MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 27 de julho de 2010

BATISTÃO VOLTOU (sem a Narandinha). SERÁ?

Foi o meu funcionário Sérgio quem me lembrou:
- Doutor, esta é a quarta vez que faço a mudança do Batistão!
Realmente, o “Batistão é um caso de amor mal resolvido”, como disse, espero que sem segundas intenções, meu amigo Carlo Sacco, residente em Itapetininga-SP, ao ler, pela internet, minha última crônica aqui no Diário da Manhã; ele fica uns tempos aqui conosco, faz algumas confusões com a sua esposa Da. Narandinha e vai embora; passado algum tempo ele volta pedindo emprego.
Desta vez não foi diferente; em um sábado, já escurecendo, chegou o Batistão a cavaleiro em uma bicicleta; logo as descer da “aranha” já dava para notar que ele estava “muito falador”, portanto...; ao tentar dar uma de “playboy” (descer com a bicicleta andando) quase cai por cima da “maquina voadora”.
Aproximou-se, tirou o chapéu e abraçou-me, como era seu costume, e, com voz pausada e um pouco arrastada, foi logo dizendo:
- Dotô, o senhor é meu pai e vim aqui para pedir para voltar, aliás, eu nunca devia ter saído daqui, lugar que eu adoro!
- Por que você saiu Batistão?
- Fiz besteira, fui ouvir as conversas da muié e deu no que deu, mas agora estamos separados; aliás, para dizer a verdade, separamos só os corpos, moramos na mesma casa.
- Ela virá com você?
- De jeito nenhum, não suporto mais aquela muié, é muito encrenqueira e ciumenta até cair de costa.
- Você pode voltar, mas tem que fazer uma promessa de mudar de vida, é para seu bem e da sua família; você pode ter problemas com a sua mulher, porém, suas filhas não têm nada com isto.
Batistão levantou-se de onde estava sentado (um tronco de aroeira) e quase que num pulo veio abraçar-me, até com certa emoção; vou trazer o “Cervejinha” para morar comigo lá no retiro, o senhor autoriza? Sabia Dotô, aqui a peteca não cai, não consigo ficar longe da sua família!
- Da. Narandinha não virá, realmente?
- Deus me livre!
Já que ele está voltando, vejo-me na obrigação de apresentar aos meus leitores, o restante da sua família, uma vez que Da. Narandinha já foi introduzida na semana passada.
Antes de qualquer coisa é preciso esclarecer alguns detalhes do seu linguajar que, aliás, muitas vezes não consigo entender; usam (ele e a esposa) dar apelidos para quase tudo que os rodeiam; o cachorro, provavelmente de nome garoto, é conhecido como “garoti”; as filhas Xilibene, Serenata e Gatin, parece que se chamam Lorena, Serena e Etelene; tinha um filho adotivo de nome Ésle (parece que era Wesley) e que passou a se chamar “cervejinha”.
Passadas algumas semanas da sua volta, tive notícia que Da. Narandinha tinha vindo, na companhia da filha Gatin, passar um final de semana no retiro (veio, segundo informação do Batistão, verificar se não estava faltando nada para o Ésle); como não tinham camas em número suficiente, dormiram os três em uma só (é bom que se diga que não foi desta vez que fizeram as pazes), segundo a esposa do meu funcionário Sérgio conseguiu apurar.
- Dotô, o senhor autoriza o Sérgio ir buscar a mudança da Narandinha?
- Ela vai voltar?
- É o destino; o pior de tudo é que ela vai trazer, para aumentar o pagamento dos meus pecados, a mãe para ficar morando aqui em casa.
Aqui preciso defender o Batistão; sua resistência com respeito à vinda da sogra não está ligada a nenhum preconceito ou estigma sogra-genro, pois ele não tem estas veleidades; o problema é que a sogra perdeu, completamente, o juízo, e, o pior, diz palavrões sem parar. É preciso dizer que quando estamos falando em palavrões, não são os socialmente aceitáveis, mas sim aqueles de arrepiar os cabelos (estas últimas informações me foram prestadas por uma comadre do funcionário Sérgio, que mora perto da dita cuja, no bairro Vitória, em Goiânia).
Um dia ela esteve aqui na sede da fazenda, Da. Narandinha levava-a pelas mãos em um passeio pelo jardim; ao ver uma das esculturas do artista plástico Elifas, cuja anatomia (seios desnudos) é bem conhecida dos goianienses, a sogra do Batistão não teve dúvida em dizer em alto e bom som:
- Muié peituda dos infernos!
Felizmente, para alguns amigos que nos visitava, ela não teve tempo de continuar a dizer outros detalhes anatômicos da escultura; sua filha, Da. Narandinha, levou-a para longe dos nossos ouvidos.
Batistão observava a cena, calado, de repente olhou-me com alguma tristeza no olhar e disse:
- Quando algumas coisas me esquentam a cabeça, perco o controle da razão, digo isto e quero dizer aquilo, vou falar periquito e falo papagaio, é o diabo! Uma das coisas que está esquentando minha pensa é esta falta de luz na cabeça da minha sogra.
Em seguida ele se levantou, segurou-a pelas mãos e foram para casa; voltou a ventar, primeiro mansamente, depois com alguma fúria e até uivante; Batistão sumiu na reviravolta do caminho; começou a chover, virou tempestade; a vida continua.


terça-feira, 20 de julho de 2010

BATISTÃO, Da. NARANDINHA E O JACARÉ

Batistão, como disse na semana passada, pareceu-me estar passando por uma boa fase na sua atribulada vida; mais gordo, trajando vestimenta de “ir à missa” como costuma dizer, apesar de ter mudado de religião sob influência do seu compadre Marrequinho, que, por sinal, voltou para a igreja católica, decepcionado com o rigor da disciplina religiosa do templo que frequentava.
- Acho Dotô, que na verdade, o problema dele foi a proibição de ver televisão!
Meu genro Dr. Antonio Leite, que estava na varanda quando da chegada do Batistão, pediu-lhe que confirmasse, ou por outra, voltasse a contar algumas das suas “estórias”, principalmente aquela do jacaré na nossa represa.
Era o “mote” que faltava; Batistão contou-nos esta e muitos outros acontecimentos da sua vida em nossa companhia aqui na Fazenda Santa Tereza; para não deixar meus leitores muito curiosos, vou narrar-lhes o que aconteceu com Batistão, Da. Narandinha e com o jacaré, segundo informações do próprio personagem, com algumas intromissões deste narrador.
Era uma tarde, daquelas que somente a Santa Tereza pode proporcionar; o sol estava quase que se escondendo por detrás do arvoredo, com alguns raios procurando os vãos dos galhos, com a intenção, segundo penso, de despedir do dia e imitar o caminhante que passa na beira da estrada: não se identifica, mas deixa a lembrança da sua passagem.
Batistão havia terminado a lida do dia; sentou-se em um pedaço de tronco de aroeira que imitava um banco, localizado bem na porta da sua casa, espichou as pernas, tirou o chapéu da cabeça e colocou-o no seu joelho, como se utilizasse de um cabide, olhou mais uma vez para a represa e chamou, com voz impositiva, Da. Narandinha que estava na cozinha preparando um café.
- Muié, você sabia que na represa do Dotô tem jacaré?
- Você tá é bestando seu besta, mentira sua e das maiores, de onde pode ter vindo este jacaré hôme de Deus!
- Não sei, nem quero esquentar minha pensa, mais que tem, isto tem!
Aqui, fazendo um pequeno interregno, preciso dizer que o Batistão era um homem muito medroso; vivia às voltas com o nosso cachorro; se via uma vaca nelore com bezerro aos pés, dava voltas homéricas.
Certa feita pedi-lhe que tirasse os búfalos da capineira, pois estavam destruindo-a; Batistão foi atender a recomendação, porém, com um medo incrível.
- Não tenha medo Batistão, disse-lhe com a intenção de acalmá-lo; embora estes animais tenham má fama, são muito mansos; não acreditou muito na minha informação, mas como recebera uma solicitação, teria que cumpri-la.
No primeiro grito que ele deu, os animais assustaram e correram; Batistão nem esperou para ver o que acontecia, saiu numa disparada de dar inveja aos corredores de olimpíadas; sua camisa, estendida ao vento, daria para jogar baralhos, na falta de uma mesa; atirou-se por debaixo de uma cerca de oito fios de arame farpado, sem ficar com um arranhão. O que ele não viu é que, enquanto corria para um lado, os búfalos corriam para o outro.
Voltando ao assunto do jacaré, ouçamos a continuação do diálogo do casal:
- Narandinha, você quer ir ver o jacaré? Ainda agorinha eu estava pescando, trepado naquele pau de guarandi caído sobre a represa, como se fosse uma pinguela, quando vi o bicho.
- Batistão, você tá é com mentira para mim.
- Tô não muié, vamos lá que eu te mostro.
A mulher, segundo voz popular, é mais curiosa do que o homem; Da. Narandinha não fugia à regra; pensou um pouco e resolveu acompanhar o marido até a beira da represa.
- Daqui nós não vamos enxergar, vamos ter que caminhar em cima aquele guarandi e aproximar um pouco mais, porém, temos que fazer silêncio.
Batistão foi à frente e deu a mão, com toda gentileza, a Da. Narandinha; os passos eram titubeantes, necessitando manter o equilíbrio no pau roliço e molhado; via-se que ela se divertia com o momento, pareciam dois namorados trocando juras de amor, de mãos dadas.
- Óia lá muié, já estou vendo o olho dele!
- Onde Batistão?
- Vamos chegar um pouco mais perto e, se você não enxergar, tá precisando de óculos!
Ali, olha a cabeça dele, está olhando para nós; talvez Da. Narandinha estivesse até fingindo que não estava vendo, divertindo-se com a situação.
- Vou jogar um pedaço de pau perto dele e então ele vai nadar e você vai vê-lo!
Batistão fez o que prometera e o jacaré levou um grande susto; deu uma rabanada e mergulhou com grande agitação na água; com o barulho Batistão já pensou que o jacaré estava vindo na direção deles; só teve tempo de gritar:
Sai do caminho muié que lá vem o bicho!
Como Da. Narandinha estava na sua frente, Batistão não teve dúvida, deu-lhe uma “peitada”, jogando-a dentro da represa e, em dois segundos, ele estava sentado no barranco, gritando:
- Banca velhaca muié, senão o jacaré morde a tua perna!
- Não consigo sair daqui Batistão, minha chinela grudou no barro do fundo
- Deixa a chinela ai, muié.
- Me dá a mão Batistão!
- Segura neste pau que vou te arrastar, mas fica velhaca!
Deste episódio, o que deixou Da. Narandinha mais contrariada foi a perda da chinela, presente do Walto...

quinta-feira, 15 de julho de 2010

QUEM É VIVO SEMPRE APARECE, BATISTÃO APARECEU!

Se existe um ditado popular cheio de sabedoria é o que dá título a esta crônica; quando menos esperamos, acontece o reencontro, como o ocorrido no último sábado na Fazenda Santa Tereza.
Estava cuidando de umas roseiras plantadas bem em frente da nossa casa quando chega, na garupa de uma motocicleta, o meu amigo Batistão; - Já que a montanha não vai até Maomé, Maomé vai até a montanha, disse ele, saltando com a moto ainda em movimento, dando-nos um grande susto, porque ele deu uma desequilibrada, tropeçou e quase caiu por cima de mim e da minha roseira.
- Ficou doido Batistão, você não é mais menino para fazer estas estripulias, homem de Deus!
- É por causa do senhor não conhecer esta praga ruim de meu sobrinho que me deu carona, seu Dotô; só me trouxe com a promessa de um descer com a moto andando.
- Gente, não estou entendendo a razão deste desafio!
- É uma história muito comprida que não vale a pena repetir, porém, tudo começou com o fusca que eu possuía e que não tinha freio; esta praga estava comigo e o desgramado do carro desembestou por uma ribanceira abaixo e, nós dois, tivemos que abrir as portas e pular fora.
Ele e eu esfolamos tudo quanto é pele que o corpo tem; porém, a Narandinha, tia dele, que estava no banco traseiro não teve jeito de pular fora; depois disto os dois ficaram com raiva de mim, pois ela levou uma pancada na cabeça e ficou meio “zaranzada” da cuca.
Só agora, muito recente, nós dois fizemos as pazes e quando fui pedir para ele me trazer aqui, para eu ver o senhor, ele quis vingar daquele acontecimento passado, achando que eu ia cair de maduro na sua frente; no entanto, o baiano velho continua duro na chincha.
Embora possa parecer impossível tal acontecimento, peço ajuda aos leitores que têm alguma intimidade com pessoas iguais ao Batistão, para salvarem minha credibilidade; a realidade deles é muito diferente da nossa, parece que vivem em outro mundo diferente daquele em que vivemos.
Antes de apresentar o Batistão preciso dizer que a Narandinha que estava naquele “carro desembestado” é a sua esposa, da qual Batistão já se separou e voltou a “juntar os trapos” muitas vezes.
- É castigo de Deus seu Dotô, ela é muito brava com tudo o que eu faço; o senhor conhece o nhambu? Tente se aproximar do seu ninho pra ver o que tem dentro, ele apronta uma gritaria e uma arrufação do bedéu; sabe que não tem força para enfrentar o perigo, porém, não foge. Igual a Narandinha, pequenina e encrenqueira, quando nervosa fica estabanada; o que a diferencia do nhambu são seus olhos grandes e meio pidões, caminhar ligeiro, às vezes requebrativo e a fala vagarosa, carregada de melúria... (a reticência é por conta da piscada de olho que ele deu)
Batistão, que eu não via há uns cinco anos, aparentava boa disposição física, apesar dos cabelos que já teimavam, pela sua maioria de cor branca, em mostrar a onipresença do tempo; camisa de manga curta e solta sobre a calça, botina rangedeira aparentando ser nova, barba bem feita e a indefectível e larga costeleta.
Já que estou fazendo a apresentação do meu amigo Batistão, preciso dizer que ele foi funcionário da fazenda em várias oportunidades; para que entendam a expressão “várias oportunidades” penso que preciso tomar um pouco de tempo dos meus possíveis leitores e explicar melhor.
Tudo começou nos idos anos de 1990 quando um outro antigo funcionário pediu-me que arranjasse emprego para um primo recém-chegado da Bahia; feitas as apresentações, foi amor à primeira vista: - Batistão, sua mulher Narandinha e suas três filhas, passaram a fazer parte da nossa vida, com várias intercorrências ditadas pelo destino (destino era o seu hábito, segundo dizia “determinado pelo Criador”, de consumir umas e muitas outras cachacinhas).
Lembro-me com certeza de que, em pelo menos três oportunidades, nós dois tivemos que “separar os trapos” por minha iniciativa; Batistão estava exagerando, fugindo do trato que fizemos dele só marcar “encontro com o destino” nos finais de semana; afinal, dizia ele, “preciso desafogar meus sofrimentos causados por um mau casamento”.
Durante a semana seu desempenho na lida da fazenda era muito bom, além de ser uma pessoa honesta e de inteira confiança da nossa família; porém, gradativamente os seus finais de semana estavam ficando maiores, pois, muitas vezes ele incluía a sexta feira como tal, portanto...
Ficamos bastante satisfeitos, tanto ele como eu, pelo reencontro depois de tanto tempo; Batistão estava bastante falador, parecia que tinha muitas coisas para me contar, relembrar, como disse, “nossos tempos passados”, quando então, sentávamos no alpendre da casa da fazenda e ele, depois de tomar algumas cervejinhas, “despencava conversa fora”.
Relembramos de algumas destas passagens; prometo, se meus leitores tiverem paciência de ouvirem, contá-las a partir da próxima semana!



terça-feira, 6 de julho de 2010

LONDRES – good bye, see you soon (Adeus, reencontraremos breve)

Na verdade havíamos planejado ir ao Café Royal, localizado na Regent Street, local onde Couto de Magalhães não quis levar sua namorada Lily, conforme relato no meu livro biográfico sobre esta personalidade da época do Império; porém, tivemos uma desagradável surpresa; o local onde ele estaria localizado, como adrede sabíamos, não mais ostentava a bela imagem que conhecíamos por fotografias antigas que descobrimos na internet.
Informaram-nos nas imediações que o Café Royal, que funcionou ali por quase cento e cinquenta anos foi fechado e o prédio vendido para uma companhia de incorporações para construção de um possível hotel; como estávamos nas imediações de Piccadilly Circus, procuramos as escadarias do monumento que sustenta o famoso cupido de Londres e sentamos, Hélio Junior e eu, enquanto contava a ele o significado daquele café para a cidade de Londres.
Nos séculos 19 e 20 era o ponto de convergência de toda a sociedade londrina; frequentava aquele bar-restaurante as figuras mais representativas das letras e das artes, destacando-se, dentre eles, Winston Churchill e Oscar Wilde que, inclusive, tinha uma mesa cativa que a casa lhe reservava.
Os biógrafos de Wilde dizem que ali ele promovia festas homéricas para seus convidados; seu vestuário, completamente fora dos padrões da era Vitoriana, escandalizava os frequentadores: era um autêntico “dandy”.
É, também, neste café que Wilde se encontrava com lorde Alfred Douglas, conhecido na intimidade por Bosie e cujo relacionamento (homossexual) levou Oscar Wilde à ruína (prisão com trabalhos forçados), graças à intensa perseguição que lhe fez o Marquês de Qeensberry, pai de Bosie.
Foi na prisão que Wilde escreveu seu último trabalho em prosa, uma das mais belas páginas da literatura mundial “De Profundis”, aliás, de maneira inacreditável, pois, segundo a rotina da prisão, o presidiário, no caso Wilde, deveria escrever em papel que lhe era fornecido e no final do dia, era obrigado a devolver para o carcereiro, tanto o papel escrito como a caneta que utilizou, recebendo-os de volta na manhã seguinte.
Ao ler este monumento literário, achamos extraordinário o fato de ele conseguir dar sequência ao que escrevia, sem acesso ao que escrevera no dia anterior; foram oitenta páginas preenchidas com letras miúdas e o texto foi concluído sem nenhuma revisão.
Neste documento, dirigido ao lorde Alfred Douglas, ele tentou – como ele próprio havia declarado, explicar sua conduta sem tentar defendê-la, como disse seu filho Vyvyan Holland em 1949.
Voltamos para o Hotel caminhando e fazendo as últimas observações sobre a cidade de Londres, discutindo sobre tudo o que vimos naqueles dias tão agradáveis que passamos ali e com a promessa de voltarmos, agora acompanhados de Marília e Larissa.
Como nosso horário de vôo do dia seguinte era muito cedo, achamos prudente jantarmos no próprio hotel; aliás, foi a melhor coisa que fizemos, não só pelo ambiente maravilhoso, mas, também, pela ótima comida; digna de uma despedida feliz!
Vestimos nossos melhores trajes e descemos para o bar, enquanto aguardávamos que desocupasse a mesa que havíamos reservado; pedimos dois “martinis”, levando em consideração que não se deve tomar nada muito forte, como aperitivo, se estamos planejando, como estávamos, tomar vinho na refeição; lembrei-me e repeti para o Hélio Junior o que escreveu o norteamericano Fitzgerald em “A Festa de noivado”:
- Eles beberam cocktails antes do jantar, vinhos como os franceses, cerveja como os alemães e whiskey como os ingleses –
Já sentados à mesa, procuramos subsídios do maitre para escolhermos o prato; sugeriu-nos um cordeiro, segundo ele, o seu preferido do dia; após acordarmos com a indicação, o somelier se aproximou e passamos a discutir qual vinho escolher.
O cordeiro, como sabemos, é uma carne versátil para se acompanhar de vinho, de preferência um tinto; indagamos a respeito de um Zinfandel; o somellier da casa não era do tipo snob como frequentemente costuma ser, apoiou nossa indicação, com uma expressão usual aos bons profissionais - Grande escolha, será um fantástico vinho, aduzindo – Vocês escolheram a uva, agora eu escolho o vinho!
Sugiro Rabbit Ridge e acrescento, se ainda não sabem: - Todo vinho Zinfandel tinto iniciado com a letra R ou terminado em ELLI é bom.
Abriu o vinho, serviu nossas taças até a metade e postou-se, com dignidade profissional, ao lado da mesa com a garrafa na mão, esperando nosso teste gustativo; antes que fizéssemos qualquer movimento, deu-nos outra “dica”, piscando o olho com certa intimidade: - Se um dos senhores, por qualquer motivo, deseja impressionar o seu convidado, olhe sério para o somellier e diga com polidez, porém com convicção:
- Acho que o vinho necessita de um pequeno tempo de descanso para se acostumar com a taça!
Com este jantar maravilhoso, nós nos despedimos de Londres; no dia seguinte voltamos para o Brasil.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

LONDRES, Visita à casa de um diplomata do século 19

Em 1855, Carvalho Moreira, mais tarde Barão de Penedo, então embaixador do Brasil nos Estados Unidos, foi indicado para o posto de Ministro do Império brasileiro junto à Corte da Rainha Vitória.
Tarefa muito difícil, tendo em vista as dificuldades diplomáticas que as duas nações estavam vivendo; o Brasil, sendo a parte mais fraca desta contenda, sentia muito mais a força do poder econômico inglês, o país hegemônico da economia mundial da época.
Havia sido, recentemente, editado o “bill (projeto de lei) Aberdeen” pelo qual foi transferida para os tribunais ingleses a jurisdição dos navios negreiros e autorizava, também, que os navios ingleses entrassem em águas territoriais brasileiras e, até mesmo, em nosso solo, na caçada ao tráfico escravo.
Foi com este clima que o Barão de Penedo apresentou suas credenciais a S. M. Rainha Vitória no dia 5 de setembro de 1855; chegava, no entanto, para o cargo com a confiança do Marquês de Paraná, então presidente do Conselho de Ministros do governo Imperial do Brasil: “A remoção de V.Excia. para o posto que ora ocupa é a maior prova de confiança que o Governo Imperial lhe podia dar”.
Barão de Penedo tinha consciência de que a razão da sua remoção para Londres era a necessidade de se captar grande volume de capitais para o Brasil, destinados a promover o progresso econômico do Império, principalmente na área de construção de estradas de ferro e, também, tentar amenizar os efeitos do “bill Aberdeen”, cuja implementação expunha a grande chaga da nossa nacionalidade – os negros escravos.
Penedo revelou ser um grande estrategista de negócios, credencial essencial para quem precisasse se envolver com empréstimos para o governo brasileiro, que, aliás, vinham sendo negociados e renegociados desde Dom Pedro I, senão vejamos:
Em 1829 Dom Pedro I tomou empréstimo para pagar os empréstimos de 1824 e 1825; em 1859 Dom Pedro II, agora com negociação de Penedo, pediu empréstimo para pagar as 400.000 libras do empréstimo de 1829, cujo valor atualizado passou a ser de 508.000 libras (não haviam sido pagos nem os juros); para se eliminar uma dívida, fazia-se outra maior; era a o inicio da roda viva das nossas finanças.
Em 1863 o governo brasileiro, pelos cálculos oficiais, devia 2.700.000 libras; o Marquês de Abrantes, então Ministro da Fazenda, com o intuito de consertar as finanças, pede para o Barão de Penedo conseguir-lhe um empréstimo junto aos banqueiros de Londres no valor de 3.200.000 libras (os excedentes 500.000 seriam para diminuir as obrigações internas); em 1875, novamente Penedo negociou com os Rothschild, para fechar a conta da impagável dívida externa, empréstimo de cinco milhões de libras.
Diante de tamanha capacidade de negociar, não poderia haver pessoa mais indicada para ajudar Couto de Magalhães na empreitada que ele resolveu enfrentar em 1876 (conseguir empréstimo junto ao mundo financeiro de Londres para construir a estrada de ferro, cuja concessão ele havia recebido de Dom Pedro II), do que o embaixador do Brasil em Londres, seu irmão de maçonaria e amigo de muitos dos seus amigos, como o Visconde de Ouro Preto e Francisco Otaviano
No livro “Couto de Magalhães – o Último desbravador do Império” faço a narrativa do encontro entre os dois e, principalmente, descrevo a residência de Barão de Penedo – A embaixada do Brasil Imperial em Londres.
Naquela manhã o dia estava nublado, como acontece com muita frequência em Londres. Felizmente estávamos adequadamente agasalhados; havíamos, Hélio Junior e eu, atravessado o Jardim St. James Park e estávamos caminhando na direção do Palácio de Buckinghan, onde pretendíamos assistir o espetáculo da “troca de guardas” quando nos demos conta que estávamos na vizinhança de Grosvenor Gardens, onde se localizava a antiga embaixada do Brasil no século 19, residência do Barão de Penedo que citamos acima.
Seria este sitio o último relacionado com o roteiro que adrede traçamos para visitar, com o intuito de conferir, pessoalmente, as informações que passara aos leitores do meu livro acima citado e que haviam sido baseadas nas minhas lembranças de antigo morador de Londres e, principalmente, nas pesquisas efetuadas para este desiderato.
Como escritor, tenho a visão de que escrever um livro é como um filho que colocamos no mundo; somos eternamente responsáveis por ele; cada vez que corremos os olhos por suas páginas vem à nossa mente a emoção daquela frase que colocamos no papel, da supressão daquela palavra que não exprimia com rigor o que queríamos dizer, a procura do adjetivo que nos ajudasse a definir aquela nossa emoção momentânea.
Rever (só a conhecia por fotografia de livros) a antiga embaixada brasileira trouxe-me, realmente, grande emoção; Hélio Junior, astuto observador e companheiro do nosso longo contubérnio, entendeu o momento e ficou em silêncio, possivelmente observando
minhas reações; depois pediu que me postasse em frente do prédio e fez algumas fotografias.
Adentramos o edifício, graças à gentileza de um funcionário que trabalhava na sua remodelação; fiquei feliz por certificar-me que havia retratado no meu livro quase todos os detalhes que via agora, alguns deles, inclusive, por pura intuição: “dois lances de escadas davam acesso ao andar superior, a sala de jantar; a escadaria com balaustres entrelaçados com ramos verdes, formando vivo contraste com o veludo carmesim que encobria o seu corrimão”.
Acreditem, descia aquelas escadarias o casal, ele, o Barão “com casaca comprida, camisas de golas reviradas, gravata borboleta”; ela a Baronesa, “simplesmente deslumbrante, vestido brocado azul e branco, cabelos repartidos em bandós, terminando em cachos até os ombros, um colar de brilhantes envolvia o pescoço de cútis branca, porém cheio de vida”.
Parafraseando Oscar Wilde sinto que neste capítulo do meu livro - desenhei o perfil dos mortais e remontei seus ambientes, com a pretensão que meus leitores conversassem com eles, como eu fiz; tentei revesti-los de imortalidade – Eis a tarefa do escritor.