MINHAS CRÔNICAS

sexta-feira, 25 de junho de 2010

LONDRES – DEMOLIRAM A CASA DO BANQUEIRO!

No livro “Couto de Magalhães – O Último desbravador do Império” relato um jantar na casa dos Waring, um dos últimos acontecimentos sociais de que o General Couto de Magalhães participou em Londres, antes de retornar ao Brasil, já no final do ano de 1880.
Os leitores que me honraram com a leitura do meu citado livro, devem se lembrar que Waring era o engenheiro que ajudou o General no encaminhamento do seu pedido de empréstimo junto aos banqueiros de Londres para a construção da ferrovia Rio a Minas Gerais, cuja concessão lhe havia sido concedida por Dom Pedro II.
Durante o café da manhã, Hélio Junior e eu consultamos nossos mapas à procura da
Grosvenor Square, 17 (Quadra Grosvenor), local onde residiu o Dr. Charles Waring, como adrede sabíamos; a localização do hotel Intercontinental, onde estávamos hospedados, nas imediações do Hyde Park Corner, permitiria que fossemos caminhando, aliás repetindo, praticamente, parte do mesmo trajeto que havia sido feito por Couto de Magalhães, ao se deslocar da sua casa na Marylebone Road, com uma única diferença: ele utilizara, naquela oportunidade, uma carruagem Victoria puxada por dois cavalos.
É interessante a vida urbana de Londres; naquela época este sitio estava localizado em local onde residiam pessoas de altas posses pecuniárias; um dos guias que havia comprado em um sebo em Londres, O Baedecker de 1911, continuava confirmando esta informação; ainda hoje os atuais guias repetem que naquela zona se concentram as mais caras corporações imobiliárias de Londres.
Devo confessar que fiquei um pouco decepcionado com as mudanças que ocorreram na Grosvenor Square; a descrição do local, como narrei no livro, não correspondia ao que via agora; não existem casas, como aquela onde morou Waring e que descrevi com tantos detalhes, apenas prédios de apartamentos.
Procurei me inteirar o que ocorrera e descobri:
Quando surgiu a idéia de contruir as casas que iriam compor aquela quadra (final do século 18) a intenção era causar grande impressão e principalmente trazer privacidade para os moradores; cada casa obedecia, na sua arquitetura, os desejos dos futuros moradores; integrando o conjunto, foi construído um enorme jardim no centro das construções, para uso exclusivo daqueles moradores; seria como em nossos condomínios fechados de hoje em dia.
Não é preciso enfatizar que os moradores daquela “quadra” eram pessoas possuidoras de alto poder aquisitivo e a maioria delas possuía vivendas fora de Londres e usavam aquele “condomínio” apenas por alguns meses do ano.
Houve grande transformação; praticamente todas aquelas casas foram demolidas durante o século 20, principalmente após a segunda guerra mundial, e substituídas por prédios de apartamentos, hotéis e algumas embaixadas de países, como o Canadá e os Estados Unidos; o jardim central foi transformado em jardim público e é mantido pela municipalidade de Londres.
É a lei natural da vida; é preciso ter em conta a expectativa dos que vão chegando, fazendo a fila seguir em frente; os dias, anos e até os séculos passam com muita rapidez, escorregam pelos vãos dos dedos, deixando-nos impotentes; o tempo, sob esta óptica, parece um instante; Montaigne, escritor e pensador francês, escreveu “Devemos viver sem perder de vista aqueles que vão chegando, com seus sonhos, suas esperanças e suas ilusões”.
Aquele ambiente, seguramente tão resguardado na era Vitoriana, traz alguma desolação para alguém que procurasse elos que levassem ao passado; as pontes que faziam a ligação entre o hoje e o ontem foram destruídas.
Oscar Wilde, magistral escritor, poeta e teatrólogo, que viveu em Londres na mesma época daqueles acontecimentos vividos pelo Dr. Waring, deixou registrado para a posteridade seu irônico menosprezo pelos habitantes da Grosvenor square do final do século 19.
Na sua última e, para muitos críticos, a mais notável peça teatral, intitulada “A Importância de ser prudente”; com a qual, em quatro atos, o autor, com a sua aguda inteligência e refinado humor, mostrou que a necessidade da comicidade tem como fonte a realidade ridicularizada.
No desenvolvimento da trama da peça ele encarou as coisas fúteis com seriedade, e todas as coisas sérias da vida com sincera e estudada futilidade, Wilde parodia sua própria tendência de busca de contradições, transformando o sério personagem Jack no frívolo Ernest.
O trecho que gostaríamos de realçar, concernente à citação da quadra Grovesnor por um dos personagens (Lady Bracknell), ocorre quando ela interroga o personagem Jack, pretendente à mão da sua filha.
- Boa idade para se casar; eu tenho a opinião de que um homem que deseja se casar deve saber sobre tudo ou não saber de nada. O que você sabe?
- Eu não sei nada Lady.
- Fico feliz de ouvir isto; a ignorância é como uma fruta exótica, se você a toca perde o gosto. Felizmente, na Inglaterra a educação não produz nenhum efeito. Se produzisse, causaria sério perigo para a classe alta e provavelmente levaria a atos de violência na Grosvenor Square.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Londres, casa onde morou Couto de Magalhães em 1876

Restava-nos apenas mais três dias de permanência em Londres; resolvi, com a aquiescência do Hélio Junior, que iríamos visitar os locais que referi no meu livro “Couto de Magalhães – o último desbravador do Império”, onde morou o Gal. Couto de Magalhães, sua namorada Lily, a casa do banqueiro Waring e, principalmente, a sede da antiga embaixada do Brasil Império.
Havia chovido na noite anterior e o serviço de meteorologia indicava grande possibilidade disto voltar a acontecer no transcorrer do dia; durante o café matutino traçamos, com auxilio de um mapa, nossos planos; armamo-nos de guarda-chuva, capa, muita disposição para caminhar e fomos enfrentar as ruas e avenidas de Londres.
Pelas nossas pesquisas sabíamos que o endereço onde residiu o General Couto de Magalhães situava-se no bairro de Marylebone, mais precisamente na rua de mesmo nome; tomamos o metrô e fomos até a estação de Bond Street, daí em diante faríamos o percurso deambulando sem pressa e sem compromisso com o tempo; após caminharmos algumas quadras, já dentro do bairro, entramos na tão esperada Rua Marylebone; neste percurso passamos pela singela igreja de St. Mary-by-the-bourne (provavelmente a razão do nome da rua) e onde foi crismado o genial Lord Byron, considerado o mais famoso poeta romântico da Inglaterra.
Conta a história que a Rua Marylebone foi construída no século XVIII com o intuito de descongestionar a Oxford Street; ainda hoje ela conserva algumas características daquele tempo, principalmente a arquitetura das suas casas, ao estilo georgiano, e, principalmente, muita tranquilidade.
Momento de emoção foi encontrarmos o prédio com a numeração (222) que estávamos procurando; paramos, por alguns minutos, bem em frente da enorme construção; em silêncio “viajei” para o longínquo ano de 1876 e situei meu personagem (Gal. Couto de Magalhães) saindo pela porta principal “todo empertigado, trajando um sobretudo preto; usava, para completar o aprumo, um par de botinas de verniz; sua estatura alta e magra, dava-lhe uma silhueta de nobreza; sua barba espessa, bem feita, cuidada de maneira a não tornar-se o seu único referencial, quase cobria todo o seu rosto, que era alongado, até com certa proeminência do queixo. Sua fronte era lisa e bem destacada. Caminhou alguns passos e tomou um fiacre puxado por uma parelha de cavalos brancos que o aguardava”.
Toda esta fictícia cena teria se desenrolado em data que ainda não fazia parte do meu calendário; depois disto, um turbilhão de água correu por muitos rios e muitas pontes foram destruídas no desenrolar da vida, separando-me daquele meu personagem de data tão remota; os leitores são testemunhas que tentei repetir a mesma emoção que ele sentia, porém, sinto que não consegui; mesmo se a emoção fosse a minha própria emoção, também não conseguiria.
Repito Oscar Wilde: “O fato de que não se possa repetir exatamente uma mesma emoção explica porque a vida é um fracasso do ponto de vista artístico. É isto que lhe empresta uma quietude sórdida!”.
Ainda perdido nestas elucubrações fui “acordado” pelo Hélio Junior que me chamou a atenção: Este prédio é um hotel, disse-me ele, enquanto caminhávamos para o seu interior.
Realmente, estava escrito no seu frontispício que se tratava do Landmark London Hotel; causou-nos grande impressão a amplitude do seu lobby, como se fora um imenso salão, cujo teto, todo de vidro, está situado em altura correspondente a seis andares; deixou-nos perplexos pelo senso de espaço e luminosidade que o conjunto transmite, nunca visto por nós ambos.
Nossa curiosidade foi aguçada quando procuramos, junto à direção do mesmo, algumas informações sobre a sua história; ficamos boquiabertos com o que descobrimos!
Os leitores que tiveram a oportunidade de ler o meu livro acima citado, devem se lembrar que Couto de Magalhães viveu quatro anos em Londres na busca de financiamento para a construção de uma estrada de ferro, concessão que ele havia conseguido junto ao Imperador Dom Pedro II.
O folheto que o gerente nos forneceu traz um resumo da história pregressa deste hotel, que me permite fazer algumas ilações; leiam comigo: a sua origem remonta ao final da década de 1880, quando um empresário de nome Edward Watkins, idealizou construir uma estrada de ferro ligando a Inglaterra ao resto da Europa, por meio de um túnel que terminaria na estação ferroviária de Marylebond, além de um hotel (The Great Central Hotel) de grande porte, para acomodar os passageiros.
A construção da ferrovia não foi levada à frente, porém, o hotel sim e sua inauguração se deu em 1899, com arquitetura no estilo gótico, em consonância, aliás, com o prestigio do Império Britânico da época, influenciado pelo poder da Rainha Vitória.
O hotel foi construído ao redor de um enorme pátio, facilitando que as carruagens deixassem os hóspedes na porta do hotel com privacidade e conforto; todos os mínimos detalhes foram pensados: salão de fumantes e bilhares para os homens, separados do salão de visitas exclusivo para as mulheres, como mandava a etiqueta da época.
Ficou-nos a dúvida: Couto de Magalhães viveu naquele endereço poucos anos antes da inauguração do hotel original e, tendo em vista que aquele empresário Mr. Watkins (como registrado na sua biografia), sempre esteve envolvido com construção de ferrovias, é de se conjeturar que houve uma razão para Couto se hospedar naquele local (seria um antigo hotel que foi demolido para a construção do que é hoje o Landmark Hotel e que já foi o Grande Hotel Central?). Infelizmente não tenho a resposta, porém, ouso conjecturar que o Gal. Couto de Magalhães sabia, de antemão, onde deveria morar em Londres, pois ali seria mais fácil conectar os possíveis financiadores do seu empreendimento (Estrada de Ferro ligando o Rio de Janeiro a Minas Gerais).




terça-feira, 15 de junho de 2010

LONDRES – Caminhando por suas ruas e avenidas

O escritor, dicionarista, poeta, polemista e, sobretudo, frasista, Samuel Johnson (1709-1784), mais conhecido no meio cultural da língua inglesa como “Doctor Johnson”, cunhou uma frase que até hoje é repetida: “Quando um homem está cansado de Londres, ele está cansado da própria vida”.
Tirando o exagero da citação, realmente não há como deixar de encontrar, todas as vezes que voltamos a Londres, alguma coisa que deixamos passar despercebido em outros encontros.
Peço licença ao Mister Gladstone (1809-1898), Primeiro Ministro da Inglaterra por quatro vezes, para discordar do alerta que dava aos visitantes: “A melhor maneira de conhecer Londres é de cima de um ônibus, de cima de um ônibus, meus senhores!”; acho que a melhor maneira é percorrê-la caminhando, sem pressa e procurando detalhes da sua arquitetura, seus jardins, a movimentação de gente e, principalmente, de bem com a vida.
Sempre que caminho pelas ruas de Londres procuro ficar atento com as fachadas dos edifícios à procura de “marcações literárias”, que são placas de cor azul, colocadas pelo governo municipal a fim de identificar locais históricos e possíveis ex-residências de figuras notáveis da vida literária, histórica e política de Londres.
Em uma das caminhadas que fizemos (Hélio Junior e eu) a procura da rua onde Couto de Magalhães morou nos anos de 1876 a 1880, deparamos com a casa onde Charles Dickens viveu e escreveu o famoso romance Oliver Twist; ficamos, nós ambos, até um pouco emocionados com o inusitado do encontro e discutimos, bem em frente, alguns detalhes daquele romance e imaginamos o grande escritor observando-nos através das vidraças da sua casa.
Um dos “encontros” mais emocionantes desta minha viagem foi a ida à livraria “Hatchard”; caminhávamos sem compromisso de roteiro e, principalmente, sem preocupação com o tempo; estávamos nas imediações de Westminster, atravessamos a ponte, ladeamos a casa do Parlamento, sabendo que o big Ben pairava, majestoso, acima das nossas cabeças; rodeamos a Trafalguar square e, ao chegarmos ao Picadilly, demos de cara com aquela que é considerada a mais antiga e legendária livraria da Inglaterra.
No livro - Couto de Magalhães, o último desbravador do Império – “levei” Couto a esta livraria, “obrigando-o” inclusive a comprar um livro, sentar-se em um banco situado nos fundos da loja e que era reservada para clientes especiais, onde “leu” um folheto que informava que a Realeza, além de Gladstone, Disraeli e Oscar Wilde freqüentavam aquela livraria.
Quase nada mudara desde 1797, ano da sua fundação; continua no mesmo local, continua existindo a mesma sala reservada nos fundos e, provavelmente, a mesma
freguesia diferenciada; conversamos com o solícito vendedor que nos atendia, falamos da razão da nossa presença ali, folheamos alguns livros, compramos dois deles e continuamos nossa jornada.
Se eu fosse consultado sobre qual rua ou avenida seria mais representativa da vida urbana de Londres, não teria duvida em afirmar que seria a Regent street; acrescentaria ainda, como orientação ao inquisidor: caminhe no sentido de Oxford Circus para o Picadilly, faça-o sem pressa, observe a movimentação das pessoas, a decoração das lojas e tente, se você já esteve ali antes, encontrar os mesmos endereços comerciais de vinte, trinta anos atrás. Eles não mudaram!
O seu atual traçado vem de 1.800, quando o Príncipe de Gales, que reinava como Regente da Coroa, solicitou ao arquiteto de nome John Nash que a remodelasse completamente para tornar-se uma via que facilitasse a vinda da sua mansão em Pall Mall para um Palácio que ele pretendia erguer em Regent Park.
O seu desejo foi parcialmente atendido, pois, Regent Street, com suas curvas harmônicas, semelhantes ao curso dos rios, seus edifícios encimados por chaminés, suas colunas gregas embelezando suas fachadas, dando-lhes uma feição de falsa homogeneidade, obriga os transeuntes a parar, praticamente a cada passo, para sentir a sua grandeza.
Infelizmente, para ele, o Príncipe, onde estava planejado para se edificar seu Palacete (Regent Park), construiu-se um zoológico (inaugurado em 1828).
Certa feita estive em Londres na época do Natal; dificilmente haverá uma via pública tão belamente decorada para esta ocasião como a Regent Street; todas as lojas, com seus enfeites, davam vazão à contagiante alegria alusiva à data; guirlandas coloridas estavam estendidas de um ao outro lado da rua, formando túneis multicoloridos; espetáculo inesquecível!
Um dos momentos de grande emoção para nós dois, Hélio Jr e eu, foi o meu reencontro com a escola de inglês St. Giles, localizada nas imediações da Oxford Circus; voltei no tempo e relembrei-me que há cerca de quarenta anos, todas as tardes, encontrava-me com Marília, minha mulher, bem no local onde paramos agora; eu voltava do Hospital onde estagiava e ela saia da sua aula.
Eram momentos de cumplicidade, de afirmação, de dependência mútua e, principalmente, hora de falarmos sobre nossos filhos, com cinco, três e um ano de idade, que deixamos no Brasil e viemos à procura de um futuro mais promissor, para nós e para eles.
Éramos tão jovens! É, o tempo passou!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

LONDRES, POR QUE LONDRES?

Havia uma enorme expectativa, tanto minha como por parte de Hélio Junior, para esta visita a Londres; aqui em casa traçamos os planos sobre o que fazer, aonde ir, quais prioridades e, principalmente, voltarmos aos lugares onde Marília e eu estivemos há quase quarenta anos e que tanto comentávamos em nossa casa.
Estive várias vezes em Londres, porém, esta viagem tinha uma motivação diferente das outras; era a primeira vez que a visitava depois da publicação do meu livro – Couto de Magalhães, o último desbravador do Império.
O personagem biografado naquele livro, Gal. José Vieira Couto de Magalhães, vivera durante quatro anos em Londres (1876-1880), tendo escrito um diário (Diário Íntimo) relatando suas atividades empresariais (tentava conseguir um empréstimo para a construção de uma estrada de ferro no Brasil), suas andanças, suas moradias e suas aventuras amorosas; o citado diário, ao qual tive acesso, foi encontrado não faz muito tempo.
Por ter morado em Londres na década de 1970, entusiasmei-me com as descrições feitas por Couto Magalhães; quase todas as ruas citadas no seu diário eram minhas conhecidas e, algumas delas, faziam parte do meu itinerário diário - “Percorremos, Couto e eu, as mesmas ruas, fomos aos mesmos teatros, às mesmas livrarias, aos mesmos parques e jardins, navegamos juntos pelo rio Tamisa; parece que nada mudara na querida Londres, naquele interregno de tempo de quase 100 anos!” (trecho do livro acima citado)
Nesta viagem de agora planejei voltar àqueles endereços mais importantes por ele citados, principalmente ao local onde ele morara por mais tempo, onde morara sua namorada Lily, a casa dos banqueiros que ele frequentava e, principalmente, a antiga embaixada do Império do Brasil.
Qual a razão deste meu encantamento por Londres, perguntou-me um dia um dos meus filhos; acho que Londres é a única cidade, por si só, capaz de provocar ciúmes na sua mulher!
Algumas outras cidades são superiores a Londres em algumas particularidades; Paris é, indiscutivelmente, mais bonita, mais alegre e leva-nos a pensar que a vida é sempre cor de rosa; Roma é mais amigável, seus habitantes são mais brincalhões, levando-nos a pensar na necessidade de viver o dia de hoje, pois, “o minuto que passou não volta mais”, o Rio de Janeiro tem a natureza falando a seu favor; em Nova York a vida é mais excitante e sugere que tudo que aconteça no mundo, deverá passar por ali, porém, na somatória das qualidades e defeitos, Londres supera todas elas.
Não se cogita visitar Londres sem conhecer alguns dos seus símbolos: O Big Ben, a Casa do Parlamento, a guarda real de Buckinghan e o Rio Tamisa; sei que muitos dirão, e os Parques? E a Torre de Londres? E o Piccadilly? E a catedral de Westminster? Se quiserem posso acrescentar a esta lista a Trafalguar square, a Oxford circus e a Regent street, os museus e as galerias de arte, os teatros, enfim, todo o feitiço de Londres não caberia no espaço desta crônica.
No entanto existe uma entidade que polariza a atenção dos ingleses; são os Parques e os jardins; são enormes espaços abertos, várias dezenas e em várias regiões da cidade, chamados de “pulmões de Londres”; para se ter uma pálida idéia da sua grandiosidade, o Hyde Park e o Kensington Garden, somados, correspondem a mais de dois quilômetros quadrados de área verde.
Antigamente estes Parques eram os locais onde a Monarquia promovia suas famosas caçadas às raposas; hoje, a maioria deles está localizada no coração de Londres, portanto, sem condições de se manter aquela tradição.
Estando em um destes jardins, tente não observar os casais de namorados trocando juras de amor, abraçados na grama, provavelmente as mais audaciosas cenas em exibição ao ar livre em toda a Europa; procure olhar os gerânios, as petúnias, os narcisos silvestres e as tulipas formando canteiros multicoloridos.
É inacreditável o amor dos Ingleses pelos jardins; se ele não tiver espaço para ter um em sua casa, certamente ele o fará no parapeito da sua janela.
Para deixar bem claro este atavismo pelos jardins, conta a história que a Rainha Carolina, na época esposa de George IV, um dia perguntou ao Primeiro Ministro qual seria o custo para trazer de volta o Park St. James, para uso exclusivo da Monarquia. Aquele teria lhe respondido:
- Somente a sua coroa, Madame!
Acrescentaria que a síntese de tudo o que dissermos a respeito de Londres corresponderia a quatro predicados: Beleza, charme, tradição e glorificação do passado e, principalmente, respeito à individualidade das pessoas.
A causa desta síntese? A coroa Real, que há séculos domina os sentimentos dos ingleses, como podemos perceber nesta bela passagem (resumida e em tradução livre) da peça “A tragédia do Rei Ricardo II - William Shakespeare”:

Este real trono de Reis/ Esta terra de Majestades/
Este outro Paraíso/ Esta abençoada terra/
Esta terra, este reino/
Esta Inglaterra...





terça-feira, 1 de junho de 2010

LONDRES, o passado repercute no presente!

Em maio de 1972 fui a Londres pela primeira vez, iria cumprir um estágio no Hospital São Marcos, naquela época a Meca do ensino em Coloproctologia no mundo.
Marília e eu, ainda muito jovens, viajamos com nossos corações nas mãos, deixamos nossos filhos ainda muito pequenos aos cuidados dos nossos parentes e fomos enfrentar o desafio que nos impusemos; Ana Paula, a nossa caçula, tinha apenas alguns meses de vida.
Lembro que discutíamos e sofríamos, Marília e eu, sobre a nossa “irresponsabilidade” em deixá-los tão novos, por um período tão prolongado de tempo (seis meses); nossa união e a confiança no futuro nos empurraram rumo ao nosso destino; para se ter uma idéia da idade das crianças, Ana Paula, ao voltarmos, “estranhava-se” conosco, recusando aceitar nosso colo, resultado: Marília chorava de um lado e Ana do outro!
Na tentativa de animar-nos e convencer os parentes sobre o acerto do nosso gesto, gostava de repetir, como consolo para nós mesmos:
- As crianças terão a vida toda pela frente e nós, se não aproveitarmos agora, deixaremos passar a oportunidade das nossas vidas!
Lembro-me como se fosse hoje, chegamos a Londres no mês de maio, mês em que o frio começava a mostrar sua onipresença; uma garoa fria congelava nossas faces e dificultava, inclusive, a deambulação.
Tínhamos o endereço da Casa do Brasil (Lancaster Gate, 49) nas imediações do Hyde Park; tomamos um taxi no aeroporto Heathrow e fomos temerosos, à procura de guarida e, se não houvesse a vaga prometida, pelo menos alguma indicação de um hotel barato nas suas imediações, enquanto aguardaríamos ser chamados.
Felizmente, dois ou três dias depois, conseguimos nos alojar naquela maravilhosa casa mantida pelo governo brasileiro, onde as acomodações eram satisfatórias, com direito a uma refeição ao dia e com preços bem razoáveis; nosso dinheiro, resultado da venda que fizera de um carro, dinheiro das férias na faculdade e algumas economias que vínhamos fazendo já há algum tempo, era regrado.
Jamais iremos esquecer a Casa do Brasil, todas as vezes que voltamos a Londres fomos visitá-la e rever o seu Diretor, Sr. João Lourenço e sua família; infelizmente o tempo passou e um dia o Sr. João morreu e sua família voltou para o Rio de Janeiro; algum tempo depois a casa foi fechada (economia de divisas!).
Moravam ali cerca de 30 brasileiros, todos eles estudantes de algum curso nas universidades de Londres, havia um espírito de grande camaradagem entre o grupo, provavelmente devido, em parte, à saudade que todos sentiam do Brasil.
Alguns meses depois da nossa chegada, o casal de amigos Dr. Heitor Rosa e Consuelo foram para Londres, como nós, a procura de estágio em medicina e graças ao nosso relacionamento com a direção da casa, conseguimos vaga para os dois; foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, Marília e Consuelo faziam companhia uma a outra e Heitor e eu, divertíamos nos finais de semana a procura de programas gratuitos para os casais (Museus, galeria de artes, parques, jardins, etc.).
O escritor, sempre que pode, costuma mesclar nas suas narrativas ficcionais alguns fatos reais do seu cotidiano, foi o que fiz ao escrever alguns episódios da vida de Couto de Magalhães (Couto de Magalhães, o Último desbravador do Império – Ed. Kelps, Goiânia, 2005).
Os leitores que me deram a honra de ler meu livro devem se lembrar do episódio da chegada de Couto Magalhães em Londres; para os que não o leram, peço permissão para transcrever alguns trechos do mesmo:
“Em uma tarde de final de verão, início do outono europeu, segundo semestre do ano de 1876, o General José Vieira Couto de Magalhães desceu de um fiacre puxado por uma parelha de cavalos brancos. O local parecia que já lhe era conhecido, tantas foram as vezes que ele estudara o mapa de Londres, principalmente o daquelas imediações, perto do Hyde Park.
Voltou a consultar, em um pedaço de papel que conservara no bolso do paletó, o endereço que passaria, dali em diante, a procurar naquelas imediações; instintivamente tratou de ler o nome da placa sinalizadora da rua onde estava: Bayswater.
De acordo com as informações que recebera, ainda em São Paulo, a rua que deveria procurar estava localizada naquelas imediações; bastava, tão somente, seguir a Bayswater no sentido contrário de onde viera e ir contornando-a, seguindo o seu formato que imitava uma ferradura, até passar de frente a uma pequena igreja. Lateralmente à mesma se encontrava a Lancaster Gate; o número estaria bem visível no frontispício do pequeno edifício. Couto observou que todos os edifícios daquela rua e de todas as outras ruas da vizinhança eram praticamente iguais. O número 49 estava escrito com caracteres em branco, portanto bem visíveis, uma vez que a placa era toda azul esmaltada”.
Com podem ter observado, Couto de Magalhães “aportou na casa do Brasil”, onde morei em 1972.