MINHAS CRÔNICAS

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

DEIXE-ME CONTAR ENQUANTO ME LEMBRO



                          

                               VIAGEM ALFENAS / SÃO PAULO                                                                                       
                                                                         



                          Abril de 1957. Esta data eu nunca poderia esquecer, pois ficou marcada, de maneira definitiva, em minha vida. Separou duas fases: a procura de novos caminhos e o sepultamento de um passado marcado pelas dificuldades existenciais, porém, cheio de encantamento e boas recordações.
                         Sr. Zequita Barbosa, meu carinhoso amigo de todas as horas, embasado na amizade pessoal com a direção do Banco Nacional, conseguiu minha transferência para Curitiba, estuário final das minhas esperanças.
                          Na semana que antecedeu à viagem, ouvi as opiniões de todos os colegas mais "viajados", Heitor Taylor do Prado, Fernando Martiniano, Boanerges e Geraldo Olinto Pereira.
                          Sentia, naqueles conselhos, uma preocupação muito grande para com o menino que se aventurava para tão distante, sem nunca ter, ao menos, saído de Alfenas, a não ser para algumas cidades da redondeza, num raio de, no máximo, 50 quilômetros.
                          São Paulo era aterradora, havia desconfiança e o medo do desconhecido; Heitor conversou com o Sr. Carin, proprietário da jardineira que estava inaugurando a linha direta Alfenas/São Paulo, pedindo que ele cuidasse de mim na chegada em São Paulo, pois, sendo menor de idade, teria dificuldades  até para arranjar hotel para dormir.
                          Fernando ensinou-me várias coisas sobre viagens, inclusive a maneira de se identificar um táxi, caso fosse necessário.
                          - Todo táxi tem a chapa branca, ensinou-me ele, basta você levantar o braço e gritar: "taxi", que ele para; não se esquecer de combinar o preço antes ...  Este conselho, infelizmente, não foi entendido como devia, pois, embora não tendo precisado de um, procurei identificá-los no trânsito infernal de São Paulo e não consegui; só algum tempo depois foi que descobri que estava à procura de um carro de “faixa branca oficial”, os usados pelas  autoridades.
                            A viagem foi muito cansativa, mais de 12 horas, parando em quase toda cidade e lugarejo do trajeto; não fazia mal, a emoção e a ansiedade pela procura do desconhecido conseguiram suplantar o desgaste físico.
                          Vez por outra, atendendo as recomendações recebidas, Sr. Carin vinha consultar-me se estava precisando de alguma coisa; sentia plena confiança com aquelas demonstrações de carinho.
              Dificilmente descia da jardineira, aproveitava as paradas para saborear a "matula" que Lucy, minha irmã, havia preparado (farofa de frango, bolo de fubá, doce de leite e sanduíche de mortadela).
                         Quando chegamos a São Paulo estava começando a escurecer, abri a janela e não tirei os olhos do trânsito absurdamente movimentado; eu tinha informações a este respeito, porém, confesso  que  a realidade ultrapassou a expectativa. Inacreditável ! ...
                        A Estação Rodoviária funcionava na esquina da Avenida São João com a Avenida Ipiranga, desci da jardineira com total insegurança, parecia um conto de fadas ou um sonho. Nunca havia visto tamanha movimentação de gente e veículos; tive vontade de voltar para dentro do carro e aguardar o retorno para Alfenas. No entanto precisava continuar, não poderia decepcionar meus amigos, meus  parentes  e  fundamentalmente a  mim  mesmo.
                        Peguei minhas duas malas e não as soltei mais, parecia que haviam sido coladas em minhas mãos (cuidado com os ladrões na rodoviária... eles conhecem os marinheiros de primeira viagem... não converse de maneira alguma com estranhos... etc.); estas recomendações agitavam minha cabeça  de maneira desproporcional aos  "perigos"; parecia que todos ao meu redor queriam  roubar-me ou coisa parecida.
                        Sr. Carin indicou-me o hotel onde deveria pousar naquela noite, bem em frente à Rodoviária, no outro lado da rua.
                        - Vá para lá, aguarde-me até eu conseguir fazer todas as coisas necessárias aqui com a jardineira.
                       Com as duas malas presas às mãos comecei a longa caminhada no sentido de tentar atravessar a Avenida Ipiranga; nesta hora começou uma chuva fina e fria, precedida de um vento suave no início e que, à medida que o tempo ia passando, tornou-se mais agressivo.
                       Abri o guarda-chuva, segurando-o com a mão esquerda, fazendo com isto um enorme sacrifício para colocá-lo por sobre a cabeça, pois, havia a necessidade de, também, alçar a mala deste lado.
                       Tentei, seguramente, durante uns vinte minutos sair da calçada; quando colocava o pé no asfalto vinha um carro e outro e outro; parecia, num determinado instante, que havia diminuído o número de carros; nova tentativa e debalde; provavelmente, a dificuldade era alimentada pela insegurança, aliada ao fato de ter que me movimentar com as duas malas e o guarda-chuva aberto.
           Não sei se a água da chuva me daria um banho maior do que o provocado pelos pneus dos carros ao passarem pelas reentrâncias do asfalto; não havia alternativa, tinha que atravessar a rua; enchi-me de coragem e, correndo, consegui chegar até a "ilha" da avenida. Metade do percurso havia sido vencido.
                        A chuva aumentou de intensidade e o vento agora açoitava de maneira impiedosa; não demorou nada e o guarda-chuva  "virou do avesso", dando-me, com toda certeza,  uma aparência  grotesca: às voltas com as duas malas que estavam ficando encharcadas e, por serem de papelão, começaram a se desmanchar a olhos vistos. Agora os carros passavam dos dois lados e, por consequência, jogavam água em dobro.
                        Novamente enchi-me de coragem e atravessei a outra metade da  rua!
                         Chegando ao Hotel Rodeio (será que era este o nome?), identifiquei-me como sendo amigo do Sr.Carin, o que não adiantou muito, pois, segundo o porteiro, esta pessoa não era conhecida.  
                         - Mas como, você não conhece o Sr. Carin, proprietário da jardineira de  Alfenas?
                         - Pode ser que até o conheça, porém o nome não me é familiar.
                          - Ele me mandou vir hospedar neste hotel, daqui a pouco ele passa aqui para assinar minha ficha.
                          - Você pode aguardar aí, porém, sem assinatura dele, não podemos hospedá-lo, por você ser menor de idade.
                          Os minutos passavam com grande velocidade, minha ansiedade aumentava cada vez mais. E se ele não vier? O que farei para dormir?
                          Esperei um tempo razoável e como Sr. Carin não aparecia, resolvi tomar outra providência; voltar à rodoviária à sua procura, antes que  fosse  muito  tarde.
                        - Deixe as malas aqui, nós vigiamos para você.
                         Os conselhos recebidos ainda estavam muito recentes para serem esquecidos; como poderia confiar em pessoas que nunca vira antes?
                          Peguei as duas malas e voltei à rodoviária, repetindo neste trajeto todas as dificuldades anteriores, com a única diferença de que agora resolvi assumir, de uma vez por todas, a chuva e não abrir o guarda-chuva.              Grande foi o meu espanto ao chegar ao guichê da estação e deparar com o Sr. Carin no maior "papo" com outras pessoas, aparentemente esquecido da minha presença do outro lado da rua, aguardando-o com ansiedade.
                    - Vamos lá, garoto! Disse ele ao ver-me
                     O retorno, agora guiado por quem conhece as "manhas" do trânsito, foi muito mais  fácil.
                      Registrei-me no hotel, deram-me um apartamento de frente para a Avenida  Ipiranga; passei a noite toda debruçado na janela, incrédulo com a movimentação que via. No outro dia segui para Curitiba, porém, esta é outra história ...                       

domingo, 22 de setembro de 2013

Cartas de Amor que escrevi

                 Dias destes, como fazemos a cada 15 dias, fui almoçar com um confrade (o advogado Dr. Eurico Barbosa) da Academia Goiana de Letras, unicamente para nos reencontrar e discutir, com prioridade, tertúlias literárias.
                      Lá pelas tantas, Eurico traz à baila o assunto “internet”, com todas as suas implicações, principalmente o seu uso exagerado pelo público jovem, por intermédio das “redes sociais”.
                      Eurico chama a atenção para o fato de que a juventude está de tal maneira envolvida com esta parafernália que chega a lhe preocupar; preste atenção, diz ele, “ na sua própria casa, as crianças e os adolescentes, dificilmente sentam-se com os adultos, mesmo com os parentes, para conversarem – preferem o magnetismo do telefone celular conectado à internet”.
                     O estilo de escrita que eles usam, falo eu, poderá ser até ininteligível para quem não está acostumado; a grande maioria das palavras são grafadas por abreviaturas (rs-sorriso; rsrsrs-gargalhada; tb-também) etc. 
                     Este fenômeno está acabando com a “carta” coloquial, tão ao gosto da população até há poucos anos; hoje em dia, quando queremos nos comunicar com um amigo, utilizamos o correio eletrônico (e.mail) que, por comodidade na hora de se digitar, são resumidos, desaparecendo, por completo, os enfeites literários nas frases; o romantismo das cartas de amor que originariamente foram escritas manualmente, só são encontradas, hoje em dia, em antigos livros, escondidos nos “sebos”.
                     Não sei se é verdade, nunca havia visto esta citação atribuída a Einstein - meu grande medo, teria dito ele, é a possibilidade da tecnologia avançada isolar as pessoas no futuro; esta citação é ilustrada com uma fotografia onde se vê cerca de 15  jovens sentados ao redor de uma mesa, todas elas vivendo seus mundos particulares, com os olhos e os dedos grudados no “smart fone”, parece que desconhecendo a presença dos seus possíveis amigos.
                     Ao voltar para casa, ainda bem presente o eco daquela discussão, procurei a gaveta onde arquivo as cartas coloquiais que recebi ou enviei aos amigos; deparei-me com a que transcrevo no texto e convido os amigos leitores a lerem comigo; antes disto, preciso informar que o Prof. Basileu era meu amigo de muitos anos (infelizmente já é falecido),  morava perto da minha residência e, de vez em quando, escrevia-lhe cartas e, ao invés de enviá-las pelo correio, entregava pessoalmente para o porteiro do seu prédio.
                   Permitam-me, também, que explique um pouco mais a razão desta carta; havia chegado de uma viagem à Turquia, onde tive a oportunidade de conhecer Éfeso, cidade onde viveram e pregaram o cristianismo, Paulo de Tarso e João Evangelista e, ao comentar com ele este episódio, mostrou-se interessado em saber mais detalhes; observem que o obriguei, pela curiosidade que deverei  lhe ter despertado, a procurar, por si mesmo, mais informações a respeito do assunto, além, de “viajar” na sua companhia para o ambiente que ele tanta gostava, a natureza!

Ao mestre, com carinho!
Prof. Basileu Toledo França

                   Infelizmente, por motivos alheios à minha vontade, não pude estar presente na solenidade de lançamento do seu  livro “Velhas Escolas”.
                   Gostaria, no entanto, de ressaltar que mesmo distante  (estava em Cuiabá naquela oportunidade), pensei no senhor, com carinho e muita admiração. Goiás deve muito à sua pena inteligente e lúcida.
                   Parabenizo-o com sinceridade!
                   Semana passada estive novamente na Santa Tereza, lembrei-me muito do senhor; pelo milagre da telepatia, “conversamos” sobre vários assuntos, alguns deles prazerosos para mim, como as suas dissertações sobre a história de Goiás, em outros, somos irmãos de sentimentos:
- O mundo da natureza!
                   Chovia, chuva miúda, porém constante; sentamos à varanda, estiramos as pernas com comodidade; por alguns instantes, permanecemos calados, somente ouvindo o som da natureza. De repente o céu tornou-se mais escuro, o vento começou a açoitar as árvores, no inicio com delicadeza, depois se tornou mais agressivo, vergando o caule dos eucaliptos, até com alguma selvageria. A natureza das suas raízes suporta este açoite com galhardia e obstinação.
           Daqui, de onde “estamos”, pode-se ver, ao fundo, uma fileira de árvores, dispostas como se fossem as garbosas e seculares colunas de “Mercantile Agora”, erigidas no século 1º da nossa Era, em Éfeso, na Turquia.
                   Certamente, estas nossas arvores não serão perenes como aquelas, porém o simples fato de permitirem que desfrutemos hoje da sua companhia valeu a pena terem sido plantadas. Se, no futuro, ficar apenas o registro das suas presenças no pretérito, desejaríamos que estas lembranças fossem comparáveis, pelo menos no plano temporal, à famosa Coluna de Artemis que, embora isolada do contexto das ruínas do Império de Píndaro, permanece imponente, informando aos curiosos que ali foi erigido um templo.
A chuva diminui de intensidade, gradativamente vai cessando;
alguns pássaros reiniciam seus diálogos que haviam sido interrompidos; uma rosa balança no canteiro bem perto da nossa casa, a brisa que passa rasante ao seu caule, movimenta-a com delicadeza.
Um perfume suave chega até onde estamos!
          Volto a sintonizar com o meu mundo real, obrigando-me a interromper nosso “diálogo”.
 Ficou a certeza da sua possibilidade.
         Seu amigo Hélio Moreira