MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 24 de junho de 2011

ROUSSEAU, FLAUBERT E O EROTISMO NA LITERATURA

Ando envolvido com a obra de Gustav Flaubert, especialmente com “Madame Bovary”, livro que muitos consideram um marco da literatura romântica do século dezenove, intitulado, por alguns, como o século do romance sobre o adultério.

Semana passada li no “Jornal dos Lagos” de Alfenas (MG) um artigo da filósofa Ilma Manso Vieira, minha amiga de há muitos anos, cujo título, diga-se de passagem, muito bem formulado, chamou-me a atenção: “É da religião que brota a ética”.

Ilma, em texto muito bem elaborado, discute a presença de Jean Jacques Rousseau no contexto da sua época, especialmente da ética e, como corolário, da religião, dos costumes e, sobretudo, da literatura.

Sabe-se que Gustav Flaubert, como grande parte dos escritores do século dezenove, sofreu influência de Rousseau, especialmente da sua autobiografia, onde descreve suas experiências com a masturbação, incesto e masoquismo, para se referir o mínimo, concluindo que a paixão, particularmente a paixão sexual é agradável por si só e Deus nunca irá condená-la; porém, ele mesmo, por estas afirmativas, foi condenado pelo catolicismo da França e pelo protestantismo da Suíça (Love and Friendship – Allan Bloom, 1993).

Voltando à personagem Madame Bovary verificamos que Flaubert a envolveu na sua narrativa, em dois ambientes – tédio e erotismo -, a história transcorre em um pequeno lugarejo do interior da França, tendo como figura central esta mulher, cujas roupas que ela vestia, os passeios que ela fazia, a decoração da sua casa, como ela servia e comia os alimentos, tudo foi transformado pelas mágicas mãos do artista-escritor, como tendo significado erótico.

Para confirmar a ascendência de Rousseau sobre esta obra de Flaubert, podemos verificar, segundo o narrador do livro, que Bovary, “antes de ser enviada para um convento-escola católico, havia lido o livro “Paulo e Virginia” escrito pelo mais devotado discípulo de Rousseau – Bernardin de Saint-Pierre” -, um ingênuo romance de amor muito popular e que propunha idéias avançadas para a época, no que diz respeito à alienação do pensamento e discussões sobre o sexo.

Uma das passagens do romance “Madame Bovary” que nos leva a aceitar a influência de Rousseau, acontece quando um dos personagens (Dono de uma Pousada) oferece um copo de bebida alcoólica para o Padre (Bournisien) e este recusa; Houmais (outro personagem) acusa-o de hipócrita, pois “todos sabem que o Padre bebe às escondidas ... Vejo perigo para as jovens virgens frente aos Padres sadios”; Ao ser acusado pelo “Dono da Pousada” de ser pessoa sem religião, Houmais fala o que pensa a respeito da fé, a fé de um homem racional; transcrevo, resumidamente, suas palavras:

“ Eu tenho uma religião, minha própria religião, eu adoro meu Deus, eu acredito no Ser Supremo, um Criador, sem necessidade de saber quem ele é ... Você pode adorar Deus, tanto na floresta como nos campos ... meu Deus é o Deus de Sócrates e de Voltaire, Benjamin Franklin e Béranger... Não acredito no Deus que caminha pelos jardins com um porrete nas mãos, que morre com um choro nos seus lábios e volta a viver três dias depois”

Neste trecho (resumo do inteiro teor no livro) Flaubert coloca na boca de Houmais os nomes de algumas das grandes figuras do pensamento iluminista, faltando o principal deles, Rousseau, de cujas idéias, como vimos acima, Flaubert procurava balizar sua vida cultural.

Como sabemos, por causa da publicação deste livro, Flaubert foi a julgamento tendo sido absolvido pela justiça, porém, a circulação do mesmo foi proibida na França; todos nós, livres pensadores, aplaudimos a não condenação do artista, pois estamos do lado certo da história; Flaubert era um homem muito superior ao promotor que o acusava, por ser o escritor que foi e pelo fato dele, naquela ocasião, representar a liberdade de expressão.

A acusação central do promotor era de que o livro havia sido escrito para minar os conceitos públicos de moral (santidade do matrimônio) e religiosidade; disse ele que o autor do livro não colocou nenhuma contraposição no texto capaz de mostrar ao leitor que Emma Bovary estava errada ao seguir o caminho que seguiu (prostituição que acabou em suicídio).

O tempo passou, provavelmente existem, ainda, muitas outras Madame Bovary a serem retratadas, porém, a pensar como muitos historiadores, após a revolução francesa temos hoje em dia, pouca coisa em comum com as mulheres e os homens do passado século dezenove.

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