MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 31 de março de 2011

OUVINDO E APRENDENDO COM IRIS REZENDE

Hélio Moreira



Prof. Aposentado da Fac. de Medicina da U.F. de Goiás

Médico coloproctologista



A vida é a arte do encontro, quando menos esperamos, somos surpreendidos pela roda viva do destino; semana passada foi uma destas ocasiões: estivemos, meu filho Hélio Junior e eu, por três dias desfrutando da companhia do Dr. Iris Rezende na sua fazenda no Mato Grosso, na região de Canarana, imediações do rio Xingu.

No final da tarde da última 5ª. feira, dia 24, fui surpreendido, antes das sete horas da manhã, por um telefonema que, a princípio, pensei que se tratasse de uma brincadeira de algum amigo:

- Dr. Hélio, aqui é o Iris Rezende, gostaria de cumprir o trato e levá-lo amanhã para conhecer minha fazenda e descansar um pouco do burburinho da sua vida de médico. O senhor pode ir?

Ao recobrar-me do susto, concordei de imediato e no dia seguinte, 7 horas da manhã, ele estava na porta do meu prédio para buscar-me; depois de mais de duas horas de vôo aterrizamos no campo de pouso da Fazenda Estrela, em plena selva amazônica.

Não gostaria de entrar em detalhes a respeito daquele empreendimento empresarial que seria motivo de vangloria para qualquer país do mundo e, para nosso orgulho, tem à sua frente um goiano indômito.

A grandiosidade do projeto é tão extraordinária, plantação de soja e pastagens para gado vacum, obrigando uma movimentação de máquinas e homens que nos leva a assustar e a nos perguntar:

- Se o empreendimento fosse apenas dirigido à criação de gado seria, até certo ponto, bem mais fácil de ser “tocado”, o que leva então um homem com a vida social e financeira estabilizada a se “meter” com um negócio tão difícil e tão distante e que exige esforço mental e financeiro tão grande?

Cobiça por maior poder econômico? Até quanto posso conhecê-lo, posso garantir que não é, pois Dr. Iris está vivendo na planície da sua vida e não precisa mais aumentar seu patrimônio; a resposta ele mesmo me forneceu:

- Empreendimento pecuário emprega muito pouca gente, se eu decidisse a colocar apenas gado, com oito ou dez funcionários “tocaria” a fazenda; a agricultura não, temos aqui quase uma centena de pessoas, pais de família com esposas e filhos, vivendo o meu empreendimento, ganhando a vida, trabalhando com dignidade e, principalmente, satisfeitos com os resultados que alcançamos; parece, pela seriedade e a satisfação com que trabalham que o empreendimento lhes pertence.

Naquela tarde tive a confirmação destas palavras, é inacreditável a empatia que existe entre patrão e empregados, parece que Dr. Iris é uma espécie de homem de outro mundo quando chega juntos aos peões, abraça-os, chama-os pelos nomes, indaga sobre a esposa, os filhos, alguns lhes pedem, utilizando-se da câmara fotográfica que estava na cabine da colheitadeira, para “tirar” uma fotografia junto com ele.

Depois de movimentarmos durante todo o dia, utilizando-se de uma camionete para percorrermos as plantações, diga-se de passagem, de pé na carroceria (confesso que cansei, porém, como não observava nenhum movimento de fadiga para o lado do meu anfitrião, achei prudente não destoar da “companheirada”), sentamos, já no final da tarde na varanda da fazenda, onde tive oportunidade de ouvir, de viva voz, o depoimento mais abrangente que se possa imaginar, sobre alguns fatos da vida política e social de Goiás dos últimos cinqüenta anos.

É inacreditável a memória remissiva do Dr. Iris Rezende, fala sobre detalhes de fatos ocorridos no começo da sua vida política que dá-nos a impressão que ele lê um relato que estava guardado em algum lugar; fala sobre pessoas, descrevendo suas dificuldades existenciais, suas vidas social e familiar, como se estes fatos estivessem ocorrendo neste momento.

Se questionado sobre algum detalhe que ele não menciona, Dr. Iris procura em algum canto do cérebro os neurônios que armazenavam este acontecimento e provoca sinapses naqueles que estavam adormecidos e os seus olhos brilham com a volta da lembrança, esmiúça a pergunta e estica a resposta, voltando alguns anos no tempo e conta os detalhes que aparentemente faltavam para completar o conjunto e não se contentando, ele mesmo, com a sua resposta, descreve várias personagens que participavam deste ou daquele encontro, em tais e tais condições, repetindo palavras textuais. Inacreditável!

Ficávamos, meu filho e eu, até tarde da noite ouvindo e instigando o Dr. Iris a contar-nos sobre a sua vida, seus projetos, suas derrotas e, principalmente, suas vitórias; falou-nos sobre sua família, as lembranças dos seus pais, seus irmãos e emocionado, percebi que as palavras saíram engasgadas, sobre seu estimado irmão Otoniel; trouxe-o aqui em uma oportunidade!; Seus filhos e seus netos, principalmente o Daniel, que “brinca”, quando aqui vem, de se esconder no meio da soja e o Dr. Iris começa a gritar, para participar da brincadeira: Gente! Onde está o Daniel? Daniel! Onde você se escondeu, menino doido! Repete outras travessuras das crianças com evidente satisfação. Não lhe perguntei, porém, acho que lhe era animador o fato de poder andar pelos caminhos que os netos caminharam, ter a lembrança que elas viveram ali momentos absolutamente livres e felizes

O que ele nos falou sobre o seu relacionamento com Dr. Pedro Ludovico mereceria um depoimento á parte para que ficasse registrada nos anais da história de Goiás e que não caberia aqui neste modesto e simplificado registro. Respeita-o e o admira com sinceridade!

Parece que Dr. Iris consegue se lembrar das palavras que disse há muitos anos para aquele ou aquele outro interlocutor, palavras que ouviu daquele Presidente da República ou daquele modesto prefeito de uma pequena cidade do interior goiano, daquele General que lhe cassou os direitos políticos e ouviu, em resposta, sua voz altaneira que o cargo que ocupava naquela oportunidade lhe possibilitava dizer; seu escudo, diz ele, era a verdade e esta não sobe na garupa dos fugitivos.

Falou das suas campanhas vitoriosas e das suas frustrações, dos companheiros que ele considera que ajudou e daqueles que o abandonaram; não percebo mágoa, muito menos rancor em nenhuma oportunidade, parece que a sua fé inabalável em Deus lhe permite ter a certeza que cumpre uma missão aqui na terra e que esta ainda não está terminada.

Sua fé nos empolga, não pode ser sentida como um saber, mas sim de um engajamento que vai além da razão; sou evangélico, mas antes de tudo acredito em Deus, o Ser Supremo, criador de tudo o que existe, ele é pai de todos, dos evangélicos, católicos, Judeus, Muçulmanos, Espíritas; já tive embates que recebi mais votos dos católicos do que outro candidato católico; sabe por quê? Eu os respeito!

Novos embates eleitorais? É reticente nas respostas, mas é incisivo na afirmação que não abandonará as lides políticas, possivelmente auxiliando, sempre que for solicitado, seus companheiros de luta partidária; não serei um intrometido nas discussões políticas, diz ele com ênfase nas palavras, mas não me fartarei de colocar minha experiência de vida e principalmente da política, à disposição do que entender ser melhor para Goiás e outros políticos acharem que minhas possíveis sugestões poderão contribuir para o aprimoramento das discussões.

Deseja um cargo na atual conjuntura política? Não deseja, porém, não é homem de fugir da luta, dependendo se, realmente, sua presença acrescentar para o desenvolvimento do centro oeste; ele não diz, mas intuímos por nossa conta, que quem já foi Ministro de Estado em duas oportunidades, governador, senador, prefeito, presidente da assembléia legislativa, teve força para indicar, por duas vezes, um goiano para o Ministério da República, não pode, realmente, aceitar um cargo, simplesmente para dizer que foi prestigiado.

O jantar da última noite, como aconteceu nas duas anteriores, foi precedido pela degustação de um saboroso vinho que, com muita honra, escolhi na sua adega; o cardápio tinha como “carro chefe” a carne de porco, magistralmente preparada pela “chefa” Geny, sob orientação e supervisão do gerente e escudeiro Pedro.

Para a ocasião, tomamos um vinho da Alsácia, um riesling branco, bastante encorpado, com sabores de frutas, para contrabalançar a fortaleza da carne; Dr. Iris que, normalmente, não ingere bebida alcoólica, abriu uma exceção e brindamos àquele momento mágico de confraternização, motivada, principalmente, pela amizade que nasceu entre o médico assistente e o ex-paciente (digo “ex” porque hoje o Dr. Iris não apresenta nenhum resquício do problema de saúde que o acometeu no ano passado).

Ficou tarde, não queríamos interromper a discussão, porém, o dia seguinte nos reservava, ainda, muitas surpresas; ao caminhar para nosso quarto, atravessamos um imenso e florido jardim que desejava-nos boa noite; a chuva, que era miúda e fria, havia dado uma trégua, uma estrela perdida na imensidão do firmamento estava como que, dependurada, como se fosse emoldurada para nossa apreciação; havia uma serenidade que eu jamais havia imaginado encontrar

No domingo, após o almoço, fomos conhecer o rio Xingu, distante cerca de trinta quilômetros da sede da fazenda; momento de emoção, pois estivemos no ponto onde é formado o rio, na confluência dos rios Sete de Setembro e Koluene; mais uma vez tive provas do poder carismático do nosso anfitrião, pois, os ribeirinhos que nos atenderam, fizeram festa pela sua presença; não fisgamos nenhum peixe, porém, ficou registrada em nossa câmara fotográfica e nas nossas lembranças, nossa passagem pelo rio tão presente no imaginário do povo do centro oeste do Brasil, particularmente do goiano.

Dia da partida! Como fez todos aqueles dias, Dr. Iris já havia feito sua corrida de seis quilômetros na pista de pouso e já nos aguardava ao redor da mesa do café, com a cortesia que já estávamos acostumados; ele, pessoalmente, já havia lavado as frutas que seriam servidas (melancias, atas, jacas, graviolas, jambos e goiabas), descascados e picados os mamões e já havia distribuído, ele mesmo, em nossos pratos (aqui abro um parêntese para dizer que, neste ritual, estavam incluídos o funcionário Pedro e os dois pilotos do avião).

Voltamos a percorrer, pela última vez, toda a plantação e as invernadas; Pedro era questionado sobre todas as ocorrências, desde aquele garrote visualizado no meio de algumas centenas, que lhe parecia meio emagrecido, até discussões sobre a maneira e a quantidade de implantação dos grãos de soja nos pés ou, a razão daquele lote da plantação estar mais amarelado e, por incrível que possa parecer, questionamento sobre se os porcos receberam comida naquele dia, pois lhe pareceram muito inquietos (não haviam recebido!)

Tive a sua promessa, assim que tiver oportunidade, de gravar uma entrevista para o museu de imagem e som da Academia Goiana de Letras em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, conforme entendimentos que mantive com Presidente daquela instituição, Acadêmico Aidenor Aires, para ficar registrada para a posteridade o depoimento de um dos homens mais importantes da vida política e social de Goiás.

Arrisquei uma pergunta: haveria alguma possibilidade do senhor se aproximar do Marconi? É claro e é até certa ingenuidade de minha parte esperar alguma resposta incisiva a este questionamento, partindo de uma pessoa não política, que é o meu caso; não lhe disse a razão da pergunta, porém, por ter uma expectativa otimista no governo de Marconi Perillo, acho lamentável que dois homens com perfis de realizações tão importantes, devam caminhar separados um do outro. Goiás, nesta fase de crescimento que experimenta, precisa de ambos para o bem do nosso povo.

Trouxe para o meu orquidário da Santa Tereza uma lembrança que me foi ofertada quase que na hora da despedida; algumas funcionárias da fazenda cultivam orquídeas nos alpendres das suas casas, uma delas, a Sra. Geny, com o incentivo do Pedro (que observou meu namoro com as flores) presenteou-me com uma bela espécie que batizei com o nome de “Estrela do Xingu”. Daqui para frente, sempre que a “Estrela do Xingu” florir terei presente as lembranças daqueles dias maravilhosos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO AS 09h00min HORAS DA MANHÃ DO DIA 16 DE OUTUBRO DE 1962?

Pessoalmente posso dizer que eu deveria estar em alguma sala de aulas do Hospital das Clínicas de Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná em Curitiba, com o pensamento voltado para as férias escolares que já se avizinhavam.

Assim como eu, toda a população do Brasil e, quiçá, do mundo todo, nunca poderia imaginar que naquele exato momento o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, chamava o seu irmão Robert Kennedy que, além de ser senador, havia sido nomeado Chefe da Promotoria Publica, para uma reunião em caráter de urgência na Casa Branca.

A razão desta reunião, como depois se ficou sabendo, poderia ter consequências tão graves que seriam capazes de levar à destruição do mundo por uma guerra nuclear; este episódio ficou conhecido como a crise dos mísseis cubanos.

Olhando à distância, sinto que no verdor da minha juventude, não tinha como aquilatar o real perigo que a humanidade estava correndo naqueles conturbados dias (16 a 28 de outubro de 1962); recentemente tive acesso (sebo em Nova York) ao livro escrito por Robert Kennedy e publicado em 1969, após a sua morte: “Thirteen days - A memoir of the Cuban missile crisis - Treze dias, memórias da crise dos mísseis Cubanos”, cuja leitura, tenho o prazer de compartilhar com meus leitores.

Trata-se de um relato substancioso sobre o dia-a-dia daqueles acontecimentos, contado por um dos personagens que foi coadjuvante; peço permissão para tentar resumir os relatos, incluindo, quando achar conveniente, minhas próprias observações, as vividas naquela época e as que acumulei durante este interregno de tempo até os dias atuais, pela leitura de livros e jornais que tive e continuo manuseando.

Não estou certo se poderei transmitir aos leitores, principalmente aos mais jovens, toda a emoção que a nossa geração sentiu durante aqueles tormentosos dias; o clima era de incerteza quanto ao futuro da humanidade, se levarmos em consideração o ambiente de “guerra fria” existente entre os Estados Unidos e a União Soviética naquela época, com as duas potências apresentando capacidade de destruição jamais imaginada, tendo em vista os seus respectivos armazenamentos de arsenais atômicos.

Estes dados tornam-se mais horripilantes quando sabemos que o poder de destruição de uma bomba atômica é calculado em kiloton (um kiloton equivale a 1.000 toneladas de TNT) e uma bomba de hidrogênio é calculada em megatons (um megaton equivale 1.000 kilotons, ou, um milhão de toneladas de TNT) e que os Estados Unidos e a União Soviética possuíam, por esta época, mais de 30.000 bombas nucleares armazenadas em seus respectivos países.

Naquela reunião o Presidente Kennedy informou ao seu irmão Robert que por intermédio de fotografias que foram feitas pelos aviões espiões de reconhecimento, denominados U-2 (capazes de voarem em altas altitudes), a comunidade de inteligência do governo estava convencida de que a Rússia teria colocado mísseis e artefatos atômicos em Cuba; duas horas depois, agora com a presença do alto escalão do governo, a CIA (Agência Central de Inteligência) fez uma formal apresentação do que estava ocorrendo, mostrando as fotografias das bases de mísseis, construídas na região de San Cristobal, na ilha de Cuba.

Como não poderia deixar de ser, o clima foi de enorme surpresa, pois, ninguém naquela sala, como diz Robert, seria capaz de imaginar que os russos seriam capazes de colocar mísseis de superfície em Cuba, ainda mais que ele, Robert, havia se encontrado algumas semanas antes com o embaixador soviético Anatoly Dobrynin que, por sinal, havia marcado o encontro para dizer aos americanos que a Rússia estava preparada para assinar um tratado de banimento de testes atômicos na atmosfera, se os Estados Unidos concordassem em um acordo para testes subterrâneos.

Naquele mesmo encontro, segundo ainda Robert, foi dito ao embaixador soviético que os Estados Unidos estavam insatisfeitos com o continuo envio de equipamentos militares soviéticos para Cuba e este lhe deu garantia, em nome do primeiro ministro Nikita Khrushchev, de que não havia mísseis terra-terra ou qualquer outro equipamento ofensivo em Cuba e que as construções militares que estavam sendo construídas, não tinham nenhuma significância, pois eram somente para defesa da própria Ilha e que Khrushchev não faria nenhum movimento para complicar a relação entre os dois países neste período que antecede as eleições legislativas americanas, pois, ele não desejava complicações políticas para o Presidente Kennedy.

Uma semana depois deste encontro, dia 11 de setembro, Moscou negou publicamente qualquer intenção de enviar mísseis, principalmente com cargas nucleares, para qualquer país fora da União Soviética, incluindo Cuba; logo em seguida, um importante personagem da Embaixada Soviética, retornando de Moscou, entregou ao Presidente Kennedy, por intermédio de Robert Kennedy, uma mensagem pessoal de Khrushchev afirmando que, sob nenhuma circunstância, serão enviados mísseis terra-terra para Cuba.

Era tudo mentira; os Russos, como provavam as fotografias, estavam colocando mísseis em Cuba e começavam a construção de plataformas de lançamentos enquanto, publicamente, davam garantias de que não estavam fazendo.

Na próxima semana iremos procurar entender como o serviço de inteligência dos Estados Unidos foi ludibriado pelos russos. .