O “COMETA” MARVÃO ENSINA COMO ENFRENTAR COBRAS E CARRAPATOS NOS SERTÕES.
Vital veio me informar que um dos
nossos homens, do grupo que ficou para trás, estava com problema de saúde e por
isto, ele achava, estavam caminhando mais devagar, portanto demorariam mais a
nos alcançar: “O Seu João Catalão, exclusive,
ficou prá trais prá oiá ele”.
- Que tipo de problema este indivíduo
está tendo? Quis saber, primeiro por questão humanitária e, pelas
circunstâncias, provavelmente, a mais importante razão: o fato de um chefe de
caravana se interessar pelo bem estar do grupo; o não cumprimento desta regra
consubstancia uma falha imperdoável, sob a visão do sertanejo.
- Ele istrepô a canela da perna num
pau que estava de travessa na estrada e teve sangria desatada, mas o Seu João
Catalão deu conta de estancar a sangueira, mas, dispois disto, ele começou a
ter um februme dos infernos e aumentou a dor no local do corte.
- Eu já tinha sabença, hoje vi uma
coruja e um anum quase que juntos, sentados num pau de angico, num existe ave
mais agourenta que estas duas excomunguentas, diz com olhar de preocupação o
recém-chegado Marvão, merecendo, inclusive a aprovação do Vital.
- Deixa ele chegar para vermos o que
se pode fazer, além do que o Curador
João Catalão já fez.
Interessante como a vida é cheia de
surpresas, de repente, sem nenhum aviso prévio, nos aproximamos de pessoas que
nunca tínhamos visto antes e, com meia dúzia de palavras, passamos a ter com as
mesmas uma boa dose de empatia, levando-nos, instintivamente, a procurar mais
informações sobre a sua vida.
Marvão era uma destas pessoas: simples
nas ações e nos diálogos, porém, cheio de sabedoria popular e principalmente
vivendo baseado, praticamente, no seu instinto sobre as ações práticas da vida;
devia ter mais ou menos 30 a 35 anos de idade, sua pele era bem morena,
estatura longilínea, magro, mas não descarnado, estava sempre com um sorriso
nos lábios e uma frase “de efeito” na ponta da língua.
Seus cabelos eram um pouco
encaracolados e, para não fugir aos costumes da época, possuía uma costeleta
bastante larga e mal cuidada; sua mula baia, sem “tretas”, como fez questão de
salientar, estava com todos os apetrechos a que tinha direito, as patas
dianteiras forradas por um par de ferraduras, a cabeça do arreio era recoberto
por um arranjo de prata, assim como o peitoril do animal, feito por um colar de
argolas, também de prata, para quando o sol batesse de frente, disse, piscando
um dos olhos, o Marvão, “faiscar nos
óios de quem tivesse oiando”, principalmente se esse oiar fosse um daqueles bem
pidonhos de algum “rabo de saia”;
barrigueira dupla e sobrechincha caprichada.
“Pode ter igual, mas melhor que a
minha besta num tem por estas bandas, ela
tem o troteado firme e valente, principalmente nas travessias dos
tremedais e dos corixás da vida, na subida e na descida dos espigões cheios de
pedregulhos e pau de estrepe; espadas valente, pescoço fornido e grosso, com as
ancas roliças e luzidias; nas orelhas fiz pique enviesado e além de tudo, tem o
pelo liso que num aceita a escovação.
Animal que tem a pele da cor de
canjica escura, orelhas aprumadas e com batida do passo no compasso da nossa
prosa, num nega fogo.
Esta danada conhece meu jeito
sestroso, já atravessei rio com vau ou bolapé com água pela orelha da danada,
largava a rédea no seu pescoço, agarrava no selim e pegava com Nossa Senhora da
Abadia. Nunca morri!”
Para proteger as pernas, Marvão usava
botas, com perneiras longas até perto dos joelhos:
“ Comprei estas botas de um homem lá
pras bandas de Mariana, este cristão me disse que era bota de couro da Rússia,
paguei sessenta mil réis pra ter esta danada mais este ponche mineiro com baeta
vermelha com serventia de forro que
vosmecê esta vendo amarrado na garupa.
O
perigo anda por perto, preciso me proteger dos espinharéus, das garrancheiras e
dos carrapatis, prá num falar das cobras traiçoeiras!
Contra os espinharéus e as garrancheiras tenho garantia das botas, das
cobras traiçoeiras, se num for das voadeiras que alcançam mais alto, num tem
problema, nóis mata com pau, prus combates dos carrapatis eu pego adjutório com
uma modinha:
Carrapati meu cumpadi
Carrapata minha cumadi
Carrapatinhis meus afiadis
Se me
morderem estão todos excomungadis.
Minha bota já foi picada por
cascavéis, jaracuçus, urutus, jararaca e muitas outras peçonhas, tudo sem
problema, exclusivi, nunca deixei uma destas tentação ir simbora sem ser morta,
aliás, só teve uma que fiquei acismado e num terminei o serviço, era uma cobra
que tinha um desenho de uma cruz branca na sua cabeça preta - com cruz não se
brinca.”