MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Batistão caça onça com zagaia no Tocantins. Será?

Esta história teria que ser, como foi, protagonizada pelo Batistão; o ambiente onde ocorreu o encontro é o mesmo que muitos dos meus leitores já conhecem: peonada reunida ao redor da churrasqueira depois de mais um dia de labuta na Fazenda Santo Antonio em Edéia.

Sem mais nem menos o Leãozinho trouxe para a roda de discussão a figura do preto tio Zaroio que vive ou, pelo menos vivia, lá pras bandas das serras do Monte do Carmo no estado do Tocantins, em local um pouco afastado da Fazenda São Pedro, porém, com a mesma topografia da região: cerrado, intercalado com algumas terras de cultura, alguma planície e bastantes serras que formam gargantas estreitas, deixando-se ver, lá no fundo, como se fora precipícios, vales formados pelas erosões das águas que se acumularam no cume e desceram morro abaixo, com força de enxurradas.

Zaroio, como diz o Leãozinho, vivia praticamente sozinho em uma casa rústica localizada na beira do ribeirão Piabanha que banha com suas águas movimentadas e bastante caudalosas, várias propriedades da região, inclusive a nossa fazenda; a bem da verdade, ele nem sempre viveu sozinho, pois tinha como companhia sua esposa que merecerá ir para o céu quando desencarnar (palavras textuais do narrador), tendo em vista o péssimo costume do tio Zaroio de viver, seca e verde, na cachaça.

Antes de o Leãozinho terminar de descrever o personagem, Batistão entrou na conversa, na tentativa de defender, segundo penso, o “amigo de tertúlias”:

- Acho que há um pouco de exagero nesta prosaria, se eu fosse ele, eu também estaria desafogando na “branquinha” as magoas de viver com uma jararaca como aquela mulher, muié brava e feia, não tem a mínima paciência, verdadeiro nojo de gente; qualquer perda de controle ela já abre a matraca e não para de falar; nem as pílulas de vida do Dr. Ross conseguem curar a azia que ela provoca.

Na verdade, a intenção desta minha narrativa não é a de “esculachar” a mulher do tio Zaroio, mas sim contar-lhes mais uma das encrencas vividas pelo meu amigo Batistão, portanto, deixemos que ele nos conte.

- O tio Zaroio pode ser tudo isto que o Leãozinho está dizendo, porém, posso garantir que ele é homem muito valente, para não dizer aguerrido, falo isto porque já presenciei uma caçada de onça que ele fez, “anliás” nós dois fizemos, que é de tirar o fôlego de qualquer valentão.

Tudo começou quando nós dois estávamos sentados na beira do Piabanha, dando “banho na minhoca” e jogando conversa fora e, nos intervalos da falta de peixe, experimentávamos uma pinguinha “para ti” temperada no açafrão, invenção do tio Zaroio; era o inicio do escurecer e a lua já despontava atrás da serra, quando um tal Coronel Osvaldinho apareceu e puxou prosa.

Tio Zaroio, disse ele, hoje é o dia de você pegar aquela onça que lhe falei “trosdia”; não faz muito tempo, pois vi sangue fresco no rastro, ela pegou um bezerro lá em casa e acompanhei a batida do capim e sei que ela se escondeu naquela caverna do boqueirão; de imediato observei que os zóios do tio zaroio ficaram estatelados igual ao da coruja.

Batistão, você vai comigo? Disse-me ele, já se levantando de um pulo e caminhando no rumo da sua casa; não tive nem tempo de pensar, de repente já estava ajudando-o a arranjar os apetrechos da caçada, na verdade fazia isto sem entender direito qual seria a sua intenção, pois, em hora nenhuma ele fez menção em pegar a espingarda.

Muié, gritou ele, onde você guardou o facão Jacaré? Ajunta os cachorros onceiros, prende a mariposa, pois, cachorra fêmea está proibida de ir comigo nesta empreitada; Batistão me ajude a amarrar a faca na ponta deste pau; dê duas voltas na embira para a zagaia ficar bem firme na hora da precisão.

Batistão, sua função é segurar a lanterna e mirar para o olho da bichana na hora que ela ficar acuada e, quando a bicha saltar pra riba de nóis dois, foca a luz bem na barriga dela para eu poder chuchar a zagaia no vão das duas patas dianteiras e acertar o alvo do coração. Para dizer a verdade, até àquela hora eu não sabia que tomaria parte naquela empreitada. (aqui, para que os leitores entendam o significado destas últimas palavras do Batistão, preciso informar que nunca vi pessoa mais medrosa na minha vida, de mula sem cabeça a sapo, tudo descontrola os nervos do meu amigo Batistão).

Não tive muito tempo para decidir, continua na sua narrativa o Batistão, de repente já estava na boca da caverna recebendo as ultimas instruções do tio Zaroio: - Você fica nas minhas costas, encosta a lanterna no meu ombro e só acende quando eu mandar, ou melhor, quando eu der uma piscada para você; - não tive nem tempo de pensar com a minha pensa – piscá para que lado, se está escuro e o homem é zaroio!

Antes que acontecesse uma desgraça tive o tirocínio de sair correndo e gritando: - Tio Zaroio, não sou biruta amalucado, você pode arranjar outro companheiro, se depender de mim, esta onça vai comer todo o gado desse tal de Coronel Osvaldinho!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

VOLTA AO PASSADO


Se você quiser voltar ao passado, faça-o com cuidado.


A marcha do tempo é irrecorrível; aquela imagem guardada na sua retina pode ter sofrido deformação!...

“Entre o sonho e a realidade”

H. Moreira.





Existe uma lenda, cultivada pelos habitantes de uma pequena aldeia de nome Saanemoser, situada nos Alpes suíços, nas imediações da cidade de Berna, cujos dizeres são o seguinte:

“Se alguém cospe no rio, quem sabe, talvez a saliva desça através de vários outros cursos d’água até o rio Reno e daí até o mar do Norte”.

Bem em frente da nossa casa, a outrora tão conhecida pensão Santo Antônio, passava um pequeno ribeirão onde, junto com meu irmão Henio, eu pescava, nadava, lavava o rosto de manhã cedo e minha mãe lavava nossas roupas.

Nosso cuspe para onde poderia ir?

Analisando o inconsciente dos suíços pode-se subentender que o desejo manifestado na lenda encobre uma incessante procura dos antepassados.

No meu caso, a viagem seria bem menor; provavelmente a saliva iria até o rio Muzambo e ancoraria nas suas barrancas, muito provavelmente em uma das suas lagoas, nas imediações do povoado de Harmonia, local onde nasceu meu pai e onde viviam meus avós.

Creio ser preciso, no meu caso, rediscutir a afirmativa de Jung de que os avós, por especial atavismo, podem exercer mais ascendência sobre os netos do que o pai e a mãe”; tive pouco ou quase nenhum relacionamento com minha avó Dita (meu avô eu não conheci).

Apesar da proximidade com Gaspar Lopes, cerca de 10 quilômetros, guardo poucas recordações de Harmonia; das minhas lembranças sobressai, altaneiramente, a ponte de ferro, hoje sob as águas da represa de Furnas e que foi construída para dar passagem à estrada de ferro Rede Mineira de Viação na sua viagem rumo às estações de Areado, Movimento, Engenheiro Trompowsky e Monte Belo.

Uma das poucas imagens que tenho gravada da minha avó Benedita ou “Vó Dita” pode representar algum simbolismo: vejo-a sentada em um tamborete na frente da sua casa de adobe, fumando um cachimbo de barro; sua pele era morena escura, rosto quase quadrado, salientando o músculo zigomático, voz baixa, quase que evitando sair entre os lábios grossos e sem delicadeza.

A expressão do rosto, dominado pela tristeza dos seus olhos, não transmitia vivacidade, cabelos escorridos e com a textura grossa, denunciando a possível origem cafuza.

Não sei se é verdade, meu pai dizia que ela nascera no estado do Rio de Janeiro, era, portanto, segundo ele, “carioca”.

Até quando consegui descobrir, parece que os pais dela vieram de Portugal, região de “Trás os Montes”; como ela foi aportar, sozinha, em Harmonia, só Deus sabe.

De todos os meus tios, irmãos do meu pai, o mais ligado a nós era o tio Zé Francisco, possuidor de um pequeno sitio nas imediações da estação de Harmonia, local onde existia, segundo me disse um dia, o Hildebrando, telegrafista da estação, a maior reta de toda a Rede Mineira de Viação.

Tio Zé casou-se várias vezes, sempre devido ao falecimento das seguidas esposas.

Quase perto do final da sua existência, visitei-o em sua casa em Alfenas; continuava a mesma figura alegre e comunicativa, apesar de contar, naquela época, com mais de 95 anos de idade.

“Como estão seus filhos, tio Zé?

“Morreram muitos; fulano, por exemplo, morreu de velho!”

Meu pai, Antonio Moreira, mais conhecido como Nico guarda-chaves, possuía muitos traços fisionômicos do tio Zé Francisco: rosto de pele encardida, não só pela exagerada exposição ao sol, como principalmente pelo DNA da minha avó Benedita; cabelos um pouco encaracolados, penteados para trás, deixando antever uma pequena “entrada” para uma possível calvície que, de resto, nunca aconteceu.

Seus olhos eram vivos e acompanhavam as expressões da face quando conversava; rosto liso, sem barba ou bigode. Fechava, paradoxalmente, um pouco os olhos para tentar enxergar algum objeto mais diminuto.

Contava-nos, com ar de galhofa, que certa vez estava sentado na plataforma da estação de Gaspar Lopes “lendo” um jornal, para impressionar um amigo; por não saber ler, não observou que o mesmo estava de “cabeça para baixo”. Ao ser questionado pelo citado amigo para aquela situação, respondeu, sem perder a pose:

“Já li, agora estou dislendo!”

Outro dia, revendo uma antiga fotografia da minha primeira comunhão, feita na frente da igreja de Gaspar Lopes, reconheci alguns amigos de infância (Alirio, José Victor, João Batista, dentre outros); senti muita saudade. Lembrei-me, como se fora uma associação de idéias, do leiloeiro das festas da igreja, gritando até a rouquidão:

- Quanto me dão por este cartucho?

Vamos ajudar a igreja do padre Albertino.

Quem dá mais?

Vamos agora leiloar este molho de canas de açúcar para a meninada. Quanto nos oferece o Mário Moreira, o rei de Gaspar Lopes?

Não me peçam para declinar o nome deste homem, que apesar do seu pouco aculturamento, conseguia contagiar a todos, sabia respeitar a maior cultura da minha mãe, deixando-a orientar-nos no caminho da educação.

Sinto orgulho de ser filho do Nico guarda-chaves de Gaspar Lopes!



terça-feira, 12 de julho de 2011

WOLFGANG AMADEUS MOZART E A MAÇONARIA

O crítico musical Arthur Nestrovski no seu livro “Notas musicais, do barroco ao jazz, 2.000”, diz, textualmente, ao se referir a Mozart: “Se a memória fosse uma musa mais generosa, cada um de nós lembraria quando ouviu a sinfonia no. 40 pela primeira vez”; acho que Nestrovski poderia repetir a mesma citação para qualquer uma das obras do compositor.

Felizmente, ao abanar as cinzas, a memória me socorre; a data não me lembro (anos de 1980), porém, o local foi Salzburgo (Austria), durante o festival que a cidade realiza anualmente, desde 1920, em homenagem a Wolfgang Amadeus Mozart que ali nasceu; dentre todas as programações daquele ano (concertos, sonatas, óperas, música de câmara, corais) havia uma especial que Marilia e eu não poderíamos perder: a apresentação da ópera “A Flauta Mágica”, pelo simbolismo que esta obra já representava, naquela época, para minhas movimentações no mundo da Arte Real.

Salzburgo é considerada, por muitos, uma das cidades mais bonitas da Europa; incrustada nos Alpes, localizada perto da fronteira com a Alemanha, dá-nos a impressão de estar espremida no meio de um vale; é cortada ao meio pelo rio Salzach que é alimentado pelas águas das geleiras das montanhas que rodeiam a cidade.

Visão contínua de igrejas, palácios e residências seculares, embelezados por jardins em quase todos os cantos; respira-se poesia no ar, a movimentação extraordinária de gente nas ruas provoca-nos a sensação agradável de podermos estar ali, caminhando pelas mesmas alamedas que Mozart caminhou no século 18.

Antes de falar sobre a “A Flauta Mágica” preciso esclarecer aos meus leitores que Mozart era maçom e esta obra ele compôs em homenagem à Ordem, instituição a que ele era muito ligado, tendo tido, inclusive, a honra de iniciar seu pai.

Um poeta e ator teatral de nome Schinkaneder, também pertencente à maçonaria, autor de um livreto de nome “Die Zauberflote – A Flauta mágica” solicitou a Mozart que musicasse o seu enredo, advindo desta parceria uma das mais belas páginas musicais da humanidade.

É preciso se ter em conta o fato de esta obra ter sido trazida ao público em época de grande dificuldade de relacionamento da maçonaria com os governos absolutistas da época, especialmente na Europa Central depois da revolução Francesa de 1789, pois havia o entendimento, por parte das Monarquias então imperantes, de que a Ordem havia tido grande influência na eclosão daquela efeméride; estes fatos deixam evidentes a coragem de Mozart e, sobretudo, sua convicção quanto aos ideais do movimento filosófico que abraçara.

Sentamos em uma das primeiras filas do auditório do “Salzburger Marionetten Theater – Teatro de marionetes de Salzburgo” a música, que estava a cargo da orquestra sinfônica de Viena, conseguia dar vida aos personagens, levando-nos a abstração da ausência de seres humanos como intérpretes dos papéis, substituídos que foram por bonecos; alguém já disse que a música de Mozart, que já virou adjetivo (Mozartiana) é o passaporte para a vida, ao ouví-la, digo eu, não conseguimos expressar com palavras o que sentimos; posso afiançar que o sentimento de alegria deve fazer parte de qualquer tentativa de verbalização.

O tema central desta ópera é o amor à humanidade, simbolicamente representada pelo personagem iluminista “Sarastro” e que tem como inimigo a representante da intolerância e do obscurantismo, a “Rainha da Noite” (alguns veem nesta figura a pessoa de Maria Tereza, mãe de Leopold II, que banira a Ordem Maçônica dos territórios sob seu domínio).

A peça, em síntese, prega uma rebelião contra os maus costumes, além de expectativa de consolação e esperança para os que sofrem nas mãos dos déspotas; é a eterna luta entre a luz e a escuridão, o amor e o ódio, é a tentativa secular do homem perfeito de cavar masmorras ao vício e construir catedrais à virtude.

É uma peça capaz de encantar a criança e o adulto; sempre que a ouço e faço isto com frequência (pode ser encontrada em DVD nas casas especializadas) sinto ter encontrado, novamente, encantamento nesta peça; o genial Goethe, logo após assistir a sua encenação, escreveu “A maioria dos expectadores irá gostar, os iniciados na ordem maçônica, como eu, irão entender perfeitamente o simbolismo que encerra esta peça, que representa tudo o que Mozart sentia pela Ordem”.

No último quadro do último ato Sarastro, envolvido por uma luz esplendorosa, vê a desaparição da noite e o retorno da luz; o cenário muda e todo o teatro aparece iluminado pela luz do sol; contraste cênico comumente observado nas lojas maçônicas, aliás, igual ao que foi feito na cerimônia fúnebre em honra a Voltaire em 1778.

A orquestra se acalma, Sarastro anuncia sua vitória recitando solenemente: “Os raios do sol extinguiram a noite e eliminaram o poder dos hipócritas”. Allegro final, entendido como o triunfo das três virtudes que são os pilares do templo maçônico: Força, Beleza e Sabedoria.

Meu irmão, o músico Luiz Lopes Filho é cognominado por muitos que o conhecem como um “Mestre de Harmonia” e por ser grande conhecedor da obra de Mozart, sempre o procuro na busca de ensinamentos; disse-me ele que esta ópera inicia e termina em mi sustenido maior, isto é, um semitom acima do natural, simbolizando o candidato a membro da maçonaria batendo três vezes à porta do templo, diz ainda o Luiz que os instrumentos de sopro feitos de madeira, típicos da maçonaria, são encobertos pelo timbre dos tambores, com batidas que emitem sons enarmônicos e com intensidade dramática, idêntica a usada por Mozart em “Don Giovanni”.

Nove semanas após a estréia da “Flauta Mágica” em Viena, Mozart morreu nas primeiras horas do dia 5 de dezembro de 1791, com apenas 36 anos de idade, quase que na miséria.



quarta-feira, 6 de julho de 2011

RIO ARAGUAIA (Mata Corá). Acampamento da família Costa Campos

Estive, semana passada, mais uma vez no rio Araguaia, mais precisamente no acampamento dos meus amigos de há muitos anos, a querida família Costa Campos; estavam presentes os três irmãos: Olay, Omary e João Minhoca, com as respectivas esposas, filhos e alguns netos, Joãozinho Teixeira e Damaris na companhia de filhos e netos, além do Dutinho (cunhado do João Minhoca).

Na viagem entre Goiânia e Aruanã repetimos a mesma rotina de sempre: parada na lanchonete “Porta aberta” em Itauçu, onde discutimos com algum desconhecido para saber noticias dos peixes e, principalmente, se alguém pegou alguma coisa e em que altura do rio; embora saibamos que quase tudo é mentira de pescador, gostamos de ser iludidos, pois, na volta contaremos as mesmas coisas para outros “inocentes”.

Em Aruanã, embora tenha havido progresso na sua estrutura urbana (quase todas as ruas estão asfaltadas), o porto esteja com melhor organização, as moças que embarcam nas canoas estão exibindo mais suas silhuetas e, principalmente, suas plásticas estonteantes, ouso dizer que falta alguma coisa na sua paisagem, falta o “bar do Elpidio”.

Felizmente tenho, entre meus guardados, uma foto feita na década de 1980, em que apareço de frente àquele inesquecível recinto, empunhando um belo copo de cerveja, servido pelo lendário Milton garçom, saudando, com o gesto tradicional de erguer a mão que segurava o “reservatório do santo líquido”, o nosso querido rio Araguaia. É, o tempo passou!

Na viagem (feita na estilosa lancha do Olavo, filho do Omary) entre Aruanã e Mata Corá, senti que a Marília não tivesse podido vir, sei que ela gostaria de, também, empunhar uma latinha de cerveja, sentir o vento no rosto e observar a paisagem indescritível que se descortina às margens do rio. O tempo que passou não volta mais!

À noite, sentados em semicírculo ao redor da mesa de “peixes fritos”’acompanhados de uma boa cervejinha, vinho ou uísque (ao gosto do freguês), iniciava-se o exercício de “jogar conversa fora”, hora de confraternização, de ouvir histórias incríveis sobre acontecimentos ocorridos no rio Araguaia, algumas apimentadas, outras patéticas e, muitas outras engraçadas, porém, a maioria inventada ou por quem está contando ou por alguém que ouviu dizer que o fato ocorreu na ilha do Bananal e que a reconta como se tivesse presenciado o fato.

Um dos presentes narra-nos um fato ocorrido em Aruanã, provavelmente na década de 1930, cuja exposição, debuxada por artista da narrativa, consegue segurar a atenção de todos, principalmente pelo fato de que ele, o narrador, diz ter conhecido, pela sua longa vivência por estas bandas, um dos personagens (já falecido) que tomou parte neste enredo; ouçam comigo e tirem suas próprias conclusões:

Vivia em Aruanã, naquela época um lugarejo com pouco mais de quinhentos habitantes, um alemão de nome Henrique Hinmehachen (seria este o nome?); como a maioria dos alemães, Henrique tinha os olhos azuis; outra figura simbólica da cidade era o pároco que dava assistência religiosa à população, Frei Paulo, de descendência holandesa, cujos olhos, também, eram azuis.

Millburgues, nome não muito comum naquela época, para uma pessoa de cor preta, pescador de profissão, pertencente a uma família de pouca cultura, acabou entrando nesta história que estava sendo contada, por um acontecimento aparentemente rotineiro na sua profissão: ficava, dias e dias fora de Aruanã, envolvido com os peixes do rio Araguaia.

Em uma destas viagens, Milburgues demorou mais do que o previsível e, quando voltou, teve a grata surpresa de ser recebido por seu filho recém-nascido; apesar da alegria pelo acontecimento, um detalhe chamou-lhe a atenção, aliás, para bem da verdade, já havia chamado a atenção de todos os habitantes de Aruanã: seu filho tinha os olhos azuis.

É claro que Milburgues estranhou esta ocorrência, principalmente pelo fato de que todos seus amigos lhe pediam providências (é preciso dizer que quase toda a população correu para a porta da sua casa, esperando alguma reação); formou-se uma fila, como se fosse uma procissão de gente acompanhando o possível “chifrudo” na sua marcha rumo à casa de Frei Paulo, infelizmente com alguma fama de gostar de dar injeções nas nádegas das mulheres que precisavam da sua ajuda (era mais seguro, segundo ele dizia).

Apesar da sua fama, seria inaceitável que um fiel, naquela época, duvidasse da palavra de um Padre, ainda mais que ele, um pouco assustado com a multidão postada em frente à sua casa, lembrou-lhes que era um emissário de Deus e jurou por tudo quanto é santo, que ele não tinha nada a ver com o acontecimento.

Quem seria o outro suspeito? Rumaram, Milburgues puxando a fila, para a casa do alemão, porém, aqui a coisa seria mais difícil. Henrique era homem de estopim muito curto, saiu na “testa” com Milburgues e ainda desafiou a multidão a apresentar provas; como não as havia, restou ao chavelhudo “enfiar a viola no saco” e voltar para casa, ou melhor, ir para o boteco tentar esquecer ou procurar uma explicação para o fato.

Foi, entre uma cachacinha e outra, que seu amigo Zé traíra, lembrou-lhe que ele, Milburgues, poderia ser descendente de algum espanhol, tendo em vista o seu nome meio “estrangolado”. Quase todos os espanhóis têm os olhos azuis, lembrou-lhe o amigo, portanto…





sexta-feira, 1 de julho de 2011

WHISTLER - Pronuncia-se como se escreve: - “uístler”, com acento no i

Se pautássemos nossa vida unicamente pelo anseio de encontrar a felicidade, acredito que as viagens ocupariam um importante espaço desta demanda; sua concretização é um momento de magia que nos ensina como poderia ser a vida, sem a preocupação com o trabalho que restringe nosso horizonte de poder, tendo em vista a nossa necessidade de sobreviver.

O simples planejamento de uma viagem já nos transporta para o mundo encantado do “faz de conta”; recebemos uma pletora de conselhos instruindo-nos para “onde ir”; alguns outros justificando “porque deveríamos ir acolá”; a arte de viajar, afirma Alain de Botton (A arte de viajar, 2000), “parece sustentar uma série de perguntas nem tão simples e nem triviais; uma dúvida gira em torno da relação entre a expectativa de viajar e sua realidade”.

Estávamos, Marília e eu, na companhia dos nossos amigos e companheiros de viagem, os norteamericanos Gladys e Sokol, em Vancouver, mais precisamente na sua estação ferroviária, aguardando o trem que nos levaria até a cidade de Whistler, seguindo o roteiro que organizamos previamente, ainda no Brasil.

A estação ferroviária de Vancouver é igual, em essência, a todas as outras em todo o mundo; um guichê para venda de passagens, alguns bancos para os “mineiros” que chegam mais cedo para não perderem o trem, um quiosque para venda de café, refrigerantes, quitutes e revistas; quando falo “igual” é apenas no sentido figurado, pois, a de Gaspar Lopes, lugarejo onde nasci, era muito mais movimentada e mais bonita, embora um pouco menos organizada do que esta de Vancouver e a nossa Rede Mineira de Viação não tinha a pontualidade da West Coast Express do Canadá.

Não sei se são estas reminiscências que me levaram a registrar, com a câmara fotográfica, minha presença na plataforma da estação ferroviária de Vancouver; deu-me vontade, também, de comprar uma lembrança (uma tigela? Um prato estilizado?) para se juntarem aos “badulaques” que coleciono, não sei nem por que, mas sei que são lembranças do que foi perdido, como as pontas dos cabelos que o amante, um dia, quase na hora da despedida, cortou da namorada e guardou entre as páginas do livro, que não foi mais folheado.

Provavelmente, estas lembranças da minha infância, pois nasci nas imediações de uma estrada de ferro (Rede Mineira de Viação), condicionam-me a preferir, quando existe a possibilidade de escolha, as viagens por via férrea; não sei se o leitor já teve a oportunidade de observar algumas cenas do cotidiano das pessoas que habitam ao redor dos trilhos, das paisagens, dos animais ou do horizonte que se descortina da janela; estas características da viagem de trem são impossíveis de serem observadas em outros meios de transportes.

De repente nossos olhos flagram, sem pedir permissão, o interior da casa e, curiosos procuram, indiscretamente, adivinhar o que a mulher está tomando naquela xícara que leva à boca; mais adiante, em frente à mureta do jardim de outra casa, um homem discute com o vizinho e, pela movimentação das mãos, pode sugerir desavença, ou são dois italianos em discussões amigáveis? Um cão tenta correr mais que a locomotiva, porém, desiste, como faz, provavelmente, todos os dias e nos mesmos horários.

Minha intenção era falar sobre a cidade de Whistler que foi, se alguém se lembra, sede dos jogos olímpicos de inverno de 2010, porém, minhas rememorações levaram-me a desviar do meu itinerário e o espaço que me é reservado aqui no jornal é finito, não poderei, nem ao menos, contar-lhes alguns “causos” da viagem de trem (125 quilômetros).

De todos os lugares aos quais vamos, muitos deles não nos causam impacto, alguns outros, como a cidade de Whistler, apresentam força suficiente para forçar-nos a prestar a atenção na sua existência; alguns chamam esta força de flamante, outros, simplesmente, beleza. Ao percorrer suas ruas, sentimos o impulso de atribuir-lhe alguma importância em nossa vida, vontade de repetir bem alto: “eu estive aqui, caminhei pelas suas alamedas e este encantamento fez diferença para mim.” O encantamento, porém, costuma ser enigmático, pois, pode resultar de uma combinação de várias coisas, principalmente da companhia que divide conosco esta emoção.

Se algum dia, algum leitor resolver ir conhecê-la, sugiro que ao cair da noite, quando o frio começa a dar sinais da sua presença, vá ao restaurante “Araxi” (fácil de encontrar porque a população de Whistler é de apenas 10 mil habitantes), apresente-se ao “Maitre” de nome Renbr e peça-lhe, para acompanhar o “Curried shrimp scallops – escalope de camarão ao molho curry”, uma garrafa do “Chateau Ste. Michelle”, feito da uva “cabernet sauvignon” cultivada no Estado de Washington – USA.

Bon appétit!