MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 2 de março de 2010

BISBILHOTANDO NO ARMAZEM DO CHICO DA MALVINA


Não posso dizer que faço a coisa certa, porém, pela honestidade da revelação, sei que meus leitores, pelo menos parte deles, me perdoarão: gosto, de vez em quando, de escutar conversas de pessoas com quem não estou fazendo interlocução. Para ser mais claro, gosto de bisbilhotar algumas conversas alheias; para não receber condenação muito acerbada, esclareço, com intenção de atenuar minha falta de polidez, que estas minhas intervenções ocorrem, normalmente, quando as pessoas estão discutindo com nível de voz perfeitamente audível, sem sacrifício para meu sistema auditivo, isto é, estão falando alto e em público, como em restaurantes, botecos, campo de futebol, etc.
Semana passada, enquanto aguardava minha vez de ser atendido pelo funcionário do armazém do Chico da Malvina, localizado na entrada da cidade de Edéia, sentei-me em um tamborete que me foi oferecido por outro fazendeiro, meu conhecido e vizinho de fazenda e que também aguardava sua vez.
Como estava com bastante tempo disponível e fazia muito calor, pedi uma Skol e fiquei observando o movimento dos fregueses; alguns mais apressados, outros, nem tanto.
Duas senhoras, uma bem gordinha e baixinha e a outra mais espigada, aparentando, respectivamente, quarenta e sessenta anos de idade, se aproximaram do balcão e, a que estava com cara de patroa, foi logo dizendo para o que veio: pagar uma conta que estava vencida.
Resolvi prestar atenção na discussão que se iniciou entre ela e a funcionária do Chico, não que estivesse interessado na vida alheia, mas sim porque o palavrório foi meio alto, inclusive chamando a atenção de muitos outros presentes (atestando, portanto, que não estava bisbilhotando sozinho):
- Não entendo estas contas que você faz ai neste aparelho do diabo, antigamente o dono das vendas anotava na caderneta, agora inventaram esta máquina para a gente não entender de maneira alguma; é só número que voa, tudo ao gosto do dono.
Não tem jeito nem de conferir o que já paguei, ainda mais o que estou devendo!
Nesta hora, o Chico da Malvina entrou no circuito, tentando apagar o incêndio; calmamente ia explicando o que o toque do seu dedo ia fazendo aparecer na tela; vendo que não adiantava muito tentar explicar, tendo em vista que a platéia estava achando boa a discussão, resolveu chamá-la para dentro do balcão e sentou-a a uma escrivaninha e recomeçou as explicações.
Enquanto isto a sua companheira, a gordinha, ficou sem interlocutor, encostada no balcão, sem saber o que fazer; para tentar ajudá-la naquela dificuldade, resolvi puxar uns dedos de prosa:
- A senhora trabalha com ela?
- Trabalhava, mas estou abandonando o barco, num estou agüentando mais esta veia complicada e meio tarada!
Palavra de honra, perguntei só por perguntar, não tinha nenhum interesse em saber o que ela me disse a seguir, porém, não poderia interrompê-la...
Antes de narrar o que ela, Da. Barrica, me disse, acho necessário traçar o seu perfil, tanto o fisionômico como o físico, para que os leitores possam, após estes detalhes, analisarem as conclusões finais da crônica.
O nome ela adquiriu na convivência com o mundo, pois, segundo me informa, o de batismo é Leandra; ela não me disse, porém, suspeito que o apelido adveio, em parte, do seu porte físico (provavelmente 1,50 cm de altura e abdome volumoso).
Apesar de comunicativa, Da. Barrica não foi favorecida pelos deuses da beleza, o seu rosto, que provavelmente nunca foi belo, já mostrava sinais evidentes da sua luta contra o tempo que, maldosamente, teimava em evidenciar sua presença.
Várias rugas; uma verruga preta localizada no lado esquerdo do queixo dava-lhe um aspecto um pouco sombrio, principalmente quando esboçava um ingênuo sorriso.
Os olhos já não eram vivos, um pequeno edema nas pálpebras inferiores, dava-lhe uma aparência de cansaço que ela, inclusive, transmitia ao interlocutor.
- Por que a senhora acha a sua patroa complicada?
- Acho não, ela é; imagine que com esta idade resolveu dar de cima do pobre Martinho açougueiro e está deixando o homem meio doido; manda recado para ele sem parar – traga um quilo de alcatra, agora um quilo de lingüiça, um pernil e mais uma porção de baboseiras.
- Ele não reclama?
- No começo até que reclamava e se queixava para mim e eu tentava consolá-lo, depois foi se acostumando com a situação e agora entra e sai da casa como se fosse o dono da propriedade; nunca mais notou minha presença!
Peço ajuda ao escritor Oscar Wilde para concluir esta narrativa, antecipando a dos leitores:
“Seria necessário jamais tentar compreender as mulheres. As mulheres são imagens, os homens são problemas. Se querem saber o que uma mulher quer de fato dizer – o que, entre nós, é sempre muito perigoso -, olhe-a, mas não a ouça. As mulheres estragam todas as histórias de amor tentando fazê-las durar para sempre”.