MINHAS CRÔNICAS

quinta-feira, 22 de abril de 2010

NÃO QUERO GUERREAR, QUERO É CHORAR!


No período compreendido entre os anos de 1950 e 1953 o mundo esteve muito perto da terceira guerra mundial; foi o momento de maior tensão na chamada guerra fria entre o ocidente e o oriente; muitos historiadores consideram-na superior àquela ocorrida com a crise dos mísseis cubanos em 1962.
As nações mais poderosas do mundo se envolveram na península Coreana, na maior guerra convencional de que se tem noticia; as forças militares da China comunista e da Rússia de um lado e os Estados Unidos com seus aliados ocidentais, incluindo ai tropas das Nações Unidas do outro, encontraram-se em um combate de enormes proporções.
As causas desta guerra podem ser resumidas em dois tópicos: controle político da Coréia e demonstração de poderio na Ásia Oriental e, por extensão, no mundo; os comunistas, após a II guerra mundial ficaram com o controle da Coréia do Norte e a facção direitista (capitalista) da população controlou a Coréia do Sul e os dois lados passaram a desejar a reunificação de toda a península, porém, cada uma das facções desejando fazê-lo sob sua hegemonia.
Em junho de 1950 a Coréia do Norte invadiu a Coréia do Sul, ato este apoiado por Josef Stalin, desejoso de expandir o poder global da União Soviética, promovendo o comunismo em regiões que ele considerava importantes para sua segurança e a Coréia era uma delas.
Os Estados Unidos reagiram perante esta invasão por considerá-la uma ameaça à sua influência na Ásia e, também, por imaginarem que se não reagissem, poderia encorajar a União Soviética a empreender outras aventuras semelhantes em outras partes do mundo.
A Coréia do Norte invadiu o Sul, em um espetacular assalto; imediatamente o General Mac Arthur, comandante das tropas americanas, expulsou-os da Coréia do Sul; este episódio, ao invés de fazer terminar os combates, levou a uma perigosa escalada da guerra, fazendo com que os Estados Unidos, temendo que o conflito desaguasse na III guerra mundial, abandonasse sua meta de vitória total e decidisse, no final de dezembro de 1950, por uma guerra limitada e foi o que aconteceu no período compreendido entre 1951 a 1953.
Ao lado da continuidade das batalhas, iniciaram-se as negociações que evoluíram com muita dificuldade, pela intransigência de ambas as partes em aceitar as demandas colocadas sobre a mesa de negociações, como a localização da linha de cessar fogo e discussões a respeito dos prisioneiros de guerra.
Finalmente, em 27 de julho de 1953 foi concluído o armistício, tendo em vista que tanto a economia da Coréia do Norte como a da China estavam exauridas, os Estados Unidos estavam ameaçando aumentar a escalada de guerra e, também, Stalin havia morrido.
Embora o armistício fosse o desiderato almejado pelos Estados Unidos e pelas forças das Nações Unidas desde o inicio dos conflitos, o mesmo não foi bem aceito pela população Sul Coreana, principalmente pelo seu presidente S.Rhee que se opôs visceralmente ao término do conflito enquanto não houvesse a unificação das duas Coréias.
Para mostrar sua contrariedade de maneira muito clara Rhee, em ato unilateral, libertou 25.000 soldados norte-coreanos que estavam prisioneiros, provocando surpresa e grande contrariedade ao Presidente Eisenhower, levando a urgentes negociações entre Rhee
e o comandante das forças americanas e das Nações Unidas, o General Clark.
O preço a ser pago para esta intransigência era muito alto: para o lado dos comunistas calcula-se em 600.000 o numero de soldados mortos e mais de um milhão de feridos além de dois milhões de civis mortos ou feridos; os sul-coreanos perderam 70.000 soldados e 150.000 feridos, alem de um milhão de mortos e feridos na população civil; 36.000 soldados americanos foram mortos e 103.000 feridos.
Embora, aparentemente, toda a população da Coréia do Sul apoiasse o ponto de vista do seu presidente, a verdade é que o país estava exaurido nas suas forças; o bom senso levou-o o aceitar os fundamentos do armistício, desde que os Estados Unidos lhe garantissem segurança com um tratado de defesa mútua, substancial ajuda econômica para recuperar as finanças da nação, ajuda para reforçar suas forças armadas e, alem disto, o 8º. Exército americano deveria permanecer no território da Coréia do Sul, como garantia de não haver novas agressões por parte dos comunistas.
Na verdade, o armistício que previa que o paralelo 38 deveria ser a linha demarcatória entre as duas Coréias, não levou esta premissa em consideração durante as negociações, tendo a Coréia do Norte sido obrigada a aceitar como linha divisória o local onde houve o ultimo contato entre as partes, situado bem acima do citado paralelo.
A Coréia do Sul saiu da guerra com boa estrutura das suas forças armadas, porém, politicamente instável e somente a partir de 1960 começou a melhorar sua situação econômica e política.
A Coréia do Norte continuou a ser uma nação forte quanto ao seu poderio militar, porém, politicamente é uma rígida ditadura comunista e, economicamente falando, não se pode compará-la com o Sul
Hoje a Coréia do Sul é uma potência econômica, não somente na Ásia, mas no mundo; no próximo capítulo discutiremos sobre estes fatos e as implicações políticas e emocionais ocasionadas por esta divisão e, principalmente, a explicação para o título deste texto.





Freud é aceito como catedrático da Universidade de Viena - V

O intervalo compreendido entre os anos de 1897 e 1900 foram muito difíceis para o Império Austro-Húngaro devido, principalmente, ao grande problema das múltiplas nacionalidades dentro do seu território e daí, como consequência das discussões étnicas, surgiram conflitos sobre a definição do idioma oficial de cada um destes grupos, paralisando completamente o governo.O Parlamento era obstruído ora pelos parlamentares alemães ora pelos tchecos, impossibilitando, por isto, a formação de Ministérios; a Monarquia que, a partir de 1867, havia abandonado o regime absolutista e iniciado a era constitucional, com a instituição do Ministério dos Cidadãos, se viu obrigada a suspender, em 1900, esta maneira de governar e instituiu o chamado Ministério dos Burocratass.Entregou a incumbência da formação deste novo Ministério a um homem considerado competente e imaginativo, Ernest Koerber, que passou a governar o Império por meio de decretos enquanto procurava uma solução para o imbróglio político.Verificou que duas vertentes da vida austríaca poderiam, pela repercussão das suas ações e pelos interesses comuns de todos os cidadãos do Império, alcançar seu desiderato de acalmar a vida política: a área econômica e a cultural.Verificou, também, que culturalmente era importante o Estado apoiar a corrente do “modernismo” que já emitia sinais de presença no interior da fronteira austríaca, onde os grupos nacionalistas estavam desenvolvendo artes étnicas separadas; os modernistas, no entanto, tomavam caminho oposto, abrindo o trânsito na Áustria para as correntes universalistas do pensamento europeu.Ao lado desta problemática, que palidamente desenhamos havia, ainda, nos albores do século XX, pairando no horizonte, uma nuvem de preocupação quanto ao problema de hostilidades entre as nações que poderiam desembocar em novo conflito armado.Foi, provavelmente, pensando nisto que o czar Nicolau II da Rússia provocou a segunda reunião da Convenção de Haia na Holanda (1899), quando se procurou estabelecer algumas regras básicas para as guerras e catalogava alguns crimes de guerra.Por esta época (1897), uma das grandes frustrações de Freud foi a não aceitação, por parte do Ministério da Cultura, da indicação feita pelo corpo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, para ele ocupar uma cátedra.Em 1901 Freud convenceu seus “padrinhos” universitários a reabrirem o processo e, só agora, ele descobriu que precisaria da ajuda de alguém com acesso ao Ministro; procurou uma protetora e sua cliente, a Baronesa Marie Ferstel, esposa de um diplomata; esta prometeu ao Ministro a doação de uma valiosa pintura para a “Galeria de Arte”!Em março de 1902, conta Freud, a Baronesa entra no seu consultório com a carta do Ministro, dando-lhe a boa nova: – Freud foi, finalmente, nomeado catedrático da Universidade de Viena!A partir da eleição de Lueger, antissemita confesso, para a prefeitura de Viena (1895) Freud passou a viver isolado da sociedade, além de estar profissionalmente frustrado, ocupando-se, quase que tão somente, da elaboração da sua obra que marcaria época: A Interpretação dos Sonhos, pois entendia aquela recusa do governo em nomeá-lo para a cátedra, ao fato de ser judeu.Provavelmente, ele tinha alguma razão, porém não podemos ser tão reducionista para aceitar, como única razão para suas dificuldades, o problema racial; havia, desde 1890, um início de confrontação de classes dentro do Império e o que era antes uma luta de ideias entre liberais versus conservadores, passou a ter a participação de estratos sociais das classes inferiores que geravam forças para contestar o poder das elites mais antigas.Da classe operária surgiu o socialismo, da classe média o nacionalismo e o socialismo cristão virulento nas refregas sociais. A eleição de Lueger foi um golpe, não somente contra os judeus, mas também contra a classe cultural liberal que não aceitava a tutela das ideias.Para corroborar esta nossa afirmativa, invoco o historiador Carl Schorske (Viena fin-de-Siecle, Cia. das Letras, 1989): “Nos anos de 1895 a 1900, quando Freud, socialmente retirado e profissionalmente frustrado, trabalhava na sua Interpretação dos Sonhos, obra que marcou sua época, Gustav Klimt estava engajado como explorador artístico num empreendimento muito diferente; Klimt liderava um grupo de artistas heréticos.No entanto, ambos tinham muito em comum; colocaram uma crise pessoal de meia idade a serviço de uma reorientação radical do seu trabalho profissional, ambos soltaram as amarras biológicas e anatômicas dos campos que escolheram – a psicologia e a arte. Quando apresentaram ao público os resultados de suas explorações, encontraram, em graus variados, a resistência de dois setores: a ortodoxia acadêmica liberal-racionalista e os antissemitas. Ambos se retiraram da vida pública, abrigando-se no círculo dos que lhe eram fiéis, para preservar o novo terreno que tinham conquistado.” Klimt foi um dos mais famosos pintores simbolistas austríacos; em 1897 fundou e presidiu o movimento por ele denominado Secessão, equivalente à art nouveau, ou rejeição das certezas do século XX, tendo como lema: “À época sua arte, à arte sua liberdade.”Esta rebeldia teria um preço! Quando Klimt foi escolhido para a cátedra na Academia de Belas Artes, o Ministério, contra todas as expectativas, não confirmou a indicação.Depois de sua morte, uma de suas pinturas, Adele Bloch-Bauer I, foi comprada por uma galeria de Nova York, por 135 milhões de dólares.Gustav Klimt não era Judeu!No próximo capítulo, discutiremos a Interpretação dos Sonhos.

terça-feira, 20 de abril de 2010

DUAS CRIANÇAS NA CHUVA


Ontem, ao caminhar pelo Setor Universitário em Goiânia, com algumas das suas ruas mal cuidadas, emolduradas por residências simples e de acabamento pobre, divisei duas garotas de mãos dadas. Chovia mansamente e a água escorria rua abaixo com velocidade, porém, com maciez proporcionada pelo asfalto liso, quase sem atrito. Conversavam animadamente, provavelmente não sobre as agruras da vida e as dificuldades existenciais enfrentadas pelas suas famílias; conversavam, tenho certeza, sobre as mesmas coisas que as crianças desta idade conversam: bonecas e outras ilusões.
Aparentavam cinco e sete anos de idade, respectivamente; os seus cabelos, caídos sobre as costas, eram lisos e compridos, porém, permitiam que um vento suave, quase que uma brisa, brincasse com os mesmos.
A água da chuva, molhando suas vestes e os seus rostos, dava-lhes uma aparência de frescor, exaltando as suas figuras de inocência e, como se fora um passe de mágica, um raio de sol atravessava a tênue cortina de água e iluminava seus rostos radiosos.
Os pés estavam descalçados, como convinha para aquela situação e a água batia de encontro aos mesmos, fazendo miniaturas de cataratas; pelos seus olhares consegui auscultar a sensação agradável que isto lhes proporcionava.
Nestas horas, o pensamento de uma criança realiza os sonhos inatingíveis pela realidade do cotidiano; consegue deslumbrar um mundo que não é apercebido pelos adultos, soltam-se barcos pela correnteza e embarca-se no calmeiro das ilusões, rumo ao desconhecido.
Ninguém para interferir, tentando mudar o rumo da embarcação!
A mais velha (velha?) usava um vestido vermelho, com comprimento abaixo dos joelhos, adornado por uma gola branca, toda rendada. Um par de brincos argolados enfeitava aquele seu rosto suave.
A outra estava vestida com maior modéstia (seria possível?), exibia uma fita disposta como tiara, realçando a tez lisa e bonita.
De vez em quando as duas agachavam, dando a impressão que procuravam alguma coisa perdida; seguramente analisavam o mundo imperceptível aos demais mortais, sempre insensíveis às pequenas nuanças da natureza: uma formiga, por exemplo, que lutava, agarrada a uma folha para sobreviver àquele "dilúvio", sendo jogada pela correnteza rumo ao desconhecido. Pode ser, também, que tenham visto uma fenda no asfalto por onde a água penetrava, levando consigo tudo o que podia carregar e o que cabia naquele buraco.
A formiga agarrada na folha, balançando e trombando com as reentrâncias do caminho, tinha alguma esperança de chegar a um destino, provavelmente escapar da corredeira com vida e reiniciar o ciclo biológico em outras plagas, longe do ponto de origem. Aquelas que foram levadas para o interior da fenda do asfalto, figuram na lista dos caminhantes das estradas sem volta.
Tive que seguir meu caminho, a necessidade de conviver com o tempo disponível, impõe-nos uma rotina, a que nos submetemos com disciplina, até sem percebermos. Deu-me vontade de libertar das amarras que me prendem á idade adulta e segurar nas mãos daquelas duas crianças e trocar opiniões sobre a necessidade da chuva, do buraco e da corredeira engolfar a formiga nos seus tentáculos e carregá-la, rumo ao desconhecido, contra a sua vontade.
Elas, provavelmente, não me dariam uma explicação lógica (nossa lógica nunca é a lógica delas), mas me informariam no seu linguajar simples e direto:

Existe tudo isto porque, se não houver chuva, não haverá flores e, sem flores, não haverá a alegria da vida das formigas!

Se eu não conseguisse entender, entreolhariam e despediriam com um sorriso de desapontamento e, lá na frente, ainda de mãos dadas, olhariam para trás e os seus olhares denotariam que sentiam, mais uma vez, muita pena dos adultos.





quinta-feira, 1 de abril de 2010

O amor na idade madura

Fazia muitos anos que não me encontrava com John Harrison; a última vez aconteceu, provavelmente, há cerca de oito anos na cidade de Boston, por ocasião do congresso americano de coloproctologia.
Pareceu-me, ao revê-lo agora em Seul, na Coréia, um pouco mais envelhecido, porém, com a simpatia de sempre. Conversamos, durante o intervalo de uma sessão cientifica, por um longo período de tempo; inicialmente discutimos os avanços da cirurgia laparoscópica desenvolvida pelos cirurgiões coreanos, principalmente com o uso de robôs; falei-lhe sobre minha vida profissional, sobre minha família e principalmente sobre meus netos; ele, ao lado de, também, tecer comentários semelhantes, contou-me uma história inusitada a respeito de sua mãe.
Você não vai acreditar, disse-me ele, minha mãe, quando completou 80 anos, apos 15 anos de viuvez, ficou apaixonada por um homem que ela conheceu no Centro de Assistência ao Idoso, mantido pelo seguro social do governo.
À primeira vista pode parecer muito interessante, porém, existia um
problema que não permitia que nós, da família, achássemos o acontecimento maravilhoso: uma senhora com bastante idade, no caso minha mãe, e seu novo amigo (nem sei se posso dizer novo namorado), dois adultos idosos, tentando conduzir um complicado romance em uma situação em que ambos apresentavam alguma limitação motora; ela usava um “andador” e ele caminhava com alguma dificuldade com o uso de uma bengala.
Conflitando com estas limitações, suas mentes eram muito saudáveis e seus sentimentos estavam à flor da pele.
Minha mãe estava feliz; ela telefonava para dizer-me que ele era uma criatura maravilhosa, porém, de vez em quando havia alguma tempestade no relacionamento: “você não acredita o que ele fez comigo; atrasei-me um pouco para o jantar e, ao invés de me esperar, como normalmente ele faz, sentou-se em uma mesa com três outras mulheres e quando cheguei não havia mais lugar para mim”.
Eu vou terminar com ele, disse-me ela, sei que mereço muito mais que isto; consegui acalmá-la e, de repente, ela deu uma boa risada e disse: “estou me portando como uma jovem estudante!”
Eles, pelo que eu entendia, divertiam-se na companhia um do outro, jogavam bridge, ouviam música, conversavam sobre suas vidas e suas famílias, estavam felizes.
Um dia, quando a saúde de minha mãe começou apresentar alguns sinais de enfraquecimento (acentuou sua paralisia e, também, diminuiu sua visão) o relacionamento entre os dois começou a deteriorar e seu namorado telefonou-me para dizer que não estava conseguindo manejar esta situação, pois havia sempre a lembrança da sua falecida esposa e nunca havia esquecido da sua dor e sua morte e tinha medo que tudo se repetisse.
Disse-lhe que sentia muito a situação e não estava preparado e nem sabia como ajudá-lo, porém, alguns dias após, recebi nova ligação, agora de parte de minha mãe, quando me leu um poema que fez para ele.

Quando ouço sua voz, sinto o influxo da sua presença
Quando toco suas mãos, sinto a sua presença
Não deixe que o silêncio se interponha
Deixe, ao menos, que eu sinta a falta do seu carinho.

É estranha a vida; nós, os brasileiros, que começamos, tal como o que ocorre com os norte-americanos, a viver uma nova realidade (a mudança de expectativa para uma vida mais longa) precisamos estar alertas para esta nova possibilidade e procurar entender, semelhantemente ao que meu amigo Harrison está fazendo, esta nova realidade.
O idoso pode voltar a amar, porém, a maturidade leva-o a entender que o amor entre pessoas que já enfrentaram tormentas, prazeres e ilusões durante sua vida anterior a este novo acontecimento, não será semelhante ao amor da juventude; será quase que um companheirismo.
Cabe repetir o que já foi dito: “Os jovens andam aos bandos, o idoso anda sozinho!”