudo quanto é nome que se lembrava, e foi juntando gente na rua para assistir, rindo e achando graça naquilo tudo. Depois de algum tempo, um homem aparentando 55 anos de idade, saiu da loja e a multidão foi abrindo ala para ele passar. Ele falou ao Boggs, bem devagar e com muita calma: - Já estou cansado desta história, Boggs, mas vou deixar você falar o quiser por mais uma hora, nem mais um minuto, entendeu? Depois disto, pode enfiar onde você quiser que vou acabar com você.
Boggs, por seu lado, continuou insultando o homem de 55 anos de idade, as pessoas já não davam risadas, alguns tentam acalmá-lo, lembrando-lhe que faltavam apenas 15 minutos para a hora estipulada; nada o convence, continuava xingando o homem da loja, buscaram sua filha para convencê-lo, inútil.
Então, ouviu-se uma voz que grita o nome de Boggs, todos se viram e lá estava o homem de 55 anos de idade, no meio da rua com uma pistola na mão, todos correm e a pistola é detonada no peito do beberrão”.
O final do episódio não cabe aqui neste espaço, aconselho meus leitores a lerem o livro, posso, no entanto, afirmar que o homem de 55 anos de idade, sofreu uma tentativa de linchamento pela multidão que, de alguma maneira, incentivava, até minutos atrás, as diabruras de Boggs; foi “salvo” pela sua coragem de enfrentar a multidão, chamando-a de “bando de covardes”, repetindo as palavras que Twain colocava na sua boca e que eram a síntese da própria vida do autor do livro – Ele, Mark Twain, sempre esteve pronto para morrer, só assim entendemos seu humor; conhecia e podia distinguir os covardes na meio da massa humana.

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