MINHAS CRÔNICAS

domingo, 3 de novembro de 2013

OS MÉDICOS ESTÃO VIVENDO SOB PRESSÃO!




                                 Era um sábado de carnaval, o ano não tenho certeza, porém, pelo que me lembro (quando era jovem e dava plantões no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da UFG) deveria ser  final dos  anos de 1960, inicio de 1970.
                                  Ao chegar ao Hospital, mais ou menos as 18:hs, encontrei-me com os amigos Drs. Rubens Ferreira de Moraes, carinhosamente apelidado de Rubico e Luiz Amazonas, meus companheiros de “infortúnio” naquele plantão que prenunciava muita movimentação, tendo em vista a data ser  propicia para nossos “clientes” se esbaldarem e cometerem excessos, com a ajuda das bebidas alcoólicas.
                                   Naquela época a pletora de pacientes à procura de ajuda em nosso Hospital era muito maior do que a sua capacidade física para abrigar tanta gente, principalmente os oriundos do nosso interior e, também dos estados nossos vizinhos, tendo em vista que aquele era a grande referência hospitalar na região centro-oeste.
                                   Como não havia as chamadas “Casas do Interior”, locais onde hoje as prefeituras costumam abrigar os pacientes que são encaminhados à nossa capital para tratamento médico enquanto aguardam, se não são casos de urgência, vagas nos hospitais; observávamos tensos e agoniados este quadro de triste lembrança, sem nada poder fazer, tendo em vista que o Hospital não comportava todos os pacientes,mesmo  após esgotados todos os artifícios de deitá-los em macas e em colchões colocados no chão das enfermarias e pelos corredores.
                                              Os pacientes que procuravam o Hospital naquela época (será que mudou alguma coisa?) eram indigentes sociais e nada reclamavam das dificuldades a que eram obrigados a enfrentar, parece que recebiam esta assistência como um favor que o estado lhes estava  prestando e agradeciam a Deus a possibilidade de serem atendidos.
                                               Muitos daqueles pacientes que não podiam ser “agasalhados” no Hospital, sem terem para onde ir (por falta de recurso econômico), ficavam ao redor do nosso Hospital, acomodados, só Deus sabe como, em improvisados abrigos que eles mesmos e seus familiares “construíam” `a custa de tabuas, folhas de zinco, pedaços de papelões, etc.
                                               Somente os médicos e as demais pessoas ligadas à área da saúde, principalmente os (as) enfermeiros, sabem o que é se envolver psicologicamente com esta tragédia humana, onde circulam tantos personagens que a partir do primeiro contato, ao nos inteirarmos das suas dificuldades existenciais, se tornam tão próximos de nós mesmos.
                                               Muitas vezes, em noites frias e às vezes chuvosas, corríamos, Dr. Luiz Amazonas, Dr. Rubens ou eu mesmo, a rodear o prédio a procura da “casa” daquele senhor ou daquela senhora que vimos na entrada do plantão e que nos trazia maior preocupação devido à intempérie;  em pelo menos uma oportunidade, juro pela minha conduta, vi o Dr. Luiz Amazonas chorando em um canto da enfermaria por não ter podido abrigar, mais aquela pacientezinha, no interior do nosso Hospital.
                                               Desgaste emocional inacreditável, não é possível para qualquer pessoa, até mesmo para um médico (hoje visto por alguns como figura desumana), suportar toda esta carga por toda a vida, chega a um ponto que ele necessita diminuir suas atividades, até mesmo, precisa fugir destes procedimentos de estresse; no entanto, ele não quer se  aposentar, pois entende que ainda tem alguma coisa a dar para seus pacientes, angariados em uma vida de relacionamento quase que diário.
                                               Alguns médicos, ao atingirem a planície da vida e da profissão, conseguem manter seus ganhos, restringindo o número de pacientes a serem atendidos; estes são nominados, por alguns, como mercenários, porque se recusam a continuar sua carga de serviço como era no inicio da sua vida profissional; alguns outros, vão a imprensa e bradam: Por que estes recusam a atender em cidades onde não existem médicos? Estes mesmos que acusam, respondem:-  Por que querem mais dinheiro!
                                               Não somos mercenários! somos iguais a toda  população; um Juiz de Direito, ao ser indicado para uma cidade pequena, sem recursos materiais e culturais, como ele desejava para sua família, sabe que a sua permanência ali não será por toda a vida, a sua carreira dentro do judiciário lhe permite saber que nada atrapalhará sua ascensão funcional e  chegará um dia em que ele retornará para um centro maior, com ganhos adequados para sua manutenção e da sua família.
                                   Com o médico não ocorre isto, se for funcionário de uma prefeitura, dependerá do humor do Prefeito a sua manutenção no cargo; o seu futuro e o da sua família dependerão do que ele conseguir amealhar durante os seus anos de plena capacidade laborativa; a medicina é uma profissão que depende de atualização constante e, o mais importante, não é apenas a presença de um médico que resolverá os problemas de saúde da comunidade, depende de hospitais e, a cada dia surge uma infinidade de inovações, principalmente novas aparelhagens que facilitam o diagnóstico e o tratamento dos pacientes.        
                        Acho que devo uma explicação da razão de ter iniciado este texto evocando o carnaval. Acreditem!  No meio daquela avalanche de doentes, apareceu um rapaz todo fantasiado de “malandro carioca”, camisa listrada nas cores branca e vermelha, chapéu palheta, daqueles usados pelos sambistas, calça e sapatos brancos, bigodinho fino, quase encontrando com a costeleta que era de base larga, pescoço ostentando uma corrente de ouro que balançava à medida que ele caminhava, aliás, seguindo o ritmo dos seus passos, todo cheio de “fricotes” e “negaciatas”; resumindo, era uma figura!
                            Gostaria de falar com a excelência, o senhor chefe de plantão, disse ele ao Dr. Luiz Amazonas; - pois não, o que deseja?
                          - Excelência! Estou com um pequeno problema e necessito da sua ajuda, disse, puxando o atarefado Dr. Luiz para um canto – porém, é um particular entre nos dois, completou, olhando para todos os lados e piscando, com malicia, um dos olhos.
                                   O negócio é o seguinte excelência, como o Sr. pode ver, sou o puxador de samba da minha escola e, para meu azar, chegou agora mesmo lá em casa, vindo do interior, o meu tio que o senhor está vendo sentado naquela cadeira e que está com sério problema de saúde e, lá em casa, não tenho  onde acomodá-lo, preciso da sua ajuda!
                                   Vaga não existia, como disse anteriormente, porém, o Dr. Luiz Amazonas, ao discutir o problema com o Dr. Rubens (Rubico), resolveu participar, de alguma maneira, para auxiliar o sambista, pois, afinal de contas ele, o sambista,não era o culpado pela situação e provavelmente, sonhou com este carnaval durante todo o ano.
                                   A única maneira, disse Dr. Amazonas, todo circunspecto, é tentar acomodá-lo em uma das “casas” que foi desocupada agora à tarde (conseguimos internar o “inquilino”); de imediato o sambista esboçou um grande sorriso, seguido de forte abraço no seu “salvador”; o problema é que não tem nenhum conforto, acrescentou o médico, - É apenas um “quebra-galho”, até que possamos interná-lo.
                                   Foram os quatro, os dois médicos, o sambista e o paciente, seu tio; ao chegarem na “moradia” o sambista exclamou todo entusiasmado:
                                   Meu tio!  Veja que acomodação espetacular o Doutor arranjou para o senhor e, antes que o paciente pensasse, deu novo abraço nos doutores, um beijo na face do tio e “deitou o cabelo” rumo à fuzarca!                                                    
Haveria outra solução?