BATISTÃO CORREU DA ONÇA NO TOCANTINS
Estávamos, meu
filho José Paulo e meu genro Dr. Antonio, sentados à varanda da casa da fazenda
São Pedro, encravada no meio da serra do Monte do Carmo, no estado do
Tocantins, aguardando o carvão pegar fogo para assarmos uma picanha; observamos
que o Batistão estava muito quieto, um pouco amuado e amargoso, sentado um
pouco afastado do grupo, porém, sem desprezar a latinha de cerveja que de
tempos em tempos lhe era servida.
Dr.
Antonio não aguentou aquele silêncio, puxou-lhe a língua com a intenção de ouvir
as suas ultimas “estórias”, até porque ele ouvira o outro funcionário
comentando a respeito do “apuro” que ele, Batistão, passara no período da
manhã.
-
Batistão, ouvi dizer que você enfrentou uma onça nas imediações da grota
some-some?
Enfrentou
não é bem o que aconteceu Doutor, na verdade o Batistão teve dificuldade para
escapar de uma onça vermelha que estava rondando aquelas bandas, disse o
Marrequinho, piscando um dos olhos para a plateia e com evidente intenção de
“cutucar” o companheiro.
Sei
que alguns leitores devem estar curiosos tentando se situarem no local onde o
Batistão, supostamente, encontrou a temida gata, dou-lhes os detalhes:
A
fazenda São Pedro tem a topografia um pouco acidentada, principalmente para as
bandas de onde estamos falando, a grota “some-some” que, como o nome está
querendo dizer, possui uma profundidade bastante avantajada e o seu “apelido”
advém do fato, segundo os peões comentam,de que se uma pessoa estiver na sua
borda precisará gritar bastante alto para o companheiro que estiver no seu
fundo consiga ouvi-lo, pois a voz ... some no caminho.
Embora
não faça parte desta narrativa, acho conveniente dar esta explicação: é voz
corrente entre os peões a “informação” que lhes foi repassada pelo próprio Batistão,
de que a voz some no caminho é por causa da inveja do falecido “Zé da grota”
que ao cair no precipício, há vários anos, gritou muito e ninguém foi socorrê-lo
e agora “ele” quer trazer mais gente para perto dele; não sabemos se isto foi
invenção do Batistão; se foi ou não, ele passou a acreditar nesta possível
ocorrência e toda vez que é, por dever de oficio, obrigado a ir para aquelas
bandas ele nunca vai sozinho.
-Homem
prevenido vale por dois, sempre que surge a ocasião ele repete este ditado com
muita convicção.
Batistão
sempre foi muito supersticioso, acredita em todas as histórias de assombrações
que lhe contam; hoje, por exemplo, ele estava bastante preocupado, um cão, que
segundo ele, estava muito longe, virou a boca para o lado da sua casa e começou
a uivar em plena madrugada, uivo triste, parecendo que queria enviar-lhe uma
mensagem; na manhã, ao se levantar, deparou-se com um beija flor muito preto
que esvoaçava feito um doido por todos os cômodos da sua casa – Se fosse verde,
seria boa noticia, porém, o preto é má noticia, disse ele com muita crença.
Daqui
para frente passo a palavra ao Marrequinho, que foi testemunha ocular do
ocorrido, para contar-nos a razão do estado de espírito do Batistão:
Havia
uma determinação de irmos, Batistão e eu, à grota “some-some” buscar um manco
de aroeira para substituir outro de angico que havia apodrecido; antes de
sairmos, vários outros peões alertaram-nos sobre a presença de uma onça,
possivelmente parida de novo, rondando aquelas imediações.
Se
existe uma palavra que dá sufoco no Batistão, está é onça, todos conhecem seus históricos
encontros com o felino e em pelo menos duas vezes, ele passou por grande
perigo, uma delas é o acontecido hoje; no caminho ele já foi esconjurando a
empreitada – não é por medo, mas sim por respeito, disse ele mais de uma vez.
Nossa
estratégia era descer no precipício, preparar o pau que levaríamos, amarrar uma
corda na sua extremidade e depois vir buscá-lo com o auxilio de um trator que o
arrastaria para fora da grota; Batistão pediu-me que descesse primeiro porque
ele precisava, antes de nada, definir um plano de fuga no caso de acontecer um
desenlace: a gata aparecer.
Amarrou
a ponta de uma corda em uma árvore “minduim-brabo” localizada nas imediações do
buraco e jogou-a para dentro do “some-some”: caso haja necessidade vamos subir
feito o Tarzan fazia naqueles filmes de antigamente, vamos trabalhar sem as
botinas para termos mais firmeza e rapidez na hora de agarrar no barranco; os
cavalos vão ficar já bem de vista!
Depois
de todos estes preparativos, começamos a lavrar o pau de que precisávamos,
notei que o Batistão estava inquieto, azaranzado, olhava para tudo quanto é
lado à procura de qualquer sinal de alerta; quem procura acha! De repente
ouvimos um barulho vindo de bem longe de onde estávamos e que à medida que os
segundos passavam, aumentava o seu volume.
-
É a onça, fica velhaco home de Deus, vamos subir pra riba enquanto é tempo!
Dito isto, Batistão
não gangorreou na indecisão nem inzonou na pensa, em duas ou três arrancadas
chispou buraco acima, de onde iniciou uma carreira de dar inveja a qualquer
cavalo de hipódromo; de um pulo montou no “criolinho” e meteu a espora no sobaco
do alazão, deu umas pauladas no lombo do bicho e este empinou e como não animal
plancheador, preferiu jogar o Batistão no chão.
Ele
se esquecera de que o cavalo estava amarrado no “minduim-brabo”!
Quanto
a onça, tratava-se, na verdade, de um casal de araras azuis fazendo a maior estripulia.