CAMINHAR PELAS RUAS DE PARIS NO VERÃO
Em Paris, alguns anos
atrás, não me lembro com certeza da data, sei que era uma época em que eu vivia
a procura de ilusões e era verão, isto eu sei; caminhava, imitando um “Flâneur”
(caminhar por diversão) na companhia de Marília pelo Boulevard Saint-Germain;
suas ruas largas e cheias de luminosidade nesta época do ano transformam o
caminhar em verdadeiro prazer.
Normalmente
o turista ao caminhar por Paris define com antecedência a rota a ser seguida; o
“flâneur” não se submete a esta orientação, sua caminhada não depende de
destino, às vezes durante esta jornada resolve parar em um café e fica
observando o que ocorre na rua à sua frente.
Sabíamos que a Rua L’Odeon
deveria estar naquelas imediações, dobramos a esquerda e entramos à procura do
local onde existiu, até o inicio da segunda guerra mundial, a livraria
“Shakespeare and Company” de propriedade da norte-americana Sylvia Beach.
Não tínhamos pressa; o compasso das
nossas passadas era ditado pela nossa ociosidade, discutíamos os acontecimentos
ocorridos naquela livraria nas décadas de 1930 e 1940, principalmente a
presença constante de incontável número de escritores e pintores, tais como
Hemingway, James Joyce, Gertrude Stein, Sherwood Anderson, Picasso, e muitos
outros; ao passarmos em frente ao número 12, ecoou, vinda da eternidade da
existência a voz de Hemingway:
“Em
um frio vento de rua, este era um lugar quente e alegre com um grande fogão no
inverno. Mesas e prateleiras de livros, livros novos na janela, e fotografias
na parede de famosos escritores mortos e vivos – Paris, Uma Festa móvel”.
A temperatura estava começando a
diminuir, pois o sol já se escondera por detrás dos prédios; continuamos nossa
caminhada e entramos na rue St. Sulpice
e, instintivamente, sentamos a uma mesa colocada na calçada de um
“café”; sentimos que estávamos em porto
seguro, pois o tempo não conta naquelas paragens, desde que o freguês consuma
alguma coisa, às vezes um simples café será o suficiente para se ocupar uma
mesa por quantas horas se deseje.
Pedimos uma garrafa de champanha!
Ficamos durante algum tempo em
silêncio observando as pessoas que subiam e desciam a rua, do outro lado da
calçada, encostados em uma mureta, um casal de namorados trocavam carícias,
davam risadas e, de vez em quando se beijavam, indiferentes ao mundo que
continuava, para eles, multicolorido; um pouco mais distante, uma pequena praça
toda arborizada , onde coseguimos ver várias senhoras idosas que caminhavam a
passos lentos em sua direção, o sino da igreja de St. Sulpice começou a badalar
chamando-as para as preces das 18 horas.
Um
homem magro, alto, portando um chapéu de aba estreita, porém, com a copa muito
alta, bigode espesso que tentava entrar nas suas narinas, trajando um terno
surrado, porém, bem alinhado, sentou-se a uma mesa bem do nosso lado; tenho
“quase que certeza” de que foi ele a figura pintada por Paul Cézanne (Os
jogadores de Cartas, 1839-1906) que vi ontem no Louvre; ao retirar o chapéu
expôs a calvície que tomava conta de todo o topo da sua cabeça; ao acender o
cachimbo, inexplicavelmente de cor branca, não tive mais dúvida, era ele, realmente,
o modelo pintado por aquele artista.
Colocou
sobre a mesa sua pasta “démodé” (fora de moda) modelo James Bond, pediu um
café, abriu a dita cuja, retirou um livro e começou a lê-lo; o seu título, que
consegui ver de onde estávamos “The Greater Journey – David McCullough”
traiu-o, se ainda me restava alguma dúvida quanto àquela minha suspeita, esta
se dissipou; provavelmente ele procurava naquela leitura, o seu criador,
Cézanne, pois o livro conta algumas curiosidades de Paris e de seus moradores
nos anos de 1830-1900.
Um
vento frio, porém suave, varria com delicadeza, como se fosse a vassoura
conduzida pelas mãos suaves e bondosas da minha mãe limpando o terreiro de frente a nossa casa em
Gaspar Lopes, as folhas da calçada.
Ficamos
ali por algum tempo, quanto tempo? Não sei! Porém este detalhe não tem
importância dentro da circunstância do momento vivido; quando resolvemos ir
embora, o personagem de Cézanne continuava “bebendo” a mesma xícara de café,
completamente absorto na leitura do seu livro. Será que ele nos viu?
A
vida, repetindo Hemingway (Paris é uma Festa) “me tinha parecido tão simples
naquela tarde! Mas Paris era uma cidade muito antiga, éramos jovens e nada ali
era simples”.
Só
aquele momento foi simples e não mais se repetirá, pois o minuto que passou não
volta mais!