MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

BLOQUEIO DA ESCRITA – O que fazer?

  
Vez por outra, nós que escrevemos, somos submetidos ao que se convencionou chamar de “bloqueio da escrita”, hoje aconteceu comigo! Sentei-me em frente ao computador, abri a pagina do Word, surgiu na tela o enorme espaço em branco, esperando que eu digitasse as palavras que se transformariam no texto que deveria ser enviado para o jornal.
                Pensei em vários assuntos, escrevi as primeiras palavras e as seguintes não surgiam; fiz o que costumo fazer nestas eventualidades: voltei ao texto que estou escrevendo sobre Freud, onde consegui deslanchar uma ou duas páginas; voltei à minha obrigação semanal (texto para o jornal), nada!
                Antes que a pressão psicológica aumentasse, resolvi mudar o enfoque e passei a “conversar” com o Google, ali encontrei um “site” inglês (tinha que ser inglês) que me chamou a atenção: Um blog de crítica literária concedeu em 2007 o prêmio ao manuscrito “The creepiest thing writer’s block has caused someone to do – Coisas horripilantes que o bloqueio da escrita obrigou alguém a fazer”.
                Conto-lhes a história que foi narrada naquele manuscrito vencedor do prêmio; encontrei-a no livrinho “Curiosities of literature – John Sutherland, 1988”:
                O escritor, poeta e pintor Dante Gabriel Rossetti nasceu na Inglaterra no inicio do século 19 (1828); quando tinha 21 anos de idade ficou apaixonado por uma bela jovem de nome Elizabeth Siddal com quem viveu em “união aberta” por mais de dez anos, para finalmente se casarem em 1860.
                O casamento foi curto e cheio de infelicidade para ambos, principalmente por culpa de Dante, que foi um péssimo marido; Elizabeth entrou em depressão após um parto com natimorto, levando-a ao suicídio, tendo sido enterrada no Highgate cemetery em Londres; Dante se encheu de remorso e resolveu colocar no caixão da esposa o manuscrito de um poema que estava fazendo, parece que em homenagem a ela.
                Sete anos após este acontecimento Dante estava viciado em drogas, com grave depressão e com o famoso “bloqueio”, tanto para escrever poesias como para pintar; como consequência, ele passou a ficar obsecado para recuperar o manuscrito que havia sido enterrado com a sua ex-esposa; pediu ajuda ao seu amigo e agente cultural Charles Howell, que pensou em roubar o caixão do cemitério, tendo em vista os interesses da literatura mundial (sic).
                Felizmente não foi necessário cometer o crime, Dante conseguiu com um dos secretários do governo (seu amigo) uma carta autorizando a exumação do corpo, o que aconteceu em 28 de setembro de 1869.  
                                               Em uma noite, ao estilo Frankenstein, sob iluminação de lanternas e com o auxilio de um médico (encarregado de desinfetar o manuscrito), o seu agente Howell cumpriu o prometido; embora houvesse um pacto para que nada transpirasse, vazaram alguns tristes comentários: Um terrível mau cheiro tomou conta do ambiente logo após a abertura do caixão, porém, apesar do tempo passado entre o enterro e aquele sacrilégio, Elizabeth permanecia muito bonita, seu rosto envolto por uma coroa de flores, dava-lhe a aparência de uma pessoa ainda viva. Fico a imaginar o silêncio que envolveu a todos naquele momento!
                                               O manuscrito estava umedecido e já apresentava sinais de destruição, com vários buracos trespassando-o, porém, o poema foi recuperado e entrou para a história da literatura como um monólogo de nome “Jenny”, publicado em 1870, com boa recepção por parte da crítica.
                                               Restou ainda para a posteridade a inscrição do tumulo de Elizabeth na Web “London’s haunted places – lugares assombrados de Londres”.
                                               Permitam, meus queridos leitores, que eu lhes dê um conselho: sempre que escreverem algum manuscrito, façam cópias, principalmente se pretenderem dedicá-lo a alguém. Ninguém sabe o dia de amanhã!                                        
               
                              

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

BIBLIOTECA DIVIDIDA

 

Já fazia quase seis meses que estava tentando organizar a minha biblioteca aqui na Santa Tereza; depois de várias tentativas cheguei à conclusão de que não é questão de organizar, mas simplesmente um problema de espaço: o conteúdo é maior do que o continente.
Outro dia, conversando com o meu amigo Dr. Heitor Rosa, tive a informação de que problema semelhante está vivendo nosso amigo comum, o ex-Reitor da Universidade Federal de Goiás, Dr. Joel Pimentel Ulhoa, possuidor de uma biblioteca com mais de 8.000 volumes que não caberia no apartamento para onde ele se mudou.
Depois de tentar de todas as maneiras conciliar o problema que me afligia resolvi reformar uma casa que estava desocupada, já há bastante tempo, por motivo da mudança de seu antigo morador que resolveu ir morar na cidade.
Confesso que estou parecendo uma “barata tonta” dentro da minha biblioteca, não consigo escolher quais livros levar para o “anexo” (apelido dado à nova biblioteca); sento-me em frente às estantes e percorro as suas prateleiras com olhos curiosos à procura dos “enjeitados”; folheio este e aquele outro; não, este eu preciso consultar de vez em quando, aquele outro está na fila para ser lido, enfim, estou me sentindo com a mesma sensação de impotência manifestada pelo escritor argentino-Espanhol Rodrigo Fresán (A vida encaixotada, Serrote, Instituto Moreira Sales- São Paulo, 2012).
Fresán registra no seu diário as dificuldades que enfrentou para mudar de casa, tendo que encaixotar seus livros para o transporte, no que foi auxiliado pela sua esposa (Minha mulher enumerou e atribuiu uma letra a cada prateleira de minha biblioteca); o problema é que ele, Fresán, de vez em quando tirava um dos livros que já estava encaixotado e passava a folheá-lo (por favor, diz ela, você está atrapalhando, vá dar umas voltas e volte mais tarde,).
Nesta voltinha, ele passou em uma livraria e comprou outros dois livros, um deles ele já possuía e se esquecera (Não faz mal, justifica-se, aquele primeiro era em capa dura, difícil de manusear na cama e o outro deveria, supôs ele, ser de muita utilidade no futuro (sic), cujo título não deixa de ser atraente "Coisas que um neto deve saber").
Vejam comigo um dos momentos “dramáticos” do diário de Fresán (Chegou o grande e terrível dia; uma quadrilha toma de assalto o apartamento onde vivi e enfia livros em caixas numa velocidade espantosa; contemplo as caixas e leio títulos de que havia esquecido totalmente. É como se os visse pela primeira vez e não consigo resistir ao impulso de folheá-los pela última vez!). 
Diferentemente do que ocorreu com Frésan, não sofro nenhuma pressão para “descartar” este ou aquele livro (ele chegara a pensar em fazer algumas doações, para diminuir a sua quantidade), preciso apenas definir quais ficarão na biblioteca central e quais deverão ir para a nova “morada”; porém, não sei qual de nós dois sofreu mais com a mudança.
 Na tentativa de ter apoio psicológico nesta empreitada resolvi mudar o nome da casa; ao invés de “anexo” que embute a estranha sensação de subordinação, ou seja, os livros que fossem transferidos para ali não seriam os meus preferidos, passei a denominá-la de “Casa amarela de livros”, nome mais romântico e, sobretudo com mais personalidade cultural (ao adentrá-la, antes desta mudança de nome, parecia que era repreendido por Eça de Queiroz, falando em nome das estantes abarrotadas de livros de e sobre escritores portugueses): - Por que você nos procura, se somos de segunda classe? Volte para seus preferidos!
                Para diminuir a sensibilidade dos novos habitantes da “Casa Amarela” meu amigo jardineiro Décio e eu plantamos ao redor da mesma, vários arranjos de flores e plantas ornamentais (dois pés de “manacá” me foram presenteados pelos amigos Átila e Soninha de Freitas, em uma tarde nostálgica quando se despediam da antiga casa onde moraram por mais de trinta anos).
                Ontem, ao folhear (pela última vez antes de mudá-lo de endereço) o livro “Brecht - Uma introdução ao teatro dialético” de autoria do jornalista e ensaísta Fernando Peixoto voltei-me, instintivamente ao meu livro publicado pela Editora Kelps “Entre o sonho e a realidade, do Brasil dos anos 60 à Rússia dos anos 90” onde descrevo as discussões que alguns de nós universitários da década de 1960, promovíamos ao redor de uma “mesa de chope” procurando entender a dialética do teatro comprometido com a ideologia socialista.
Parece que impulsionado por uma força irresistível fui à “Casa Amarela” e reencontrei o livro que procurava “Esta é a minha história, Louis Bodenz, 1948”, na primeira página vejo minha assinatura tracejada com letras inseguras, seguida da data de aquisição do mesmo, Curitiba, 8/12/1958; este livro foi um dos meus contrafortes ao ateísmo; ganhei-o de um colega do banco onde trabalhava que, por perceber minha incipiente militância política, procurou “proteger-me”. O livro conta a história de um líder sindical norte-americano pertencente ao Partido Comunista, que se converteu ao catolicismo.
Vez por outra ouvimos noticias de que o livro impresso vai acabar; sei não! Não acredito ser possível sentar-me em frente ao computador e, de repente, pensar em um livro que li há muitos anos e procurá-lo no arquivo virtual da máquina; aqui, sentado na minha poltrona, faço minha visão percorrer todos os escaninhos das estantes e de repente sou atraído nada menos pelo exemplar de um livro publicado em 1902 (Homens e Cousas estrangeiras – José Veríssimo), o pego nas mãos com cuidado e carinho; sua capa ainda é a original como veio da impressora dos irmãos Garnier na França.
Se nossa vida fosse exclusivamente uma busca de momentos de felicidade, creio poder dizer para mim mesmo, toquei-a com as pontas dos dedos ao folhear aquele livro que já estava um pouco esquecido e que ao reler algumas das suas páginas, principalmente seu maravilhoso ensaio sobre Emile Zola, escrito logo depois do envolvimento daquele escritor com o caso Dreyfus, culminando na publicação em 1898 da carta panfletária (Eu acuso) na imprensa francesa; Veríssimo discute assuntos que estavam acontecendo!
  Continua penosa a mudança, levo três livros para a Casa Amarela e trago de volta outros dois! Vou conseguir!






sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Apontamentos de viagem – Visita ao Castelo de Nohant, casa de George Sand.

 

                      Quando saímos de Goiânia, Marilia e eu, tínhamos pronto um projeto que era só nosso: desta vez iríamos visitar a casa onde morou George Sand; compramos com antecedência as passagens de trem (Paris-Nohant) e, no dia aprazado nos dirigimos para a estação ferroviária (Austerlitz); deixamos nossos companheiros de viagem (nosso filho José Paulo, nossa nora Juliana e nossos netos Pedro e Luiz Fernando) em Paris e fomos, curiosos, conhecer aquele local.
                        Antes de viajar lemos, mais uma vez, o livro escrito por André Maurois “Lélia ou a vida de George Sand, Cia. Edt. Nacional, 1956”, onde é descrito com detalhes, o envolvimento daquela escritora com o Castelo de Nohan.
                        Viagem tranquila e agradável, como sempre acontece nos trens franceses (alguém já me disse que os franceses têm um verdadeiro atavismo pelas viagens de trens e por consequência estes são absolutamente confortáveis), depois de duas horas, com direito ao desfrute de uma bela e agradável paisagem constituída por pequenas fazendas, várias delas com sistema de irrigação de lavouras ligado, chegamos à estação de Chateauroux, cidadezinha localizada na Província de Berry, no “Vale de Loire”.
                        De lá seguimos de taxi (cerca de dez quilômetros) para Nohant, uma vez que os horários disponíveis de ônibus não coincidiam com a nossa necessidade (voltar para Paris no mesmo dia, pelo final da tarde).
                        Nohant é um pequeno vilarejo onde vivem menos de 500 habitantes (censo de 2009 indicava 476); dentre suas construções sobressai o Castelo onde morou George Sand durante grande parte da sua vida; sua construção não é suntuosa (foi construído no final do século dezoito e adquirido no ano de 1793 pela avó da escritora e que o deixou como herança para George Sand que, na época, usava o seu nome de batismo – Amantine-Aurore-Lucile-Dupin), porém, o simbolismo que o envolve deixa o visitante emocionado e feliz por estar ali.
                        Situa-se no meio de uma pequena floresta, rodeado por um imenso jardim, onde se pode “ver” George Sand circulando, como disse sua neta Aurore em 1927 -  “Minha avó percorria o jardim todos os dias, ela amava suas plantas, ela sabia, exatamente, quando esta ou aquela iria florir”.
                        Ao adentrarmos o vestíbulo do Castelo iniciamos uma viagem de sonhos; o passado começa a fazer eco com o presente, começamos a discutir com os fantasmas das figuras do passado; ali, aos pés da escada que dá acesso ao segundo andar, uma pintura de Delacroix retratando a figura principal da casa (ele também foi um morador da casa em várias ocasiões, tendo direito inclusive a um estúdio particular!).
                        Antes de subirmos as escadarias fomos visitar a cozinha onde, em 1851, George Sand mandou instalar um novo sistema de aquecimento que, por intermédio de encanamentos, levava o calor do fogão para outros compartimentos do Castelo; parece que todos os utensílios (panelas, frigideiras, caçarolas, colheres estão dispostos como foram deixados).
                        Sou tentado, embora o espaço que me é reservado pelo jornal seja previamente determinado, a levar meus leitores a conhecer a sala de refeições que fica ao lado da cozinha, facilitando a ergometria da movimentação dos funcionários da casa; enorme mesa retangular com dez cadeiras estofadas ao estilo Luiz XVI se impõem na majestade do ambiente; no espaldar de cada cadeira está escrito os nomes dos convidados do dia, todos eles conhecidos do mundo das artes.
                        As paredes da sala ecoam as conversas daqueles hóspedes famosos, sentados à mesa em frente dos pratos de porcelana e copos coloridos de cristal, iluminados por suntuoso lustre de cristal.
                        No topo da escada, diga-se de passagem, uma esplêndida escada em formato “caracol” toda de madeira, inclusive o corrimão, entramos no corredor com piso de cerâmica (barro?), que distribui os cômodos (quartos) que, como se poderia imaginar são em vários, tendo em vista o costume da proprietária de receber, constantemente, um grande numero de escritores, musicistas e pintores, que ali permaneciam por longos períodos de tempo, dentre eles Litz e Maria D’Agoult, Balzac, Flaubert, Delacroix, Turgenev, Alfred de Musset e Chopin com quem ela viveu maritalmente por mais de sete anos, quando ele compôs a maioria das suas peças para piano, inclusive os famosos noturnos.
                          Causa impacto, pela sua dimensão, o espaço reservado para Sand, localizado quase que no final do corredor, onde entramos por uma porta a nossa esquerda, ricamente trabalhada em madeira de lei, com várias entalhes para receber pinturas (Delacroix?) imitando vasos de flores; cinco enormes cômodos (quarto de dormir, antecâmara com guarda roupas) com comunicação interna ao seu “estúdio” (biblioteca e sala com a sua mesa para escrever).
                        Apesar da proibição ditada pela guia, não me contive (as ordens não me pareceram muito rígidas) fotografei a mesa onde George Sand escreveu a maioria dos seus romances, principalmente o clássico autobiográfico “Histoire de ma vie – História da minha vida”; os que vivem, como eu, enfurnados na literatura, podem imaginar a emoção que senti durante aquelas quase três horas que passamos naquele recinto.
                        Cada passo, cada vestíbulo que adentrava, trazia-me de volta a figura maravilhosa que Musset deixou gravada para a posteridade -  “George Sand com o leque” aquarela pintada a bico de pena, onde predominam, palavras dele (apaixonado por ela), seus “lindos olhos, pretos e aveludados”.
                        Na despedida, já no jardim, pedi a Marilia que me fotografasse em frente ao Castelo, bem debaixo da janela onde se localizava a sala de estudos de Sand;  pareceu-me ver, por detrás da vidraça, a sua figura já envelhecida a repetir em voz alta o que escrevia:
                           “Chorarei sobre as ruínas do passado? Não, isso há de passar. Alguns querem voltar, a gente não volta; também passa; é a água que murmura (geme?) e corre. Não é bastante ter corrido, murmurado, quando refletimos coisas bonitas e as amamos e celebramos? Ficaríamos entediados se continuássemos, ficaríamos assustados se recomeçássemos. A gente envelhece só, triste a retirada, mas sossegada, cada vez mais sossegada!”.
                        Os restos mortais de George Sand  estão no cemitério de Nohant; ao visitá-lo, já na hora de partirmos, lembrei-me de uma carta (que li) e que ela enviou para um dos seus amigos em 1863 (Joseph Desauce) :
                        “Ausência e morte não são muito diferentes, nós nunca partimos, simplesmente perdemos os sinais da presença do outro”.
                        Para os amantes da boa literatura George Sand estará sempre por perto!