MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 24 de abril de 2013

CONSTRANGIMENTO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS



                  É costume na Academia Goiana de Letras, embora não seja um dispositivo estatutário, permitir que o candidato a ser empossado em uma cadeira para a qual foi eleito, escolha, entre os membros do sodalício, aquele que vai saudá-lo na efeméride.
                  Não sei se a Academia Brasileira de Letras ainda mantém a tradição de que esta indicação seja feita pelo Presidente da Instituição, como acontecia nas primeiras décadas do seu funcionamento.
                  Na sessão de posse de um novo acadêmico, ocorrida no dia sete de janeiro de 1911, aconteceu um fato que deve ter trazido alguma contrariedade e, principalmente, constrangimento, não só aos acadêmicos que assistiam à sessão, mas, também aos convidados que lá estavam presentes.
                  Tomava posse na cadeira que pertenceu a Joaquim Nabuco o General e, posteriormente, Marechal, Dantas Barreto e, para saudá-lo, o presidente da ABL indicou o acadêmico e jornalista Carlos de Laet.
                  Não temos informação, porém, tudo indica que esta indicação foi “caso pensado”, pois, era sabido que Carlos de Laet tinha grandes restrições ao General Dantas, provavelmente não à pessoa em si, mas sim, ao que ela representava: era ministro da Guerra do Presidente Hermes da Fonseca, sobrinho do Marechal Deodoro da Fonseca, a quem Laet nunca perdoou pelas perseguições que sofrera após a proclamação da república (foi aposentado como professor do Colégio Pedro II e foi preso durante a revolta de 1893 no Rio Grande do Sul, pela sua estreita ligação com a Monarquia).
                   Mais dois fatos corroboraram para o imbróglio: O recipiendário, no caso o General, discursaria antes do orador encarregado de dar-lhe as boas vindas e a sua oração deveria ser, por norma da casa, de elogios ao ex-titular da cadeira que este deveria passar a ocupar, no caso Joaquim Nabuco, a quem Laet combatia, sem dó nem piedade, pelo fato deste antigo defensor da Monarquia, ter aceitado um cargo de embaixador do governo republicano (A vida literária no Brasil 1900, Brito Brota, José Olympio Ed., 2005).
                   Possuo vários volumes de discursos proferidos em posses acadêmicas na ABL e, por tal motivo, ouso afirmar que este discurso de Carlos de Laet foi um dos mais belos e mais bem construídos, literariamente falando, de toda a história daquele sodalício - foi irônico, poético e, sobretudo, mordaz.
                  Após a leitura desta peça literária, pode-se compreender a razão pela qual Machado de Assis, Rui Barbosa e Carlos de Laet, serem cognominados, na época, como a “tríade da suprema perfeição linguística”.
                  O preâmbulo da oração já sinalizava o desiderato do orador: “Por um impulso de modéstia, o General pondera que os sufrágios a ele concedidos, foram, na verdade, ao exército brasileiro. Escusai-me, General, nesse atalho da sua modéstia, ouso antepor-vos as resistências da verdade. O triunfo é vosso, não são os vossos títulos militares que vos dão entrada neste recinto”.
                   Após tecer considerações genéricas, porém sempre inclementes a respeito da obra literária do novo acadêmico: “A certo grupo o seu estilo há de parecer menos colorido, e talvez o léxico menos opulento, com orgias vocabulares. Vossos livros retratam o homem da vossa época, pois, participais das paixões e preconceitos, nem sempre isentos do influxo político”, Laet enfoca, com ironia, o livro publicado pelo General - Impressões militares: “Ao narrardes o abandono de Corumbá, ensejou que profligasse o descalabro do nosso exército monarquista, apenas confiado na muito apregoada sabedoria de um rei inimigo do exército.
                   Felizmente General, o senhor pertence ao número daquelas testemunhas que, citadas ou para a acusação ou para a defesa, em nada altera os fatos, pois, em outro lugar, do mesmo livro, encontro-o a bosquejar as ruínas do exército em 1894, cinco anos após o exílio do Imperador, portanto, deixai que disto, em prol da justiça, eu tire proveito e concedei-me que, ao menos, no descalabro de 1894, nenhuma culpa teve o Soberano”.
                  Ao comentar o livro Expedição a Mato Grosso, Laet volta, veladamente, a criticar o General-acadêmico “Referís ao tentame de restaurar um governador exautorado; nos lúgubres disparos que terminaram o pleito reconhecemos, entristecidos, o quanto falta de liberdade”
                  Já quase no final do discurso, quando ninguém pensava que pudesse surgir mais algum desacato, Laet resolve responder aos comentários, elegantes e protocolares, (diga-se de passagem), feitos pelo recipiendário a respeito de Joaquim Nabuco.
                  Reafirma a acusação de desertor, formulada na sátira “O embaixador” que ele produzira; pergunta ao General “como ele procederia, se na guerra, visse alguém abandonar a trincheira. Faria fogo! Fora o que ele fizera, com respeito a Nabuco. Um dia, em 1889, na última sessão da Câmara dos Deputados da Monarquia, eu ouvi Nabuco dizer de Ouro Preto - Ele assemelhou-se, na defesa dos seus compromissos, ao imóvel rochedo que enfrenta as águas do oceano, quedando imóvel, assinalando as raias do litoral. Sabeis o que houve depois!”. 
                O epílogo foi a repercussão na imprensa, com comentários desfavoráveis a Laet e à Academia; fora esta quem fuzilara Nabuco no tiro disparado por Laet.
                Finalmente a Academia fez estampar no Jornal do Comércio uma carta, declarando não se considerar solidária a tal opinião.
Oh tempos!‘

segunda-feira, 22 de abril de 2013

CHARLES DICKENS E SEUS PERSONAGENS ASMÁTICOS



 
               O escritor inglês Charles Dickens que viveu no século 19 (1812/1870) é considerado, por muitos apreciadores da literatura, o maior novelista da época vitoriana e provavelmente, ao lado de Shakespeare, o mais popular escritor da língua inglesa de todos os tempos.
                Viveu grande parte da sua vida em Londres, em plena época da revolução industrial, quando o ar era carregado de fumaça e “fog”, portanto prejudicial à saúde, principalmente às pessoas suscetíveis a problemas respiratórios, que era o seu caso, pois sofria de asma desde a infância.
                Dickens foi um inovador na literatura, foi o pioneiro no gênero de história (novela) semanal, cujos capítulos eram publicados em fascículos, em jornais de grande circulação e com uma inovação, aliás, seguida hoje pelos autores de novelas da televisão, ele acompanhava a reação do público aos seus personagens e, de acordo com isto, ele modificava as suas ações.
                Conta-se que sua esposa, ao acompanhar pelo jornal a desenvoltura da personagem Miss Mowcher no romance “David Coperfield” que apresentava problemas físicos que não melhoravam no desenrolar da trama e por ser ela, a sua esposa, uma quiroprática (especialidade que se propõe a tratar de problemas físicos com ginástica), provavelmente sentiu que ele estava fazendo propaganda contra a sua profissão. A partir desta intervenção, Miss Mowcher criou melhor desenvoltura física.   
                Dickens conviveu com a asma durante quase toda sua vida, e nas correspondências que mantinha com amigos e parentes, o tema era recorrente; citava as noites em que ele não conseguia dormir pela constante tosse e para tanto usava doses excessivas de opiáceos, que era o remédio popularmente utilizado no tratamento desta doença, naquela época.
                Para deixar claro o quanto este problema de saúde o incomodava, Dickens costumava acometer alguns de seus personagens com esta doença; o mais emblemático deles é o Sr. Omer, presente no seu livro autobiográfico – David Coperfield.
                A cena ocorreu quando o narrador (no caso Dickens) foi para a cidade de Yarmouth e lá se encontrou com o proprietário de um shopping (Sr. Omer) quando travaram o seguinte diálogo: (tradução livre, resumida).
                “Eu pude ver, dentro do shop, a figura de senhor Omer fumando um cachimbo, no salão perto da porta; entrei e perguntei-lhe como estava passando.
                Agradeço pela minha vida e pela minha alma, disse ele, acrescentando - como vai você? Tome uma cadeira; o fumo não lhe desagrada, eu espero! De maneira alguma, disse, eu gosto de ver pessoas fumando.
Por que não usa você mesmo? Após dizer estas palavras o senhor Omer começou a rir; você tem razão, é um mau hábito para um jovem. Eu fumo para minha asma.
        O senhor Omer manteve-se atencioso para comigo, ele agora estava sentado respirando profundamente, aspirando o cachimbo como se nele estivesse o  suprimento necessário para viver e sem o qual ele provavelmente morreria.
        Veja-me. Meu vento pode acabar a qualquer momento e eu não gostaria disto; eu sei para onde meu vento irá e quando ele consegue fazer isto é como um par de foles insuflando o ar”.
                Outro personagem  de Dickens que era asmático é Mr. Sleary, na novela “Hard Times”; este senhor, já idoso e etilista, era proprietário de um circo, tinha um gênio agradável e comunicativo e adotava uma interessante filosofia de vida: - A vida não pode ser somente para o trabalho e nenhuma diversão.
        Dickens, ao descrevê-lo, disse: -  Mr. Sleary, que tinha problemas com a  asma e cuja respiração parecia ser muito grossa e pesada, vinha lá do fundo, emitindo um som semelhante ao que acontece quando se pronuncia a letra S.
        As pessoas que fazem crítica literária, muitas vezes nos surpreendem pelas suas análises; conseguem perceber detalhes que o leitor comum na alcança; meu confrade da AGL, Prof. José Fernandes, um dos melhores críticos literários da nossa região, ao analisar o livro “Maya”, de autoria do nosso outro confrade Dr. Ursulino Leão, revelou-nos alguns detalhes intrigantes da trama que o autor havia escondido nas entrelinhas.
        Vez por outra, alguns destes críticos também exageram nas “descobertas”, não consigo me lembrar do nome do autor que “viu” na famosa frase - Por favor, senhor, eu preciso de um pouco mais! - proferida pelo pequeno herói de um dos melhores livros de Dickens (Oliver Twist), a revelação de uma crise asmática do autor.
        Segundo aquele crítico, o menino (no caso, Dickens), estava precisando de ar e não, mais comida, que era o que o menino (Oliver) estava pedindo ao cozinheiro do orfanato onde ele estava morando!
 
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sábado, 6 de abril de 2013

MARCEL PROUST E A NEUROCIÊNCIA






Quando lemos um livro, dificilmente percebemos o que existe nas suas entrelinhas a não ser que o leitor resolva pesquisar a vida do autor; nesta minha fase de inicio de vida na planície da existência, quando consigo mais tempo para  mim mesmo, tenho procurado, sempre que possível, descobrir o caminho que determinado escritor percorreu para escrever determinado livro.
            Um dos escritores mais emblemáticos é Marcel Proust, cujo conjunto de livros “Em busca do tempo perdido” é repleto de simbolismo e provavelmente é um dos trabalhos intelectuais de ficção mais extraordinários da literatura, tendo-o escrito quando estava confinado na cama em sua casa em Paris por problemas de saúde (asma), utilizou a única coisa que ele possuía naquela situação: sua memória, tendo então afirmado, “nossa vida é preguiçosa, nossa memória é sedentária”.
            Neste seu silencioso refúgio, Proust usou três quesitos na sua escrita: sua intuição, sua devoção por si mesmo e sua arte; ouvia seu cérebro, acabando por descobrir como ele funcionava, segundo ele dizia; neste seu livro ele descreve, de memória, instantâneos da sociedade parisiense, durante os seus dias de glamour e gloria.
            Algumas das suas afirmações, contidas naquele livro, como “A impressão é para o escritor o que a experimentação é para o cientista” continuam sendo repetidas nos dias atuais; algumas outras, como “nosso sentido de cheiro e gosto, são os únicos que são armazenados na memória” na época em que foi enunciada não tinha comprovação científica, porém, mostrou á luz da neurociência atual, estar correta, pois sabe-se que o gosto  e o cheiro são os únicos sentidos que se conectam diretamente com o hipocampo, o local do cérebro que arquiva memórias de longo tempo, ao passo que o tato, audição e a visão são processadas inicialmente no tálamo, porta de entrada do consciente; portanto, estes três sentidos são menos eficientes para recuperar o passado.
                 Este enunciado foi feito em 1909, cuja história é contada por vários de seus biógrafos; ouçamos o que diz George D. Painter (Marcel Proust, 2ª. edição, Ed. Guanabara): “Ao chegar a casa, após enfrentar a neve que cobria a rua, sentou sob o abajur para ler, ainda tiritando de frio. Sua criada Céline, forçou-o a tomar uma xícara de chá, acompanhada por um biscoito (Madeleine) que ele molhou no chá e levou aos lábios a mistura assim umedecida; de imediato ele foi assaltado, para sua alegria, pela memória inconsciente; procurando reter o gosto na sua boca, ele meditou, até que de repente as portas da memória se abriram. Voltou-lhe à lembrança o jardim de seu tio-avô Louis Weil em Auteuil e os mesmos biscoitos molhados no chá aquele lhe oferecia nos anos de 1880, quando Proust ainda era criança.
            Não se tem informação se Proust chegou a ler os trabalhos de Freud sobre este tema, porém, com certeza ele já havia lido, por volta de 1905, como afirmam vários de seus biógrafos, alguns livros sobre doenças nervosas, tendo ficado muito interessado na teoria de que o inconsciente seria o responsável por várias doenças.
             Estou, atualmente, bastante envolvido no trabalho de escrever um ensaio sobre a vida de Freud, particularmente na análise do seu “leitmotiv” para pesquisar o mundo do cérebro e suas relações com a vida das pessoas e com os costumes da época em que ele viveu em Viena e que culminou com descobrimento da nova ciência que ele denominou de psicanálise.
            Se eu fosse desafiado a descrever, em poucas linhas, o pensamento de Freud, faria um resumo da discussão sobre o tema “memória do inconsciente” no cotidiano das pessoas, pois a partir das suas descobertas, o homem perdeu o domínio completo das suas ações; havia algo, que até então não se conhecia (o inconsciente) e que Freud denominou de “Id”; esta “entidade” nunca é vista, no entanto, nos dirige nos momentos de vigília e assume o controle absoluto da nossa mente nos momentos dos sonhos.
            Algumas pessoas são mais geniais que outras; Freud enfrentando todas as resistências e preconceitos da época, tinha certeza que suas observações deveriam ser levadas às últimas consequências e ele estava certo. Proust, ao analisar este episódio “chá com madeleine”, como ficou conhecido na literatura e compará-lo com o que ele escrevera sobre a natureza da criação artística alguns dias antes, quando afirma, entre outras coisas que “Aquilo que o intelecto restaura em nós sob o nome de passado não é o passado”, o  “inconsciente é a própria realidade, liberta da máscara do tempo e do hábito, pois no momento em que a vivemos ela não está presente em nossa memória, mas cercada de sensações que a sufocam”.
            Mais Freudiano, impossível!