MINHAS CRÔNICAS

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

LONDRES, OS JORNAIS E OS ESCÂNDALOS

Em 1972, ainda bem jovens, Marília e eu tivemos uma experiência maravilhosa em nossas vidas, vivemos em Londres por seis meses; fui fazer um curso de pós-graduação na minha especialidade no hospital São Marcos, na época a referência mundial para o estudo das doenças coloproctológicas.

Dentre tantas coisas agradáveis que nos aconteceram durante aquele interregno de tempo, lembro-me de um fato, aparentemente trivial do nosso dia-a-dia, mas que ficou marcado nas nossas lembranças; uma ou duas vezes por semana, após encontrarmo-nos no centro de Londres (Oxford Circus), vindo cada um de nós das suas jornadas de atividades (Marília do curso de inglês e eu do Hospital), pegávamos o metro e descíamos na estação Lancaster Gate, nas imediações do Hyde Park, de onde caminhávamos até um “pub” que havia naquelas imediações, onde ficávamos durante algum tempo discutindo nossas atividades do dia, falando da saudade dos nossos filhos e familiares, tudo isto misturado com uma ou duas “larger” (cerveja inglesa servido em copos-tulipa).

Foi um tempo venturoso das nossas vidas, deixamos nossos três filhos,( Ana Paula com apenas 7 meses de idade) aos cuidados de minha irmã Junia e fomos cumprir nossos destinos, Marília foi corajosa, como sempre tem sido, enfrentou a resistência da família ao assumir tal responsabilidade de deixar para trás os filhos tão pequenos; quando éramos questionados, respondíamos, em uníssono: Nossa chance é agora, nossos filhos terão a vida inteira pela frente para realizarem seus sonhos, não sabemos se teremos outra oportunidade.

Só para se ter uma pálida idéia do nosso “desatino”, quando voltamos Ana Paula não nos reconheceu, resultado: a filha chorava de um lado estranhando a mãe e Marília, por sua vez, chorava de tristeza por não ser reconhecida como mãe. Foi difícil!

Voltando aos nossos encontros no “pub Swan”, hoje temos a noção adequada do que ele representou para nós dois, sentávamos em uma mesa localizada em um dos cantos do “botequim de ricos” como o chamávamos, sem condições de conversar com nenhum dos seus frequentadores por não conhecê-los e, principalmente, pelo fato de que o Inglês, normalmente, não se aproxima, respeitando a individualidade de cada pessoa.

Sempre que podemos voltamos a Londres e quando que isto acontece, visitamos o “pub Swan”; de vez em quando nos damos conta de estarmos no mesmo romântico ambiente que foi palco, na década de 1960, do chamado “Escândalo Profumo” que abalou os alicerces do governo inglês na época.

Conto-lhes a história: John Profumo era secretário de Estado para assuntos de guerra no governo conservador de Harold Macmillan desde 1960; em 1961 ele conheceu em uma festa, a garota de programa chamada Christine Keeler, iniciando ali um caso amoroso entre os dois. O escândalo ganhou as manchetes de jornais pelo fato de que Keeler tinha, também, um relacionamento com um oficial que era adido militar da embaixada russa em Londres, de nome Eugene Ivanov.

Como o mundo vivia naquela época, uma das piores fases da guerra fria, as possíveis ramificações para a segurança nacional foram muito graves, levando, inclusive a derrubada do gabinete, com a vitória do partido trabalhista.

Pois bem, o casal Keeler e Profumo, segundo a imprensa noticiou na época, freqüentava o “pub Swan” com alguma freqüência, provavelmente, sentaram-se ao redor de alguma daquelas mesas que sentamos, perdidos no anonimato e pela escuridão da fumaça dos cigarros dos frequentadores.

Dias passados resolvi consultar, pela internet, algumas edições do jornal conservador Londrino “Daily Mirror” para observar a sua reação frente àquele escândalo; no dia 23 de junho de 1963, aquele jornal estampa, como manchete de primeira página: “O Príncipe Philip e o escândalo Profumo – Rumor é absolutamente infundado” , em vão procurei nas páginas do jornal, alguma explicação para o que o Príncipe estaria querendo dizer com a palavra rumor, porém, foi debalde .

Intrigado pela falta de detalhes lembrei-me de um ensaio que li no “London Review of books – 2009” onde o autor (Jenny Diski) dá uma explicação a respeito da conduta da imprensa londrina em casos semelhantes a este; o autor nos remete ao ano de 1930, quando a BBC de Londres definiu alguns parâmetros a serem seguidos pela imprensa considerada popular e da família, dentre estes sobressaem: “Não deve ter compromisso com assuntos duvidosos, deve-se banir os que provoquem piadas a respeito de banheiros, com a feminilidade do homem, imoralidades, assuntos sobre roupas intimas das mulheres, discutir a lua de mel de casais; na dúvida, cortar o assunto...”.

Após estas explicações posso entender, mais ou menos, a notícia do jornal; não se pode ser muito explícito, porém, é necessário deixar “no ar” alguma coisa escondida entre as palavras, para que o jornal seja vendável; quando o Príncipe Philip, esposo da Rainha Elizabeth II faz o comentário, subentende-se, também, que ele conversou com Sua Majestade sobre o assunto, tornando para os ingleses, muito excitante esta constatação (a rainha conversando sobre assuntos mundanos!) .

Quando o homem comum leu o jornal na hora do café da manhã o texto que explicava a manchete: “homens mascarados fazem algazarra com mulheres ao redor da piscina de uma casa de festas”, apesar de não especificar quais eram os homens que estariam com Profumo e o que faziam na piscina, deixa por conta do leitor a formulação das hipóteses; este, por saber das discussões que se arrastavam na imprensa, conseguiu ver nas entrelinhas o que acontecia naqueles encontros, porém, não tece comentários com a sua esposa, pois assuntos imorais não devem ser levados para o interior dos lares; ela finge que ignora o assunto e depois irá discuti-lo com a vizinha ao redor da cerca do jardim e os dois, marido e mulher, acreditam que os seus filhos não entendem nada destas coisas.

A segunda guerra mundial foi importante para diminuir na imprensa o tabu das divulgações a respeito de assuntos sobre sexo, nesta linha o jornal “Sunday Pictorial” publicou um suplemento para ajudar os pais a explicar aos filhos como nascem as crianças, vejam e acreditem, pois está publicado:

“O esperma do homem, semelhantemente aos animais de quatro patas, está depositado em uma pequena bolsa. O pai coloca o esperma no corpo da mãe, da mesma maneira que os animais fazem”; o mesmo jornal, com o intuito de manter a linha oriunda da BBC, estampou em manchete em 1955 “Mulher virgem dá a luz – Médicos confirmam, não é necessário a presença do homem para se fazer uma criança”.

As duas edições do jornal, à seu tempo, venderam com as manchetes sobre sexo, a primeira com a educação e a segunda com fantasia.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DESINFORMAÇÕES “PLANTADAS” PELA MIDIA DURANTE A 2ª. GUERRA MUNDIAL


Sempre que tenho oportunidade, gosto de adquirir revistas e jornais antigos (quando falo em antigo, estou considerando, no mínimo, 50 anos atrás); o lugar ideal para encontrá-los são aquelas pequenas bancas (bouquins) de jornais, revistas e livros antigos localizadas nas alamedas ao lado do rio Sena, em Paris

Quantas vezes, sempre na companhia de Marília, minha mulher, me esqueci do tempo percorrendo aquele logradouro; o prazer de “bouquinar” (expressão cunhada por Alceu Amoroso Lima, provavelmente em 1958, no seu livro “Cartas do pai” e que é o aportuguesamento, segundo ele, de “bouquins” e que quer dizer, folhear livros e revistas antigas) é difícil de expressar, parece que num passe de mágica nos transportamos para as datas das suas publicações e, forçosamente, somos levados a comparar as noticias (no caso de jornais e revistas) que foram publicadas naquela época, com alguns acontecimentos posteriores, principalmente os históricos.

Semana passada, aqui na biblioteca da Santa Tereza, resolvi folhear um exemplar da revista Time, como sabemos, uma publicação norteamericana; tratava-se do número de fevereiro de 1945, cuja capa ostentava a figura (desenho) do líder nazista Heinrich Himmler, criador da Gestapo, Ministro do Interior e Ministro da Defesa do Reich e criador das temíveis guardas de elite encarregadas da proteção de Adolfo Hitler, conhecidas pela sigla SS.

Pela data da publicação e pela capa, fica claro que quase todo o exemplar é dedicado aos assuntos da segunda guerra mundial, naquela época, quase que no seu final, pois estava se aproximando a queda de Berlim, último bastião da defesa alemã.

É curioso observar algumas notícias divulgadas por aquela revista, principalmente quando é destacada a figura que foi estampada na sua capa (Himmler); provavelmente, como arma de guerra (propaganda tendente a dividir o inimigo) sua imagem é desenhada com força superior a de Goebbels (Ministro plenipotenciário para todos os esforços de guerra do Reich), nominando-o, inclusive, de assistente de Himller.

Noticias oriundas da Suíça e da Suécia dão-nos conta, diz o repórter da revista “que Himmler foi ao quartel geral de Hitler e disse, na sua presença, impropérios contra os Generais da Wehrmacht (ocorrência, como se sabia na época, inaceitável por Hitler)”, este mesmo repórter informa que no atentado sofrido por Hitler em julho de 1944, “Himmler percebeu com antecedência a trama e colocou um sósia no lugar de Hitler para sofrer o trauma para depois descobrir quais eram os conspiradores e substituí-los por oficiais leais a ele” , porém, adianta o repórter, com a clara intenção de dar maior veracidade ao que estava dizendo, “esta versão não é corroborada por informações de três padres jesuítas que chegaram a Roma, vindos da Áustria, quando disseram que Hitler estava bastante ferido em um monastério localizado nas vizinhanças de Salzburgo, apresentando-se completamente apático e até com idéias avariadas”. Se a situação alemã já estava complicada, imagine o clima de desconfiança que deve ter surgido após estas informações cruzadas; se o chefe supremo estava “ apático e com idéias avariadas”, não teria, está querendo dizer o repórter, condições de continuar comandando a nação.

Provavelmente, a mais intrigante “informação” da revista é a de que Himmler estava preparando uma guerra de guerrilhas para o caso dos aliados ocuparem a Alemanha; esta informação estaria baseada, inicialmente, nas palavras do próprio Secretário Britânico das Relações Exteriores, Mr. Eden, que disse no Parlamento Britânico, no mês de setembro de 1944 “Himmler está fazendo preparativos para organizar uma resistência contínua durante a possível ocupação da Alemanha pelos aliados”

A revista envenena um pouco mais o texto com as seguintes informações adicionais : “Himmler usa muito do seu tempo arregimentando nazistas fanáticos para a guerra de guerrilha, já contando com mais de 500.000 voluntários e os planos já estão estruturados; os guerrilheiros iriam se esconder nos Alpes, onde armazenariam imenso estoque de comidas e munições e de lá desceriam para as cidades e se esconderiam nos túneis dos metrôs, pois ali, tinham algumas vantagens, dentre elas o apoio da população que vive do lado de fora”; como se vê, este é um plano mirabolante para desacreditar a liderança Alemã perante a sua população e, sobretudo, deixá-la insegura quantos aos rumos da guerra, pois já se planejavam ações pós-derrota.

No entanto, para mim, a mais estapafúrdia noticia (se compararmos com o que aconteceu depois), foi o plano, segundo informação da revista, que estava sendo atribuído aos Soviéticos, especificamente a Stalin, e que envolvia a figura do Marechal Alemão, Von Paulus.

Para que os leitores possam entender um pouco mais do que estamos falando, gostaria de dizer que o Marechal Von Paulus foi um militar de carreira que lutou, também, na 1ª. guerra mundial e na época da segunda guerra era o comandante do 6º. Exército alemão e nesta posição era muito admirado por Hitler, tendo, inclusive, recebido deste, a medalha de herói da pátria alemã.

No final do ano de 1942 ele chegou a ocupar 90% de Stalingrado, porém, devido à luta inacreditável da população em defesa da cidade, ele acabou por se render e foi preso em janeiro de 1943, tendo sido, antes disto, recebido sugestão de Hitler para se suicidar, o que ele se recusou a fazê-lo.

Apesar destes acontecimentos, era um homem muito respeitado pelas tropas e principalmente pelos seus pares, os oficiais; em 1944 ele descobriu que os oficiais, alguns deles seus amigos, que perpetraram o atentado contra Hitler (julho de 1944), foram condenados à morte; a partir daí ele passa a apoiar um movimento que já existia dentro da Alemanha contra Hitler, dando entrevistas antinazistas, pedindo aos oficiais que desertassem e não obedecessem as ordens Hitler.

Pois bem, a revista Time, em um “furo de reportagem” informa que Von Paulus fazia parte, devido à sua liderança, dos planos de Stalin para conquistar a Alemanha; ele deveria convencer as forças armadas e o povo alemão a derrubar Hitler!

Ao analisar a sequência daqueles acontecimentos e, como observador atento da história das guerras, há de pairar, sempre, alguma dúvida a respeito das noticias que são veiculadas pela imprensa, restando repetir a frase tão conhecida: A história é sempre contada pelos vencedores!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O MÉDICO É O VILÃO, NO BRASIL, DO CAOS NA ASSISTÊNCIA MÉDICA

A questão da saúde pública no Brasil sempre tem sido um problema que se arrasta por muitos anos e não vejo, sinceramente, solução à vista.

Há cerca de uma semana esteve no Brasil o Dr. Ezekiel Emmanuel, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH); nesta oportunidade ele deu algumas declarações, no mínimo polêmicas, para dizer o mínimo.

Não vou entrar no mérito do tema, provavelmente o mais angustiante da sua manifestação, ou seja, o problema da eutanásia, pois exigiria, só esta temática, uma discussão mais abrangente, inclusive sobre a bioética, que foge ao interesse deste texto.

Gostaria de discutir alguns aspectos da questão financeira da saúde nos Estados Unidos que foram por ele abordados e que não são exclusividade daquele país, mas sim do mundo todo, provavelmente mais agudo no Brasil, pela inserção na nossa constituição de que “A saúde é um direito de todo cidadão e um dever do estado prover este direito”.

Recentemente, durante viagem que fiz ao Canadá, tive oportunidade de discutir com um médico americano a respeito desta problemática; afirmou-me ele que os Estados Unidos gastam em saúde cerca de cinco bilhões de dólares POR DIA (governo e a população), e o que é mais inquietante, à medida que o tempo passa, com o envelhecimento progressivo da população e, principalmente, pelo uso de medicamentos e aparelhagens cada vez mais sofisticados, tanto para diagnóstico como para tratamento das doenças, estes valores tendem a aumentar de maneira assustadora.

Contou-me que no Hospital onde ele trabalha (Hospital Universitário), instituição que recebe a população que não consegue pagar os planos de saúde (seriam os nossos indigentes sociais) o problema está causando sérios transtornos para o seu corpo diretivo, pois que aumenta, cada vez mais, a pletora de pessoas que estão enquadradas nesta situação (preço dos planos de saúde cada vez mais caros, desemprego e, principalmente, a presença avassaladora, na sua região, do imigrante irregular).

Dados atuais revelam que cerca de quarenta milhões de pessoas estão incluídas neste manancial de dependentes exclusivos do governo americano; resultado, naquele hospital onde trabalha este meu amigo, as filas de pacientes aguardando vaga para tratamento são inacreditavelmente longas; há casos de até um ano de espera para se submeter a uma cirurgia de vesícula; estes fatos lembram-nos o que vemos aqui no Brasil.

Não há reclamação? A imprensa não divulga estes dados? O povo não grita?

Candidamente ele me responde: - não há reclamação, porque a maioria destas pessoas, na minha região, é constituída de imigrantes irregulares, portanto, ao denunciarem pela imprensa, correm o risco de exporem sua condição de morador com situação irregular.

Em 1972, quando fazia meu curso de pós-graduação em um hospital de Londres, o sistema de saúde da Inglaterra era considerado uma das referências mundiais na assistência médica à população; os ingleses, independentemente da sua classe social, tinham acesso, gratuitamente, à medicina de altíssima qualidade, tanto técnica como profissional.

Foi justamente por esta época que apareceram na famosa Harley Street (Rua Harley) algumas das mais sofisticadas clínicas privadas de Londres; via, quase que diariamente, durante o atendimento ambulatorial do hospital, que alguns pacientes pediam ao meu professor chefe, o endereço do seu consultório particular.

Certa feita perguntei-lhe: por que ocorre isto, se, pelo que vejo aqui no hospital, dificilmente o paciente teria melhor atendimento em qualquer outro lugar; olhou-me de cima para baixo e com um sorriso meio irônico (marca registrada dos ingleses), disse-me:

- O doente imagina que se pagar, usarei alguma “mágica” que não uso com os que não pagam.

Hoje a assistência médica na Inglaterra está desafiada, aquele hospital que frequentei na juventude foi fechado, por falta de verbas!

Não faz muito tempo, em um domingo, levei a esposa de um funcionário da nossa chácara para um atendimento de urgência em um Pronto Socorro; confesso, pela minha longa ausência dos plantões, que fiquei embasbacado com tanta gente na sala de espera aguardando atendimento médico; de longe avistei o médico plantonista, meu ex-aluno e pedi-lhe socorro, pois minha amiga estava fazendo um infarto agudo do miocárdio.

No meio daquela multidão de pessoas, algumas aflitas, outras nervosas e muitas outras agredindo com palavras quem estivesse por perto, meu amigo ex-aluno corria para todo lado, sem saber a quem dar prioridade de atendimento; permitiu-me que o auxiliasse, até porque estava envolvido com dois outros casos muito graves.

Felizmente tudo correu bem, minha amiga, depois do atendimento adequado, foi encaminhada para um hospital de Goiânia, onde deu seguimento ao seu tratamento; voltei para casa e fiz muitos questionamentos a respeito daquele episódio.

O Brasil terá condições de garantir o que a constituição manda fazer (Assistência médica universal gratuita)?; É desumana a carga emocional e laborativa que o nosso atual sistema de saúde submete o médico dos hospitais públicos, jogando sobre seus ombros a responsabilidade que não lhe cabe, afrontando-o com o tacão da justiça e submetendo-o ao escárnio público através da imprensa por situações imponderáveis

Peçam a um engenheiro para fazer os cálculos estruturais de várias pontes, nas frações de tempo que é dado ao médico para decidir sobre dezenas de casos urgentes, cada um deles exigindo soluções que muitas vezes não dependem da sua ação (vagas em hospitais, aparelhagens adequadas, medicamentos necessários, etc.)

Estou exagerando? Convido os leitores a passarem, pelo menos, uma hora dentro de um hospital de emergência; depois disto não saiam culpando somente os governos, os médicos e o sistema, façam uma reflexão e ajudem a encontrar o caminho adequado para, pelo menos, diminuir o problema, porque solucionar, acho que não se conseguirá, pois a saúde é muita cara e nem os países ricos o conseguiram.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O CARRO, A ESCULTURA E O HOMEM

Os jornais têm noticiado que Goiânia possui um milhão de carros circulando por suas ruas e avenidas e, por estes mesmos noticiários, ficamos sabendo, também, que este número deverá crescer continuamente; como não existe programação a curto ou médio prazo de derrubar todas as edificações que margeiam estas vias por onde os carros precisam circular e, nem tampouco, de se alargar todas as ruas, vai chegar a um ponto em que haverá o congestionamento definitivo: ninguém andará, nem para frente nem para trás.

Provavelmente iremos seguir os passos de Tóquio com a construção de elevados, cada vez mais elevados, onde os carros circulam acima dos edifícios, causando-nos, de vez em quando, surpresas (no caso, agradável, pois aconteceu comigo mesmo) ao surpreender uma linda japonesa trocando de roupa na tranquilidade do seu quarto, sem se lembrar dos olhos curiosos que adentravam o recinto do seu apartamento; gestos iguais a este poderiam causar as primeiras colisões de carros nas nuvens.

Os mesmos jornais, agora auxiliados pelos veículos de comunicação audiovisual, já conseguiram convencer a nós todos, que o brasileiro gosta mais do seu carro do que da sua amada; esta constatação subliminar leva-me a fazer algumas reflexões sobre esta “nova mania” e procurar entender, se é que isto é possível, a razão desta idolatria.

Antes de discutir o assunto e para que não fique dúvida quanto à minha honestidade de propósito, preciso dizer que não concordo com o resultado desta pesquisa, se é que realmente houve, pois, o automóvel não disputa com minha amada meu bem querer, portanto, meu julgamento pode estar contaminado, a priori, pela minha resistência em aceitar a tese.

De vez em quando, diante da força mercadológica do carro, esquecemos que o mesmo se originou de uma carruagem semelhante à charrete, copiando desta os instrumentos necessários ao seu desempenho e, principalmente, para a manutenção da harmonia necessária para o funcionamento dos três elementos que a compõe (o animal para tracioná-la, o homem para dirigi-la e do carro em si para transportar as pessoas), cada um destes elementos contribuindo para a simetria do conjunto; o carro automotivo necessita, também, de três elementos para funcionar: do homem para dirigi-lo, do motor para movê-lo e do local para acomodar as pessoas a serem transportadas.

A propósito destas divagações, leio em uma das minhas “anotações culturais” a comparação que o pintor e, sobretudo, escultor suíço, Alberto Giacometti (1901-1966) fez, ao comparar o carro automotivo com os puxados à tração animal: “o carro não somente se originou da carruagem, mas sim da combinação do cavalo e da carruagem, cujo resultado é estranho: um organismo mecânico que tem olhos, boca, coração e intestino; ele irá se alimentar, beber e movimentar até ser freado pelo homem. É mais uma das inúmeras paródias da vida”.

Esta sua observação foi feita durante visita que ele fez ao Salão do Automóvel de Paris em 1957; nesta mesma oportunidade foi-lhe proposto fazer comparação entre a beleza dos carros que estavam sendo expostos e a escultura; ouçamos, resumidamente, o que disse Giacometti:

“É um grande erro supor que o carro tenha alguma coisa a ver com a escultura, cada peça, cada máquina é um produto acabado com o intuito de servir ao seu propósito, quanto mais bem acabada, mais perfeita ela será, assim, uma nova máquina funcionará melhor do que a antiga.

Com a escultura isto não ocorre, continua ele, nenhuma estátua pode ocupar o lugar da outra porque ela não é um simples produto, existe nela muitas coisas que não são tangíveis, é uma mistura de mistério e de solução, é uma pergunta e a resposta. A estátua nunca está terminada, nunca é perfeita. Quando Miguel Ângelo fez sua última estátua, a Pietá, a mesma era apenas o principio, ele poderia trabalhar milhares de anos, fazendo Pietá após Pietá, nunca conseguiria repetir ele mesmo”.

Se analisarmos estas considerações feitas por um dos mestres da escultura do século vinte, ombreando em genialidade com Rodin, podemos observar sua adesão filosófica ao Existencialismo, uma vez que ele foi grande amigo de Jean Paul Sartre.

Nas entrelinhas das suas palavras ele está dizendo que o mundo nunca será estático, porém, constantemente sujeito à mudanças e estas mudanças (a máquina automotriz não tinha naquela época a força mercadológica de hoje), leva-nos a pensar sobre a posição do homem, sobretudo do artista, do livre pensador, que sempre pairará, com a sua inteligência e capacidade criadora, acima da máquina.

O carro pode quebrar e cair em desuso, porém, uma pintura de Rembrandt, mesmo riscada, envelhecida, e uma estátua que foi quebrada em várias partes, nunca perderão a beleza e o valor; haverá sempre a presença do artista no velho quadro e cada pedaço que restou da estátua terá poder próprio, como se fosse inteira.

Lembro, porém, não me recordo do ano, que visitei o Museu de Arte Moderna de Nova York quando havia uma exposição de obras deste consagrado escultor (Alberto Giacometti); ao lembrar-me agora da sua “carruagem” consigo entender aquela sua posição, até desafiadora, frente ao automóvel.

Concordo, modestamente, com ele!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Hemingway - entrevista concedida há 57 anos!

Dias atrás, antes de começar a reunião do Conselho de Administração da Unicred Goiânia, conversava com meu amigo, o médico e membro recém-eleito para a Academia Goiana de Medicina, Clidenor Gomes Filho, a respeito do escritor norteamericano Ernest Hemingway; falávamos sobre a sua obra literária e, também, sobre a vida desregrada que ele sempre levou.

A discussão foi provocada por eu ter-lhe mostrado uma das relíquias do meu arquivo cultural, uma edição de 1958 da revista “The Paris Review” onde era exibida uma entrevista feita com Hemingway em um café em Madri, no mês de maio de 1954, colhida por um jornalista de nome George Plimpton, um dos fundadores daquela revista.

Falar sobre a vida literária deste famoso escritor é ser repetitivo, pois, sua obra soma mais de duas dezenas de títulos, alguns muito conhecidos pelos brasileiros (O velho e o mar, Adeus às armas, Por quem os sinos dobram, dentre tantas outras); o arguto jornalista procurou, naquela histórica entrevista, fugir do lugar comum de tantas outras que foram publicadas, evitando focar as perguntas exclusivamente sobre seus livros.

Foi uma longa entrevista, em que falaram sobre quase tudo que envolvia a vida do escritor, tanto no presente (1954) como no passado; algumas perguntas poderiam ser consideradas embaraçosas, tendo em vista o gênio explosivo de Hemingway, outras intimistas (sua vida pessoal) e na maioria delas (felizmente para os interessados nas entrelinhas da produção do escritor) falaram sobre os passos para a concretização de uma obra literária.

- Você costuma reescrever o texto presumivelmente pronto? Quantas vezes você reescreve?

- Depende, a última página de “Adeus às armas” reescrevi 30 vezes antes de ficar satisfeito.

- Você me disse que seus melhores escritos surgem quando você está amando, explique melhor isto.

- Você pode escrever a qualquer hora se as pessoas não te interromperem e te deixarem em paz, porém, não há duvida, os melhores escritos surgem quando você está amando.

Como sabemos, Hemingway viveu durante algum tempo em Paris, especialmente nos anos vinte e trinta do século passado, época de ouro da cultura francesa, pois, por esta ocasião viveram ali algumas das grandes celebridades das artes e da literatura mundial, que se reuniam em cafés (Flore, Deux Magots) liam os existencialistas, descobriam os surrealistas e moravam em quartos na Rive Gauche.

Não faz muito tempo ouvi de um colunista do Diário da Manhã a afirmativa que, também eu, gostaria de repeti-la: “Sinto inveja daquela geração de escritores que viveu em Paris nos anos de 1930”.

Leiam a pergunta e “ouçam” a resposta dada por Hemingway ao jornalista, quando foi questionado sobre este assunto.

- Em Paris dos anos trinta, havia algum “sentimento de grupo” entre escritores, pintores, enfim, entre os artistas que viviam ali naquela época?

- Não, não havia “sentimento de grupo”, havia apenas respeito mútuo entre nós, alguns da minha idade, outros mais velhos, como Picasso, Braque, Monet, Joyce, Ezra, etc.

Outro fato que me deixou intrigado nesta entrevista foi o posicionamento de Hemingway no questionamento que lhe fez o entrevistador a respeito do seu relacionamento com a também escritora Gertrude Stein; sente-se claramente que ele ainda mantinha mágoa com o ocorrido entre os dois há mais de 20 anos.

- Qual foi a influência exercida por Gertrude Stein na sua obra?

- Desculpe, porém, não sou muito bom em discutir assuntos de pessoas que já morreram. A senhorita Stein escreveu bastante e sempre faltando com a verdade acerca da sua influência no meu trabalho; acredito que foi importante para ela escrever isto, porque todos sabem que ela aprendeu a escrever diálogos de seus personagens, após ler o meu livro “O sol também se levanta”. A senhorita Stein não tinha nada de novo para me ensinar.

Para que os leitores entendam este entrevero é preciso que se diga que Gertrude Stein foi uma das mais famosas e populares escritoras entre os que viviam em Paris naquela época; sua casa era uma espécie de santuário para artistas e escritores e sua fama aumentou muito depois que ela inventou a escrita automática, no estilo abstrato, considerada por alguns como o “cubismo” da escrita e é da sua lavra estes versos maravilhosos, “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”.

Hemingway, como conta Sylvia Beach (The Shakespeare and Company, 1959), ao chegar a Paris, completamente desconhecido, fez de tudo para ser recebido por Gertrude Stein em sua casa (porta aberta para o sucesso), só conseguindo graças à intervenção de alguns amigos, inclusive Sylvia; porém Stein, semelhantemente a Hemingway, tinha o gênio muito difícil e acabaram se desentendo.

Conta ainda Sylvia que em fins de 1930 ela levou um agoniado Hemingway à casa de Stein, pois ele desejava fazer as pazes com ela e não tinha coragem de ir sozinho; “depois do encontro, ele disse que estava tudo bem entre os dois agora”.

Como se pode observar, com esta entrevista, não parece que tudo terminou do jeito que Hemingway afirmara; ficaram sequelas que o tempo não cicatrizou!