Discussão sobre Crônicas – (parte III)
Ao pesquisar sobre o
assunto “crônica“, confesso que fiquei assombrado ao ler o que disse o escritor
e jornalista Gustavo Corção na sua página no Diário de Noticias do Rio de
Janeiro em outubro de 1958; simplesmente ele disse que Machado de Assis nunca
foi cronista, se levarmos em consideração os verbetes dos dicionários que ele,
Corção, consultou a respeito da expressão “crônica”.
Naquele artigo Corção tece comentários, aliás, bastante
elogiosos, a respeito das “crônicas” publicadas por Machado de Assis nas
páginas do folhetim “A Semana” quase que semanalmente e durante mais de 20 anos
(1876 a 1897), acabando por propor, na tentativa de conciliar o que ele disse
com o que sempre representou Machado, dividir a crônica em duas categorias: de
um lado as crônicas que se submetem aos fatos do cotidiano e do outro lado as
que tomam os fatos do cotidiano como pretexto para divagações que escapam à
ordem dos tempos.
Após ter lido (um grande número delas) as crônicas de
Machado de Assis, sou forçado a aceitar que as crônicas do “bruxo do Cosme
Velho” se enquadram, aceitando a divisão proposta por Corção, naquela segunda categoria
de textos; embora Machado procurasse seguir à risca as normativas da feitura das
suas crônicas, ele não se submetia ao calendário, às tendências em voga; ele
procurava encontrar a eternidade nas coisas efêmeras que merecem nossa atenção,
mas quando reclama toda nossa atenção, enfatiza ele, merece riso.
Vejam, a propósito, o que ele escreveu na sua crônica de
10.7.1892 “...Não gosto que os fatos nem
os homens se imponham por si mesmos. Tenho horror a toda superioridade. Eu é
que hei de enfeitar com dois ou três adjetivos, uma reminiscência clássica e os
mais galões de estilo; os fatos eu é que os hei de aclamar transcendentes; os
homens, eu é que os hei de aclamar extraordinários”.
Suas crônicas, repito com Alvaro Lins (História Literária
de Eça de Queiroz, 1939) “refletem seu
interesse pelos acontecimentos narrados pelos jornais e por todos os
acontecimentos do mundo; ele é curioso com o desenrolar destes acontecimentos,
porém sua visão não é míope ao ponto de ver coisas maiores nas coisas menores;
por isto que suas crônicas não envelhecem e é por isto que envelhecem depressa
as crônicas que se submetem aos prestígios da atualidade, cuja dinâmica
massacra os escribas que são apegados exclusivamente à narração do cotidiano
recente onde tudo é novo, novíssimo, tão novo, tão novíssimo que tem de ser
dito às pressas, anunciado às carreiras, antes que a novidade vire papel de
embrulho. Não há nada mais velho do que a novidade de ontem”.
Fundamentalmente, o que tornou
perene os escritos de Machado de Assis é o seu estilo inconfundível e que,
aliás, foi definido por ele mesmo: “O cronista, na sociedade ocupa o lugar do
colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se
sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo
lhe pertence, até mesmo a política”.
Todos nós, os escritores, temos
ideias, ideal de beleza, concepção de vida; transmitimos estas nossas emoções
aos leitores por intermédio de nossos escritos, porém, o fator diferencial é
sempre o estilo que imprimimos à nossa escrita.
O estilo não se adquire, é um dom
pessoal, não se modifica com o tempo, o escritor poderá tornar o seu estilo
mais belo, mais requintado, porém, nunca o recriará, ele será sempre o mesmo
desde as primeiras páginas; segundo Eça de Queiroz “é pelo estilo que o ser se
realiza, se fixa e permanece”; acode-me, para enfatizar o que afirmo, o
escritor Álvaro Lins ( já citado) que diz: “É fácil verificar como
desapareceram todos os escritores que não foram naturalmente portadores de
estilo. As suas palavras deixaram de corresponder aos fatos, aos sentimentos,
às ideias – a consequência fatal de todos os estilos artificiais”.
O estilo de Eça de Queiroz
continua muito perto das gerações que não o conheceram, tão moderno e tão dos
nossos dias, até mesmo o seu “cacoete” no uso constante do ponto de exclamação
que poderia causar algum mal estar pela desnecessidade do seu uso, tendo em
vista que hoje em dia os leitores não se assustam diante de quase nada do que
acontece no cotidiano das pessoas; leva-nos a entender a ingenuidade ou o
entusiasmo do artista.
Infelizmente não tenho suficiente
conhecimento de crítica literária para analisar o estilo de Eça de Queiroz; recorro-me, mais uma vez, ao escritor e
crítico literário Pernambucano Álvaro Lins
que diz, entre outras coisas “Quando a palavra o desagrada ele busca uma
palavra nova, não existe na língua portuguesa esta palavra? Eça procura-a na
Francesa; fugia das palavras antipáticas e solenes para se socorrer de palavras
modestas e discretas. Não queria exprimir em gritos!”.