MINHAS CRÔNICAS

terça-feira, 30 de outubro de 2012

MADAME BOVARY E ORGULHO E PRECONCEITO


                 Sempre que surge a oportunidade, volto a folhear e a ler alguns capítulos de “Madame Bovary”, obra do escritor francês Gustav Flaubert; em cada uma destas oportunidades volto a encontrar passagens, diálogos e intenções não reveladas do escritor que me haviam passado despercebidas.
            Convido os leitores a lerem comigo o episódio da aproximação do casal (Emma e Charles) recém-chegados à vila de Yonville, com outros personagens que ali viviam (M. Homais, o farmacêutico, e o jovem Léon Dupuis); a ação aconteceu em um jantar que o farmacêutico ofereceu ao médico e sua esposa.
            Percebemos a refinada técnica da narrativa de Flaubert; ele apresenta os personagens e os coloca a discutir, aparentemente sem a sua interferência; ele apenas dirige a orquestra das conversações, funcionando como contraponto para o seu desiderato.
            O médico e o farmacêutico, como se poderia esperar, têm muita coisa a dizer um ao outro (ataques de febres na população, enterites, inclusive sobre as possibilidades de se ganhar um bom dinheiro com estas doenças, etc.) a bela Emma e o jovem Léon falam de coisas mais prosaicas (viagens, montanhismo e musica); quando conversam todos, Homais oferece a Emma o uso da sua magnífica biblioteca e discutem negócios, enquanto que com Léon ela estabelece uma relação erótica.
             Apesar de casada e grávida, ela sente-se atraída pelo jovem Léon, pois encontra nele o oásis de interesses comuns que ela procurava (atração amorosa, admiração recíproca e, principalmente jovialidade), uma vez que o marido era muito mais velho que ela.
            O romance de Flaubert, como a maioria absoluta dos romances do século dezenove, se desenvolve ao redor da temática do adultério, na visão do já falecido crítico literário norte-americano Allan Bloom, no seu magnífico livro “Love & Friendship – Amor e amizade, publicado em 1993.”
            Tudo em Emma Bovary, como Flaubert desejou que fosse, resplandece erotismo: suas roupas, seu andar, a decoração da sua casa, como ela servia a comida na mesa, nada nela era neutro; ao ouvi-la falar, o leitor tem certeza que ela, mais cedo ou mais tarde, irá prevaricar; basta surgir a oportunidade e isto lhe foi concedido em várias oportunidades pelo autor e ela sempre as aproveitou.
            No entanto, outra autora do final do século 18, inicio do 19, a inglesa Jane Austen, para citar apenas um exemplo para contrapor ao que foi dito por Allan Bloom, fez enorme sucesso entre os leitores da época em que ela viveu e continua fazendo até os dias de hoje; escreveu grande número de romances (quase todos na mesma temática) e em nenhuma oportunidade ela usou, para descrever as tramas amorosas dos seus personagens, o artifício do adultério.
            No enredo das tramas por onde circulavam seus personagens, quase não se discute política e muito menos guerras, apesar de que os acontecimentos do seu romance “Orgulho e Preconceito” ocorreram na época da guerra com Napoleão; os soldados que figuraram como personagens são introduzidos apenas para ilustrar a frivolidade (atração pelos seus uniformes) de uma ou outra garota, como Lydia Bennet.
     Parece que o horizonte de Austen é muito estreito e poderia ser acusada, hoje em dia, de ser muito feminina (não confundir com feminista), como era a regra daquela época; as suas personagens femininas não tinham capacidade para entender de política, de guerra ou discutir grandes ideias.
Os personagens masculinos, com uma única exceção (Mr. Gardiner, que era comerciante), viviam de rendas, geralmente herdadas, que lhes permitiam viver confortavelmente, sem necessidade de trabalhar, era um mundo de fantasia;
Quando se compara o mundo de Austen com o de Flaubert, poder-se-ia dizer que o dela era aborrecido, porém, ao lê-la, mesmo na atualidade, não há como não gostar da sua trama, pois suas histórias são contadas para atingir a sensibilidade dos leitores, enquanto que as de Flaubert deixam claro que o autor, como artista, é inimigo da burguesia e tenta, sempre que pode, desmoralizar a sociedade onde vive seus personagens.
 Quando Flaubert foi a submetido a julgamento na Corte por este seu livro, o argumento do Promotor foi o fato dele não ter colocado nenhuma personagem para contrapor a Emma (quando ela agia de maneira adultera), mostrando-lhe que o que ela fazia estava errado, aliás, como encontramos, com facilidade, nos romances de Austen ou de Tolstoi.    
Porém, não se pense que vamos encontrar uma autora que, apesar do ritmo da narrativa possa parecer aceitação do “status quo” vigente na época; ela é irônica e até mesmo ridiculariza alguns personagens que merecem este tratamento, como o Mr. Collins e a irmã de Bingley, pela preocupação desmedida com o dinheiro.
Ela não tenta libertar a mulher da sua dependência do homem (naquela época era a regra), porém, ela nos faz rir destas situações ao expô-las com tanta clareza. Não teria sido esta a maneira que ela encontrou para mostrar sua insatisfação perante uma sociedade tão paternalista, como era na época em que ela escreveu o romance?
Não é por acaso que a personagem principal do romance, Elizabeth, vivia à frente do seu tempo e não era, como as outras garotas da trama e da época da narrativa, desesperada por um marido; enfrentou a arrogância e a prepotência do possível pretendente, Darcy, com a altivez de uma moça do nosso tempo atual.
 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

RIO ARAGUAIA – tempos idos e vividos!



O Grande Chefe sentou-se em um pedaço de tronco que sobrou do que fora outrora um frondoso pé de angico e que a correnteza das últimas chuvas trouxera para a praia. Se ele tivesse adrede escolhido aquele local, provavelmente não teria conseguido uma posição tão estratégica como aquela: justamente na ponta de uma praia de onde lhe possibilitava visualizar todo o rio, naquele ponto correndo suavemente e com tranquilidade.
            Tentou fechar os olhos como se quisesse fazer uma introspecção, aliás, como costumava fazer com tanta frequência em momentos como aqueles, porém, sua atenção foi desviada para o outro lado da margem do rio.
          Procurou entender o que estava ocorrendo; no entanto, sua vista mais uma vez não o ajudou!
            Inicialmente fez o que qualquer um faria, fechou um pouco as pálpebras, com o intuito de, talvez, concentrar o foco da visão; debalde, a imagem não estava focada. Lembrou-se, quase que num ato reflexo, dos óculos que estavam no bolso da camisa; agora conseguia ver com mais clareza, tratava-se de uma paca que, com certa dificuldade tentava subir o barranco, porém a topografia do terreno naquele ponto era muito inclinada.
                 Inicialmente o animal subiu até a metade do barranco, porém, escorregou e caiu de volta para dentro d'água; nova investida, percorrendo o mesmo trilheiro, novo escorregão, nova arrancada e, finalmente, vitoriosa, galgou o pico da "montanha", olhou para trás, como se quisesse conferir o feito, caminhou alguns passos margeando o rio, e, logo embrenhou-se no mato.
            Ainda emocionado pela cena que teve oportunidade de ver, o Grande Chefe deu asas ao pensamento e voltou no tempo: um ligeiro sorriso entreabriu-lhe os lábios.
              Quantas e quantas vezes, canoa cheia de cães, espingarda de dois canos, estrategicamente colocada entre as pernas, margeava o rio à procura, justamente, das capivaras e das pacas. Ao menor sinal das suas presenças, soltava os cachorros na beira do barranco e ficava sentado no bico da canoa, agora com a espingarda em posição de tiro, aguardando que o animal saltasse para dentro d'água, refúgio derradeiro do assédio daqueles animais treinados em acuá-los. A pontaria era sempre certeira, apenas um tiro era o suficiente, bastava que ele emergisse do mergulho.
                 A única dificuldade era conseguir acertar o local onde isso iria ocorrer, tinha que ser rápido no gatilho e na mira, frações de segundos, era o tempo suficiente para o animal tomar um pouco de fôlego com a ponta do focinho e novamente submergir, mais alguns minutos de expectativa, mais um capítulo da briga entre a vida e a morte.
                       O animal não poderia voltar para as margens porque os cães continuavam fazendo guarda, correndo e latindo de um lado para outro, parece que eles, os cães, também, querendo adivinhar o local da próxima aparição. Normalmente esta disputa não era muito prolongada, dificilmente o animal dava mais do que dois mergulhos.
               Os barqueiros de Aruanã se encarregavam de propagar a lenda: não existe, por estas redondezas, melhor caçador do que o Grande Chefe.
                                     Ficou triste com estas lembranças; se pudesse, ele as apagaria do arquivo localizado nas circunvoluções do seu cérebro.
                                   Uma lágrima ameaçou escorregar pelo canto dos seus olhos, não fez nenhuma tentativa para contê-la, deixou que outras fizessem companhia àquela que já estava atingindo a comissura da boca; de repente o choro tornou-se quase convulsivo e soluçante.
                             Respirou fundo, tirou os óculos, colocou-o novamente no bolso da camisa, deitou de costas na areia branca e macia; antes, colocou os dois braços por detrás do pescoço com o intuito de substituir um travesseiro, fechou os olhos!
                          O sol começava a apontar com seus raios luminosos por detrás da serra que dominava o ambiente; esta imagem era uma repetição de muitas outras a que estava acostumado, através dos anos, a ver no seu querido rio Araguaia. Parecia uma fotografia, repetida incontável número de vezes, feitas pelo mesmo fotógrafo, porém, sempre em ângulos diferentes. A disposição das nuvens, a tonalidade do azul do céu e o contraste destes com a serenidade da água, sempre mudavam, dependendo, inclusive, do estado de espírito do observador, mesmo que, como no caso, este fosse sempre o mesmo.
                               A temperatura era agradável, uma brisa passava rasante ao rio e soprava com suavidade seu rosto, encrespando seus cabelos brancos e já ralos, dando-lhe uma sensação indescritível de íntima alegria.
                              Aquele era o seu ambiente, parece que ele e a natureza fizeram um pacto de mútua vantagem, ele passou a ser o seu protetor e, em troca, era-lhe permitido desfrutar de todas as suas benesses.

sábado, 20 de outubro de 2012

BATISTÃO VIRA MÉDICO DA ROÇA


        
 
             Batistão estava vivendo uma fase que, se fosse mais “letrado”, ele diria que estava de “baixo astral”; perdera o emprego de vaqueiro na fazenda do Sr. Janjote, onde viveu por muitos anos e andava sem eira nem beira a procura de onde se “arranchar”.
                        Cavalgava a passos lentos sob um sol que felizmente não era escaldante como costumava ser aqueles cafundós dos gerais do Tocantins no mês de agosto, chapadões imensos, seguidos de vales e gargantas que foram formadas pelas enxurradas morro abaixo; mesmo assim, de vez em quando, ele parava debaixo de uma ou outra árvore que se postava na beira da estrada para se refrescar e, eventualmente, tomar alguns goles da água que carregava na cabaça amarrada na cabeça do arreio.
                          Algumas vezes ele aproveitava estas paradas para apear do “neguinho”, sentava-se onde ficasse mais cômodo para se levantar depois, geralmente um cupim ou um tronco de arvore, tirava o chapéu e passava a fralda da camisa no rosto para enxugar o suor; de vez em quando, é preciso que se diga, Batistão também se deitava de costa, colocava os braços sob o pescoço, como se fora um travesseiro e ficava olhando a copa da árvore a procura de nada em particular, encimesmado com as suas “pensas”.
                        Na verdade ele procurava alguma coisa, procurava entender o porquê do desfecho com o Sr. Janjote, afinal trabalhara ali por mais de dez anos e nos “finalmente” já desfrutava de uma grande confiança do fazendeiro e, por que não, de toda a sua família; alguma coisa, que ele até agora não atinara aconteceu; no fundo o Batistão reconhecia que ele teve alguma parcela de culpa no desenlace, adianto-lhes alguma coisa (tem rabo de saia envolvido no imbróglio), porém, não tenho tempo de contar-lhes por agora; mesmo porque, antes disso, estava me esquecendo de dizer que cavalgava junto com o Batistão o seu amigo Doracino.
                        Como não estava para prosaria pros ventos, provavelmente em respeito à dor do amigo, mantinha-se calado; sua presença poderia não ser notada se não fosse a intenção que o acompanhava: ajudar o Batistão a arranjar um novo oficio.
                        Quando pararam debaixo de um frondoso Ipê, Doracino voltou a dar instruções ao amigo a respeito do que tentava ensinar-lhe: o oficio de curador dos males da gente do sertão, desde feridas bravas até eventuais casos de espinhela caída; o primeiro mandamento é você “já de cara” se intitular de portador de “sabença” que aprendeu com algum farmacêutico; diga, de imediato, os milagres que fez por este sertão gerais, exagere na dose.
                        Neste embornal que lhe dei, você tem algumas plantas e raízes que venho ajuntando, “cravo de defunto, coentro, herva cidreira, hortelã, sabugueiro, bico de papagaio, losna, onze horas, jasmim, perpétua, língua de urso, palma de Santa Rita”; não se preocupe em saber o nome da árvore das quais elas vieram, pois, depois que viraram raízes e murcharam, ficam tudo do mesmo jeito, você precisa se lembrar somente da sua serventia; diante da queixa, especula bastante sobre o mal: quando começou, se está piorando, se já usou algum remédio; é bom saber para não repetir o mesmo e com isto diminuir a fé na cura.
                        Se você tiver a sorte de tratar e curar, logo de inicio, uma pessoa conhecida e que está sendo considerada como carta fora do baralho do mundo dos vivos, você pega fama; outra lembrança, nunca deixe de pegar o pulso do enfermo, principalmente se ele estiver acamado e colocar a mão na sua testa com ar de sabença, se estiver quente, dar, como primeira providência, um chá suador de folhas de laranjeira, algumas horas depois, se for maleita, a pessoa vai ficar encharcada de suor e a febre passa. Nesta hora você deve dar a quina, se não fizer bem, mal não faz.
            Enquanto as pessoas vão procurar as folhas e fazer o chá, você tem tempo de prosear um pouco mais com a família para arrancar alguma pista da doença, da situação financeira; nesta hora de melhora do “perrengue” aproveite para combinar o preço do seu serviço; não se esqueça de deixar encomendado algumas rezas.
            Doracino, tanta coisa junta, já embaralhou minha pensa, se eu não tiver um espigão mestre para me orientar, acho que não vou dá conta; você não quer trabalhar de pareia comigo?

 

                       

terça-feira, 9 de outubro de 2012

NAQUELE TEMPO, PARIS ERA UMA FESTA!

 O autor percorrendo os sebos “bouquins” na Rive gauche - Paris
 


            Na época do Império, todo literato que militava nas letras brasileiras tinha um sonho: Ir à  Paris, fonte e sustentação de toda a cultura mundial da época; o francês era a segunda língua da elite intelectual brasileira.
             Por muito tempo, ainda, Paris cidade continuaria a ser considerada a Meca da cultura universal; por uma questão de justiça histórica, somos forçados, se voltarmos alguns séculos na história, a aceitar que a pujança desta “República das Letras” nos remete, inclusive, ao século XVII com a força literária de Racine ou de Moliére, de Voltaire, Diderot, Rousseau, Danton e Marat no século XVIII, e Sainte-Beuve, Zola, Maupassant no século XIX. (A Rive Gauche, Herbert R. Lottman, Ed. Guanabara, RJ, 1987).
              O nome, “República das Letras”, na verdade foi cunhada pelo escritor e, muitos anos depois, membro da Academia Francesa de Letras, Jean Guéhenno para identificar a Rive Gauche (lado esquerdo do rio Sena), local onde ele morava nos anos 30 do século passado; diz ele “Ela, a república das Letras, está contida em algumas casas parisienses, numas poucas e amontoadas redações de revistas e editoras, em alguns estúdios de desenho, alguns cafés, alguns ateliês de artistas e alguns sótãos. Não é fácil penetrar nesse mundo. O verdadeiro diálogo se dá entre algumas dezenas de escritores que se aceitam uns aos outros, e só isto”.
            O bairro Montparnasse era o que havia sido anteriormente Montmartre, o local identificador desta efervescência de ideias, especialmente pela presença, ali, de uma infinidade de cafés, onde se reuniam os intelectuais, cujas produções culturais, artísticas e, inclusive suas frustrações amorosas, eram discutidas com todos os frequentadores e, quiçá, com o resto do mundo.
            No entanto, o “ponto” mais famoso de encontro da intelectualidade da época, Saint Germain-des-Prés, surgiu com a repentina aparição de André Breton e seu grupo de surrealistas, que começaram a frequentar o Café Deux Magot, além de Picasso que frequentava o café Flore.   
             A França vivia o tempo de intervalo entre duas guerras; havia o desejo de sublimar os efeitos, ainda muito vivos, das feridas causadas pelo conflito da primeira guerra mundial e a incerteza do porvir, que já escurecia o céu no horizonte das nações que alguns anos depois iriam entrar, novamente em novo conflito, arrastando nesta avalanche, como sabemos, novamente a França e o mundo de sonhos deste grupo de intelectuais.
                 Como sói acontecer quando se reúne uma miríade de livres pensadores, havia, ali também, um emaranhado de díspares visões críticas e políticas, para se falar o mínimo.
                No entanto, sentavam-se às mesmas mesas, discutiam, se agrediam mutuamente, às vezes chegavam à via dos fatos, porém, mantinham a harmonia civilizada da aceitação das opiniões dos contrários.
               Chama a atenção, consultando a bibliografia à nossa disposição (Shakespeare and Company, Sylvia Beach, Casa da Palavra, RJ, 2004; Os exilados de Montparnasse, Jean-Paul Caracalla, Ed. Record, RJ, 2009) que, embora frequentassem os mesmos lugares, normalmente, os escritores de grande prestigio como Gide, Maurois dentre outros, moravam no Rive Droite (lado direito do rio Sena), o que era motivo de “desprezo” pelos demais, pois ali era o local das grandes residências e grandes hotéis.
            Por outro lado, os moradores da Rive Droit queixavam-se do “preconceito” da revista Nouvelle Revue Française que afirmava: “... Se uma pessoa não mora na Rive Gauche não se trata de um escritor de verdade”.
          Pela mesma época vários escritores norte-americanos (Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, dentre outros) também circulavam por estas mesmas ruas, porém viviam, aparentemente, uma vida um pouco apartada dos escritores franceses.
         “Shakespeare and Company”, uma livraria fundada por uma americana de nome Sylvia Beach, localizada na rue de l’Odéon, na Rive Gauche, e que tinha uma característica diferente das demais: além de vender também emprestava livros, era o ponto de encontro desta gente, assim como de alguns outros, como o escritor Irlandês James Joyce, que por qualquer motivo, não tinham disposição para compartilhar a sua mesa de café com desconhecidos e iniciar um diálogo ou talvez uma aproximação literária. 
            Em “Paris é uma Festa” (Ed. Civilização Brasileira RJ, 1969), Hemingway confirma esta assertiva ao escrever: “Ali era uma lugar acolhedor e alegre, com um grande fogão aceso no inverno, mesas e estantes de livros, novidades na vitrina e, nas paredes, fotografias de famosos escritores vivos e mortos”.
           Depois veio a guerra, com todos os horrores que conhecemos; aquelas vozes, tão propensas a aceitarem as discordâncias de pensamento com seus interlocutores, assumiram posições políticas; alguns, na realidade a maioria, permaneceu com o discurso condizente com o seu passado, outros, debandaram para o outro barco; alguns outros, por uma questão de justiça histórica, sem entrar no mérito, permaneceram fiéis às suas ideias e assumiram posições de relevo na nova ordem que se instalou na França ocupada.
           O relato da participação da intelectualidade francesa nos acontecimentos da segunda guerra mundial, ainda não está completo, sabemos que muitos foram julgados e condenados pelas suas ideias, outros lutaram e morreram ao lado das forças da resistência, outros, sem alternativa, conseguiram fugir, outros ainda, como André Breton (suposto apoiador dos comunistas) e Victor Serge (apoiador, realmente, de Stalin) se esconderam, junto com outros intelectuais, na zona não ocupada da Franca, nos arredores de Marselha, onde permaneceram por mais de dois anos (Villa Air-Bel-1940, Rosemary Sullivan, Ed. Rocco, RJ, 2006).
          A parte lamentável, para dizer o mínimo, do após guerra foi o julgamento daqueles intelectuais que participaram do conflito abastecendo as trincheiras do inimigo, os chamados “colaboracionistas”.
            Porém, esta é outra história! 
;.
 
 

FESTA DE IGREJA – Quanta singeleza!

                  

 

   Neste mês de agosto temos festa na Igreja de Nova Fátima em louvor a Nossa Senhora de Fátima, padroeira do lugarejo; todos os anos nossos nomes, Marília e meu, constam da lista de “patronos por um dia”; neste ano não foi diferente, ficamos novamente satisfeitos de sermos lembrados para constar do cartaz que divulga a festa, ao lado de muitos vizinhos (chacareiros, sitiantes e fazendeiros), nossos amigos de há muitos anos, alguns há quase quarenta anos.

                          Minha vida, infelizmente, continua um pouco atribulada pelos afazeres que tenho de desincumbir-me em Goiânia, dos quais ainda não consegui me livrar, porém, para o ano que vem pretendo dar uma “guinada na vida” (será? Já me prometi tantas vezes...) e, portanto irei frequentar mais vezes as tarde-noites na praça da igrejinha, frequentar as “novenas”, encontrar e conversar com os amigos, divertir no tiro ao alvo, na pescaria no tanque de areia, participar dos bingos e, principalmente, dos leilões de brindes. 

                            Conseguimos participar, com nossas presenças, apenas do último dia da festa; vesti minha calça “rancheira”, calcei minha botina rigindeira e fomos, Marília e eu, garbosos e satisfeitos para o arraial de Nova Fátima aonde chegamos quase que na hora do inicio da santa missa; estacionamos a camionete em frente ao armazém dos amigos Wandeir e Zézé que, por sinal estavam na porta, aguardando a hora de, também, se dirigirem para a igreja (era só atravessar a rua!).

                              O tempo passa e alguns costumes modificam pouco; havia, semelhantemente ao que ocorria em Gaspar Lopes nos anos de 1950, grande quantidade de pessoas, principalmente homens, postadas na entrada da igreja, transmitindo a imagem de que não havia mais bancos disponíveis no seu interior; entramos e qual não foi nossa surpresa ao conseguirmos nos acomodar em local privilegiado, ao lado da Luzia, viúva do nosso amigo (que Deus o tenha) João Gonçalves, na nave da igreja.

                               Participamos, com fé, da celebração; Marília comungou, aliás, como sempre costuma fazer; um coral, muito bem treinado e com perfeita sintonia de vozes e som, constituído por pessoas do lugar, entoavam hinos de louvor ao Senhor Deus; o sermão, proferido pelo Frei João foi perfeito, com linguagem inteligível aos paroquianos, transmitia sinceridade e esperança nas palavras e, principalmente mostrava conhecer quase todos os presentes (provavelmente mais de 300 pessoas) pelos seus respectivos nomes, pois nominou vários deles.

                               Antes de terminar o oficio religioso os festeiros, representados pelo Sr. Paulinho e sua esposa, foram chamados à frente para fazer um balanço dos acontecimentos; hora de alegria e confraternização, hora dos agradecimentos pessoais a todas as pessoas que trabalharam em prol da festa, desde os que ajudaram na arrumação da igreja até os que varreram as ruas do lugarejo, desde os que deram ajuda financeira (bezerros e outras prendas para os leilões) até o mais simples morador que doou algumas horas do seu trabalho em prol de  Nossa Senhora de Fátima. Marília e eu ficamos felizes por termos tido a oportunidade de estarmos presentes!

                               Na saída da igreja encontrei-me com vários amigos da região, alguns que há muito não os via (Pau Velho, José Vicente, filho do falecido Sr. Vicente, Louro, João Benicio, Paulinho negociante de coisas antigas, para citar alguns); fiquei surpreso e satisfeito de rever o Walter eletricista que, ao encontrarmos, deu-me um efusivo abraço; falamos, com saudades, do tempo em que ele trabalhava na Santa Tereza e da eleição em que ele concorreu para o cargo de vereador em Hidrolândia e que tentei ajudá-lo, porém, perdemos a eleição, apresentou-me seu neto, já rapaz (o tempo passa...); contou-me da sua vida atual: é funcionário (construtor e eletricista) de um conglomerado de igrejas da seita dos Mórmons.

Quando nos dirigíamos para uma das barracas para comermos um lanche, encontramos com o João “Cabaça”, nosso antigo funcionário e que passou a nos ciceronear, dando-nos conta dos acontecimentos festivos que ainda aconteceriam. O senhor vai ver daqui a pouco, disse ele com evidente entusiasmo, uma espetacular queima de fogos de artifícios, cujo arranjo foi feito pela única pessoa, aliás, morador daqui de Nova Fátima, que sabe fazê-lo aqui nas redondezas, principalmente a montagem das “cascatas”.

Logo em seguida assistimos a exibição da banda marcial (mirim) de Hidrolândia que veio especialmente para abrilhantar a festa, como nos ensina o João; fiz algumas fotos, principalmente das duas meninas “balizas” que fizeram exibições no asfalto com galhardia e, sobretudo desembaraço, encantando os presentes pela meiguice estampadas nos rostinhos inocentes.

Quando resolvemos voltar para casa, ouvimos, de longe, o grito do leiloeiro:

- Quanto me dão por esta prenda?

Parece que aquela voz se confundia com outra que ouvia nos leilões da festa da igreja de Gaspar Lopes, lugarejo onde nasci, localizado no sul de Minas Gerais, nas idas eras do meu tempo de criança; lembrei-me daquele leiloeiro que no final da noite estava quase sem voz de tanto gritar.

Quanto me dão por este cartucho?  Deve estar recheado de doces, pois veio da casa do senhor Chiquito Agostini. Vamos ajudar a Igreja do padre Gastão minha gente!

  Era o Nico Moreira, guarda chave da Rede Mineira de Viação, meu pai!